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Presidente da Funai, que não gostava de ser chamado de pastor, é exonerado "por ineficiência", diz Planalto

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
05 de Mai de 2017

O dentista e pastor evangélico Antônio Fernandes Toninho Costa chegou à Presidência da Fundação Nacional do Índio em 12 de janeiro por indicação do partido ruralista PSC (Partido Social Cristão) e, em menos de quatro meses, foi exonerado do cargo nesta sexta-feira (5 de maio) a pedido do próprio partido que lhe apoiou. É o PSC e o deputado do partido André Moura (SE) que estão com o poder de decidir quem dirige ou não a Funai no governo do presidente Michel Temer.

O general do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, atual Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, assumiu o cargo de presidente da Funai. A nomeação do general teria o aval do deputado André Moura (PSC-SE) e do ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Eliseu Padilha.

Segundo Antônio Costa em nota no Whatsapp, sua exoneração foi motivada pelo fato de não ter nomeado, em abril, 20 pessoas indicadas pelo deputado André Moura e pelo próprio ministro da Justiça, Osmar Serraglio, para cargos de chefia na fundação. Entre as indicações rejeitadas agora pelo ex-presidente da Funai, segundo apurou a reportagem, estão a de indígenas e não indígenas com forte rejeição no Movimento Indígena Nacional e aliados ao agronegócio entre eles:

Azelene Inácio, líder indígena Kaingang (Santa Catarina), e de seu marido, Ubiratan de Souza Maia, conhecido como Ubiratan Wapichana. Os nomes dos dois constam em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em 2008, sobre a construção do complexo portuário Porto Brasil, no litoral sul de São Paulo. O caso envolve a empresa LLX, então propriedade do empresário Eike Batista.

O ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), chegou a indicar Azelene à Diretora de Proteção Territorial, mas a nomeação não se confirmou, mesmo ela indo reclamar ao ministro sobre a pressão contrária de Antônio Costa. Ubiratan de Souza Maia é filho de uma indígena da etnia Wapichana, de Roraima, mas sua atuação é rejeitada pelo movimento indígena de seu estado, conforme apurou a Amazônia Real.

Antônio Toninho Costa também teria rejeitado a indicação de Raimundo Nonato Pereira Sobrinho, mais conhecido como Raimundo Atroari, e atual presidente da Fundação Estadual do Índio do Amazonas. Ele é ligado ao grupo político do governador cassado do Amazonas, José Melo (Pros).

Conforme a agência Amazônia Real apurou, o PSC chegou a articular a nomeação de Raimundo Atroari para assumir o lugar de Antônio Costa. Desde que o nome dele começou a ser cogitado a assumir à Presidência da Funai líderes indígenas do Amazonas divulgam em grupos de redes sociais uma carta do povo indígena Waimiri-Atroari.

A carta assinada pelo líder Mário Parwe Atroari e encaminhado ao ex-governador José Melo em 2015, diz que Raimundo Nonato Pereira Sobrinho usa indevidamente o nome da etnia e não pertence a povo Waimiri-Atroari.

"Vimos informar que o senhor Raimundo Nonato Pereira Sobrinho não pertence a nossa etnia. O nome dos Waimiri Atroari está sendo usado indevidamente. Fizemos uma revisão em nossos dados e através do conhecimento dos líderes na faixa etária que possam identificar uma pessoa que tenha saído do nosso habitat e ido viver na cidade, e chegamos à conclusão de que este senhor não é um índio Waimiri-Atroari. Não aceitamos que pessoas que não pertencem ao nosso povo, utilizem o nome de nossa etnia em proveito próprio", diz Mário Parwe Atroari.

Na rede social Whatsapp, Antônio Costa disse que os 20 nomes indicados pelo deputado André Moura para cargos da Funai são de pessoas "que nunca haviam visto um índio", mas não cita quem são essas pessoas. Mas tem indígena no caso, como de Azelene. Procurado pela reportagem na semana passada, ele não quis comentar as pressões da liderança Kaingang, que teria até se queixado do presidente da Funai ao ministro da Justiça.

