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As pressões do atraso

OESP, Notas e Informacões, p. A3
23 de Mar de 2005

As pressões do atraso

O presidente da República tem até amanhã para calar os que o criticam, em diversas situações, por insuficiente conhecimento de assuntos cruciais que chegam à sua mesa, pela crônica dificuldade de tomar decisões a tempo e hora, e pela relutância em magoar companheiros de quem é amigo ou a quem admira, mesmo em prejuízo do seu governo ou, pior, do interesse nacional.
Amanhã, de fato, termina o prazo para ele promulgar a Lei de Biossegurança aprovada na Câmara dos Deputados no início do mês por maioria mais do que expressiva - 352 votos a 60 - ao cabo de atribulada tramitação de 14 meses nas duas Casas do Congresso. O texto que afinal subiu ao Planalto estabelece as normas para as pesquisas, o cultivo e o comércio de produtos transgênicos. Também autoriza - sob condições severamente limitadas - o uso de células de embriões humanos em experimentos para fins terapêuticos.
Era de esperar que, concluída satisfatoriamente a longa marcha da proposta elaborada pelo próprio Executivo, o seu titular logo sancionaria a lei, da qual algumas provisões, aliás, precisarão ser regulamentadas. Pois a intenção do governo, com o projeto, era definir um marco institucional inequívoco para os transgênicos, acabando de vez com os imbróglios jurídicos que há oito anos vêm enredando a questão, a ponto de terem exigido de Lula edição de três medidas provisórias relativas à soja GM (geneticamente modificada).
A causa da delonga são as pressões incessantes da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para que Lula vete nada menos de 14 artigos, parágrafos e incisos do projeto. De seu lado, o lobby religioso quer excluir dele a liberação parcial das pesquisas com células-tronco embrionárias. É claro que nem mesmo a obsessiva ministra espera ver acolhidos na íntegra os seus pleitos - que, segundo os especialistas, fulminariam de uma penada tudo que o governo, o Congresso e a Justiça já decidiram a respeito.
Mas ela não abre mão de esvaziar as funções da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o colegiado multidisciplinar vinculado à Pasta da Ciência e Tecnologia, com a atribuição de dar a palavra final sobre os possíveis riscos, para a saúde e o ambiente, de transgênicos que se queiram produzir e levar ao mercado. O órgão inclui representantes dos ministérios das duas áreas. As suas eventuais decisões favoráveis ao cultivo comercial de GMs não equivalem a uma licença para plantar. Esta dependerá sempre dos 11 ministros do futuro Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS).
Ainda assim - e não obstante poderem a Saúde e o Meio Ambiente recorrer das resoluções da CTNBio, primeiro no seu âmbito, depois no CNBS -, a ministra Marina não desiste de tentar subtrair da comissão a incumbência de se pronunciar, caso a caso, sobre a necessidade ou não de licenciamento ambiental prévio para os transgênicos. Ela é ainda contrária às pesquisas com células embrionárias. Noticiou-se ontem que, tão logo a Câmara aprovou o projeto, a ministra, aos prantos, teria arrancado do presidente a promessa de vetar tais dispositivos.
Nesse meio tempo, a CTNBio, compreensivelmente empenhada em "limpar a pauta" - a massa de pedidos à espera de seu parecer - antes da entrada em vigor da nova lei, aprovou uma solicitação para o cultivo comercial de uma variedade de algodão GM, chamada Bollgard, que contém o gene de uma bactéria que dá à planta propriedades inseticidas. Ela só poderá ser semeada em áreas delimitadas, a distância das espécies convencionais.
Mas foi o que bastou para a ministra recrudescer. Agora ela quer que a CTNBio perca o poder de julgar a segurança de produtos bioinseticidas, como o algodão Bollgard. O presidente do órgão, o bioquímico Jorge Guimarães, que também preside a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), do Ministério da Educação, reagiu vigorosamente. "A CTNBio tem gente do mais alto valor", atestou. E, numa alusão indireta ao Ibama: "Não sei se outros órgãos do governo têm a mesma competência." Ele teme, com razão, que se Lula acatar a exigência de Marina "será um passo atrás".
A escolha é do presidente. Nesse caso não há dúvida de que ele sabe o que é bom para o País. O que está em causa é o seu dever como presidente da República. Ou o cumpre, ou sucumbe à chantagem política e afetiva de quem se vale da sua imagem de Joana d'Arc da natureza para conduzir uma cruzada pelo atraso - e justifica os que o consideram inepto para exercer o cargo.

OESP, 23/03/2005, Notas e Informacões, p. A3

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