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Presidente da Funai quer índios na universidade

O Estado de São Paulo, p. A31
Autor: SANTILLI, Márcio
17 de Set de 1995

Presidente da Funai quer índios na universidade
Márcio Santilli, que acaba de assumir a fundação, quer eliminar preconceitos contra culturas indígenas

Tereza Guimarães

Estigmatizada por uma legislação assistencialista, a Fundação Nacional do Índio (Funai) é sinônimo de controvérsias e paixões. Amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o novo presidente da Funai, Marcio Santilli, vem disposto a mudar a imagem da instituição "sem reinventar a roda" e a eliminar os preconceitos e a desinformação na relação da sociedade com os índios, como disse em entrevista ao Estado.

Por isso, vai. propor ao ministro Nelson Jobim que permita o.acesso dos índios a bolsas de estudo nos cursos universitário. O novo presidente da Funai foi deputado pelo PMDB de São Pauto de 1982 a 1986 e deixou o partido para ajudar a fundar o PSDB. Até assumir a Funai, presidia o Instituto Socioambiental, ONG que incorporou vários segmentos ambientalistas.

Estado - Como sé sente assumindo um órgão que normalmente é sinônimo de controvérsia?

Márcio Santilli - Há um problema de ordem geral de Estado, totalmente desorganizado, sucateado, inchado. Diante da delicada situação do povo indígena, esse problema repercute com agravantes.
Mas há uma meta de governo de promover reformas. E eu fui incumbido de considerar também a especificidade do órgão.
Estado - Quais seriam os pontos básicos dessa reforma?

Santilli - Primeiro, redimensionar a demanda das áreas indígenas e saber como o Estado está organizado para enfrentá-la. Levantaremos uma discussão sobre os programas regionais que pretendemos estruturar, principalmente onde há grandes concentrações de aldeias.

Estado - Quanto está previsto no orçamento do ano que vem e o que dá para fazer com os US$ 30 milhões prometidos pelo governo alemão?

Santilli - Para custeio, o orçamento de 1996 prevê R$ 62 milhões. A nossa estratégia será gastar o melhor possível. Quanto aos US$ 30 milhões, acho que a Funai nunca dispôs de um volume tão grande de recursos num único projeto de demarcação.

Estado - De quanto a Funai precisaria para realizar os projetos necessários?

Santilli - Não é possível ainda fechar essa conta A Funai está muito sucateada, quase não tem médico, antropólogo, advogados, agrônomos. A Falta de quadro técnico qualificado é muito grande. A Funai tem um quadro de 4 mil funcionários. Há 700 vagas de pessoas que se aposentaram e saíram do órgão. Há muitos anos não há concurso na Funai.

Estado - A Funai vem tendo uma relação assistencialista com os índios. Em que direção caminha agora?

Santilli - A Funai foi criada numa época em que prevalecia concepção jurídica da tutela Nos anos mais recentes, permeados por crises econômicas e do Estado, houve um aprofundamento das relações dos índios com a sociedade. Se de um lado a demanda cresceu, por outro os recursos foram reduzidos. Criou-se um abismo. Hoje a Funai tutela mal. Nós precisamos de soluções que partam das próprias comunidades. Já há muitas áreas no País onde os índios querem assumir o controle da sua economia, de sua terra. São áreas distantes, onde não há infra-estrutura e a produção sofre com a concorrência de mercado.

Estado - A Funai tem algum projeto especial na área de educação para oferecer aos índios?

Santilli - O que eu vou propor ao governo, no primeiro momento, é o acesso dos índios a bolsas de estudo de 3o.grau. Esse é um problema grave, eles não têm como se manter enquanto estudam. Alguns conseguem com imenso esforço chegar à universidade e depois a abandonam por falta de condições.

Estado - Que contribuição as comunidades indígenas poderiam dar a unia sociedade tão complexa quanto a nossa?

Santilli - Há comunidades que conhecem uma gama de alimentos estranhos para a nós. Variedades de mandioca, de milho, e de outras coisas que a nossa ciência nem sequer consegue classificar, princípios ativos que ainda não foram pesquisados. O que para muita gente parece mero folclore, não é bem assim Hoje, em outros países, se leva muito a sério a propriedade intelectual indígena.

Estado- A Funai vai interditar a, área dos índios isolados de Rondônia descoberta recentemente?

Santilli - Interdição não significa demarcação, mas proteção. Há no caso uma dificuldade, porque, eles falam uma língua que ninguém conhece. O sertanista que fez o contato gravou a conversa e está mostrando a gravação a outras lideranças para tentar identificar o tronco lingüístico - tudo indica que é tupi. Índios desse tronco, no entanto, ao escutarem a fita, conseguem, identificar uma ou outra palavra, mas não codificam a mensagem. Isto é um obstáculo.

OESP, 17/09/1995, p. A31

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