"[Fui exonerado] Por não ter atendido o pedido do líder do governo André Moura que queria colocar 20 pessoas na Funai que nunca viram índios em suas vidas. Estou sendo exonerado por ser honesto e não compactuar com o malfeito e por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista", afirmou Antônio Costa na rede social.

A exoneração assinada pelo ministro da Casa Civil Eliseu Padilha foi publicada nesta sexta-feira (5) no Diário Oficial da União. Mas a demissão de Costa não foi motivada pelo ataque aos 13 índios da etnia Gamela no Maranhão.

Segundo o site G1, o Palácio do Planalto informou que Antônio Costa foi exonerado por ineficiência ao longo do período à frente da Presidência da Funai.

Em coletiva à imprensa concedida pela manhã na frente da sede da Funai, em Brasília, Costa rebateu que sua exoneração foi "por ineficiência", como disse o Planalto ao G1 e atacou o governo de Michel Temer e o ministro Osmar Serraglio (PMDB-PR). "O ministro Serraglio [Osmar Serraglio (PMDB-PR)] é um excelente deputado, mas ele não está sendo ministro da Justiça. Ele está sendo ministro de uma causa [o agronegócio] que ele defende no Parlamento. E isso é muito ruim nas políticas brasileiras, principalmente, para as minorias. Os povos indígenas precisam de um ministro que faça JUSTIÇA e não um ministro que venha tender para um lado, isso não é papel de ministro."

"Não quero entrar nos detalhes das indicações do deputado André Moura. O governo deu hoje que estou saindo por incompetência. Incompetência é desse governo (de Michel Temer) que quebrou o país e que faz corte de 40% no orçamento da Funai. Incompetente porque é incapaz de convocar os 220 concursados e faz cortes de servidores. Isso é incompetência da Funai? Não! É do governo e cabe a ele responder", disse Costa aos jornalistas na coletiva.

Bancada ruralista ocupou a Funai

Nos quase quatro meses que permaneceu como presidente, o dentista Antônio Fernandes Toninho Costa recebeu no gabinete "mais políticos do que lideranças indígenas", diz uma fonte à reportagem, entre eles, os deputados Luis Carlos Heinze (PP/RS), Domingos Sávio (PSDB/MG), e do PMDB: Valtenir Pereira (MT), Anibal Gomes (CE) Alceu Moreira e Rogério Peninha Mendonça (ambos do (RS). Do PSC recebeu: Victório Galli Filho (MT), Takayama (PR) e Rogério Vargas (RJ), apenas entre os meses de janeiro a março.

Antônio Costa também fez declarações expondo que não entende muito das questões dos povos indígenas brasileiros, apesar de ter no currículo experiência com etnias por meio do trabalho na extinta Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e com a Missão Evangélica Caiuá, que se diz "a serviço do índio para a glória e Deus".

Em entrevista à BBC Brasil, Antônio Costa disse que buscará recursos em outros setores do governo para financiar atividades econômicas dentro de terras indígenas, como a plantação de grãos, a criação de peixes e a extração de castanhas.

"Eles têm de participar dessa cadeia. Os não índios já têm essa prerrogativa, por que os índios, não?"

Costa é pastor da Primeira Igreja Batista do Guará em Luziânia, cidade goiana vizinha a Brasília. Com isso, cooptou muitos indígenas evangélicos para seu grupo político na Funai. Ele afirmou à BBC "que jamais levou sua filosofia de vida religiosa" para o trabalho. Mas diz não se opor à pregação religiosa em aldeias e que grupos missionários são importantes parceiros da Funai.

Costa violou a liberdade de expressão

Ao assumir o cargo de presidente da Funai em 12 de janeiro de 2017, a agência Amazônia Real foi a única mídia brasileira a anunciar que Antônio Costa exercia o cargo de pastor evangélico. Mas ele não gostou do jornalismo independente e começou a violar o trabalho da agência não autorizando o ingresso da reportagem em terras indígenas.

Desde 2016, a Amazônia Real solicita entrevistas na terra dos indígenas Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O processo 08620.140929/2015-70 foi aberto em 12 de setembro do ano passado (conforme Ofício no. 302/2016/GAB/PRES/FUNAI-MJ). Foi solicitada também uma visita ao povo Apurinã, que vive entre o Acre e o Amazonas (processo no. 08620.159293/2015-30, aberto em 23 de janeiro de 2017, já na gestão de Costa). Ambos os processos tramitam na Assessoria de Acompanhamento aos Estudos e Pesquisas (AAEP) da Funai.

No dia 09 de fevereiro de 2017, a AAEP comunicou à reportagem que Antônio Fernandes Toninho Costa "não assinou" o pedido referente ao processo do ingresso à terra dos índios Guarani-Kaiowá, mas não explicou o motivo.

A situação, que é inusitada pois a Amazônia Real defende os povos indígenas, permanece até o momento, apesar da agência ter enviado cinco novas datas para a viagem nesse período, datas estas que foram modificadas a pedido da Funai e de Costa.

Após a publicação da reportagem em que Antônio Costa foi identificado como pastor evangélico, a Amazônia Real procurou ele para novas entrevistas. No dia 20 de fevereiro o então presidente da Funai fez as seguintes declarações ao repórter Fábio Pontes, o que dá para entender que há um caso de cerceamento da liberdade de expressão contra a agência:

Amazônia Real - Alô, pastor Antônio Costa? Boa noite, meu nome é Fabio Pontes, jornalista da agência Amazônia Real, em Manaus. Gostaria de saber se seria possível uma entrevista com o senhor.

Antônio Costa - Olha, está tudo bem, mas eu estou numa reunião aqui. Você poderia falar rapidamente o que você está precisando?

Amazônia Real - Eu queria uma entrevista com o senhor sobre sua nomeação para a presidência da Funai.

Antônio Costa - Mas veja só, você já está começando de forma errada porque eu estou aqui como presidente da Funai e não como pastor. Pastor eu sou na minha igreja, meu trabalho particular. Vocês fizeram uma reportagem aí contra a minha pessoa muito ruim, muito maldosa sem me ouvir. Isso pegou muito mal, viu? Agora se vocês querem uma entrevista eu vou te dar o meu e-mail, você faça uma pergunta e eu responderei com o maior prazer.

Antônio Costa - Da forma que vocês fizeram aí essa reportagem foi uma reportagem muito maldosa porque vocês não foram jornalistas verdadeiros. Vocês ouviram e soltaram coisas inverdades. Eu sou um profissional de 25 anos com o trabalho indígena. E a minha vida particular é outra coisa.

Amazônia Real - Eu não sei. Eu li a reportagem e não encontrei nada que viesse a denegrir sua pessoa, talvez o senhor esteja confundindo...

Antônio Costa - Foi a mesma repórter (Elaíze Farias) que soltou essas coisas aí, soltou esses vídeos. Isso é a minha vida particular. Vocês têm que respeitar. Minha vida particular é minha vida particular. (...) Faça as perguntas e me envie por e-mail que responderei com o maior prazer, tá?

A repórter Elaíze Farias procurou Antônio Costa, via celular e mensagem por whatsapp antes da publicação da reportagem (12 de janeiro de 2017) por ocasião de sua nomeação para ouvi-lo a respeito de sua atuação junto aos povos indígenas. Costa respondeu por whatsapp dizendo que daria entrevista no dia seguinte (13 de janeiro), com a confirmação de sua nomeação no Diário Oficial da União (DOU), mas ele não atendeu as ligações.

Depois dessa entrevista em fevereiro, Antônio Costa continuou sem autorizar os pedidos de ingressos em terras indígenas solicitados pela agência Amazônia Real. A reportagem procurou a Assessoria de Acompanhamento aos Estudos e Pesquisas (AAEP) da Funai para um esclarecimento. A Funai confirmou que o presidente não tinha assinado a autorização e que "não poderia fazer nada porque ele é soberano na decisão", mesmo os índios Guarani-Kaiowá tendo dado a anuência em outubro de 2016. A reportagem inclusive foi convidada pelos próprios indígenas, que são ameaçados por fazendeiros do agronegócio.

Guarani-Kaiowá "é questão polêmica", diz Costa

A Funai exige que a imprensa nacional e internacional solicite autorização à Presidência com a anuência dos povos indígenas para o ingresso de veículos da imprensa nas terras indígenas. Existem duas normas que disciplinam o caso. A primeira tem finalidade específica à pesquisa científica, INSTRUÇÃO NORMATIVA No 01/PRESI, DE 29/NOVEMBRO/1995. Esse documento não cita o trabalho dos jornalistas.

A segunda é a PORTARIA n. 177/ PRES, de 16 de fevereiro de 2006, que visa o respeito aos povos indígenas, a proteção de seu patrimônio material e imaterial relacionados à imagem, criações artísticas e culturais. Esta cita o trabalho dos jornalistas apenas no Artigo. 10:

"O uso de imagens indígenas para fins de informação pública é livre e gratuito, respeitados os limites da privacidade, honra e intimidade dos retratados, conforme disposto na Lei N. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

1o A coleta de materiais de vídeo, foto e áudio para fins jornalísticos atenderá exclusivamente à finalidade proposta e será restrita em sua divulgação a 15 fotos e 05 minutos de gravação de qualquer natureza, sujeita à fiscalização pela Coordenadoria Geral de Assuntos Externos.
2 o. As imagens indígenas coletadas para fins de informação pública não podem ser exploradas comercialmente."

A Amazônia Real já recebeu três autorizações para ingresso em terra indígena da Funai desde que começou suas atividades, em 2013. A agência solicita os pedidos à Funai para garantir a integridade e o direitos de imagens dos indígenas. Duas autorizações, emitidas entre 2014 e 2015, foram para fazer a reportagens com os índios Juma e os Sateré-Mawé, no Amazonas. E a terceira com os Munduruku, no Pará, em 2016. As reportagens foram realizadas com sucesso.

No dia 8 de abril, a repórter Elaíze Farias conseguiu entrevistar por telefone Antônio Costa, ocasião em que ele falou sobre a extinção de cargos na Funai, e perguntou sobre o motivo de não autorizar a reportagem à visitar as terras indígenas:

Amazônia Real - Por que o senhor não assinou a autorização da Amazônia Real para a reportagem aos Guarani Kaiowá?

Antônio Costa - Estamos em fase de consulta junto à comunidade para ver a viabilidade. Assim que tiver conclusão informarei à senhora.

Amazônia Real - Esse pedido foi feito ano passado. Já tem autorização das lideranças. Em janeiro recebemos uma resposta, e o senhor não assinou. Tem também o pedido para matéria dos Apurinã, no Acre.

Antônio Costa - Eu não dei ainda porque não terminou a consulta. Peço a você esperar a resposta, viu.

Amazônia Real - Qual a previsão?

Antônio Costa - A previsão é assim que terminar a consulta.

Amazônia Real - Mas os índios já foram consultados e deram a anuência em outubro de 2016. Por que está demorando essa autorização?

Antônio Costa - Porque trata de uma questão bastante polêmica [dos índios Guarani Kaiowá] . Tenho a tranquilidade para não criar nenhum problema pra vocês nem pra instituição. E nem para o assunto que vai ser pesquisado.

Amazônia Real - A Amazônia Real sempre pediu autorização da Funai para atuar em terra indígena, mesmo com anuência dos indígenas. Não são todos os veículos que fazem isso...

Antônio Costa - Eu parabenizo a atitude de vocês, por esta atuação de forma correta. É claro que existem alguns órgãos que não pedem isso. Agora com certeza logo, logo estou dando uma solução. Esse compromisso.

Amazônia Real - O senhor acha que até o final de abril o senhor já tem uma resposta para dar pra gente?

Antônio Costa - Talvez até antes disso. Você dar uma consultada. Vou cobrar lá dos coordenadores. Vou olhar com muito carinho essas duas questões.

Essa semana a Amazônia Real procurou novamente a assessoria da AAEP da Funai para pedir informações sobre os processos em andamento. Em comunicado enviado nesta quinta-feira (4) à reportagem, a Funai disse que a solicitação do ingresso à terra indígena do povo Apurinã estava iniciando o procedimento e a do povo Guarani-Kaiowá estava "aguardando retorno do Presidente", isto é, uma definição de Antônio Toninho Costa, hoje exonerado. A violação continua.

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