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Presidente da Funai defende cota para índios no Congresso Nacional

OESP, Nacional, p. A12
Autor: GOMES, Mércio Pereira
12 de Fev de 2006

Presidente da Funai defende cota para índios no Congresso Nacional
Primeiro passo é criar um Parlamento Indígena; propostas devem ser debatidas durante conferência, em abril

A Fundação Nacional do Índio promove em abril a Conferência Nacional dos Povos Indígenas. No que depender da vontade do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, será o embrião de um Parlamento próprio, patrocinado pela União. O passo seguinte à consolidação dos seus direitos, defende o antropólogo, é a criação de cotas para índios - 0,3% da população brasileira - no Poder Legislativo, a exemplo do modelo adotado na Colômbia. Não há no Congresso hoje nenhum projeto de lei tratando do assunto, diz Mércio. "Mas algum deputado generoso tem que apresentar isso."
O Parlamento Indígena, acredita ele, pode estar consolidado em cinco anos. Caberá à instituição definir e defender o programa de cotas. "Há uma demanda dos índios por participação." Neste ano eleitoral, afirma, Estados com maior população indígena, como Roraima, deverão eleger um ou dois deputados federais.
Mércio ainda enfrenta a polêmica criada por declarações que deu em janeiro, reproduzidas pelo Estado. "É muita terra", disse, então, referindo-se aos atuais 12,49% do território nacional destinado aos índios. "E até agora não há limites nas suas reivindicações por novas terras. A situação está chegando a um ponto em que o Supremo Tribunal Federal terá que definir um limite." ONGs ligadas ao movimento indígena interpretaram erroneamente suas afirmações, insiste. O último efeito foi o anúncio, no dia 3, de que a Associação Brasileira de Antropologia não irá indicar seus representantes no Conselho Indigenista da Funai para a gestão 2006/2007.
" Em nenhum momento eu disse que é terra demais. Eu não diria isso nem amarrado por uma inquisição." Somados todos os processos em andamento, ele acredita que o País terá, em 5 anos, 13,5% de sua área demarcada. Os principais trechos da entrevista:

Que balanço o sr. faz da política indígena do governo?
A política indigenista está baseada em 5 pilares e o estilo de promovê-los caracteriza o governo Lula. São eles: terra (marcação e consolidação territorial); saúde (melhoria das condições sanitárias, queda na mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida); educação (aprimoramento das políticas para educação bilíngüe ou bicultural para quem só fala português); o ecodesenvolvimento (melhoria da capacidade dos índios de produzir). O quinto ponto é a participação. Como os índios se elevam diante da comunidade brasileira para ter uma compreensão ampla da sua situação, que, de um modo geral é positiva. Os índios estão sendo reconhecidos como parte fundamental da Nação. É um sonho que vem desde Gonçalves Dias, deles encontrarem um caminho permanente de participação.
Como?
Podem ter representantes no Congresso, como o Juruna, eleito pelo Rio. Vários tentaram e não conseguiram. É possível que em Roraima elejamos um indígena, mas há possibilidades de se criar um parlamento indígena em Brasília, como conseqüência da conferência nacional que faremos em abril, depois de 9 conferências regionais. Será a conseqüência mais importante dessa política indigenista: elevar o nível de participação indígena no Brasil. A conferência pode virar uma assembléia permanente, de ano em ano, até que haja outra coisa. Outra possibilidade seria como faz a Colômbia, criar cotas para índios, que são 20% da população. No Brasil, é mais difícil porque a representação é de 0,3%. Em Roraima, é quase 10% da população. No Amazonas, 5%. Em outros Estados, é bem menor. Outra coisa importante que estamos fazendo é consolidar as terras indígenas. Raposa Serra do Sol levou 19 anos, foi um ato de coragem do governo. No plano internacional, debatemos a declaração universal dos direitos dos povos indígenas e uma declaração às Américas. O Brasil virou um líder a favor dos índios.
O sr. já mencionou o aumento do território demarcado no País para 13,5%. Sob quais critérios?
Daqui a 5 anos chegaremos a 13,5%, com mais 1% demarcado. São mais 8,5 milhões de hectares. O Brasil tem que reconhecer que nesses 95 anos temos um produto para apresentar à humanidade de reconhecimento das terras. Dos direitos indígenas, temos o melhor artigo de Constituição já feito em relação à proteção. O conceito de tradicionalidade e direito originário não existe em outro país. Este ano, estamos demarcando uma terra de 4 milhões de hectares. Será a maior terra demarcada por Lula, Trombeta Mapuera. Os outros 4,5 milhões de hectares são terras no Pará, no Acre, na região do Solimões, do baixo Rio Negro, e outras menores, no Mato Grosso do Sul e no Sul do País. São as mais complicadas porque é a recuperação de terras, onde índios foram retirados para reservas há décadas e querem retornar.
Com 13,5%, o processo estará definitivamente concluído?
Essa é a visão da Funai hoje. Temos um conjunto de terras que foram sendo demarcadas, restam 120. Outras instituições dizem que são mais terras, mas não há nos dados da Funai, dos últimos 20 anos, essas demandas. Isso não quer dizer que não existam, pode haver, até pela tradicionalidade. Nossos dados tratam de 607 terras. Quando chegarem, as demandas serão analisadas. Em termos absolutos, é um processo que não termina.
Como o sr. vê o papel da Justiça nos processos de demarcação?
Serão 5 anos (para alcançar 13,5%) se a Justiça nos ajudar. Hoje, há 4 processos no STF. No Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, há 8 processos de Mato Grosso do Sul. Em Mato Grosso, tem 3 processos parados por liminares de fazendeiros. Há cerca de 30 processos parados no País. Falta uma clareza do papel da Justiça ao definir a terra como indígena e o sentimento de que o direito originário do índio precede o direito de terceiros, como prevê o artigo 231 (da Carta).
Índios têm "terra demais"? O que o sr. quis dizer com isso?
Eu me referia a um conjunto de países. Compare os 12,5% de terras indígenas do Brasil com o Canadá, ou com os EUA, que têm 1%. Em relação aos pedidos, exigências dos índios (por terras), me referia a coisas que a Funai não é capaz de fazer agora. Me referia a essas demandas de que há 841 terras (como sustenta o Conselho Indigenista Missionário). A Funai reconhece 607. Em nenhum momento eu disse que é terra demais. Como antropólogo não diria isso nem amarrado por uma inquisição.
Como o sr. avalia a polêmica criada a partir dessa entrevista?
Foi precipitação de algumas pessoas de má fé. Pegaram a frase ("é terra demais") e distribuíram como se fosse minha.
Quem são essas pessoas?
Não sei, primeiro quem se demitiu (5 antropólogos que deixaram o conselho indigenista da Funai). Aproveitaram-se dessa celeuma. E organizações que estão contra a Funai, como o Cimi, que acha que estamos "judicializando" as demarcações. A questão da ABA (Associação Brasileira de Antropologia, que desistiu de indicar membros para o conselho) é também uma precipitação. Podiam ter me ouvido. Espero que se reconciliem com a verdade.
Falta compreensão das ONGs?
Muitas ONGs precisam entender o papel do Estado e o que foi feito até agora.
Um relatório da Anistia Internacional fala em 38 mortes de índios ligadas à luta pela terra, em 2005.
Cobrei explicações do representante da Anistia Internacional e ele se desculpou. Por motivos de terras, morreram de 5 a 8 pessoas. Isso é má fé, propagar a idéia de que o Brasil vive inadimplente. Querem (certas ONGs) avançar o processo (de demarcação) numa velocidade que no Estado brasileiro não é possível. Querem chegar ao paraíso antes do tempo.
Como seria o Parlamento Indígena? Primeiro vamos fazer a conferência nacional. Em cada uma das 9 conferências regionais foram eleitos 750 delegados, no mínimo um por cada um dos 230 povos. Serão 5 dias de discussões sobre temas como tutela, desenvolvimento. ONGs e várias entidades vão participar. Um dos resultados deverá ser uma série de recomendações para o governo ou de mudanças legislativas. Pode-se criar um conselho dos povos indígenas e isso pode virar um parlamento. Será uma instituição nova, que terá de buscar recursos para se consolidar. Cada um dos povos deverá criar o seu mecanismo de representatividade. E que essa representatividade seja feita perante toda a Nação.
O parlamento pode desembocar na criação de cotas no Congresso?
Há demanda dos índios por participação. Eu apóio. A conferência nacional é que deve encaminhar.
Já existe no Congresso algum projeto nessa linha?
Não conheço. Mas algum deputado generoso tem que apresentar isso.
De que forma o parlamento vai interagir com o Congresso?
Se tiver daqui a 5 anos um parlamento indígena organizado, o Congresso vai se abrir. Os índios controlam hoje 12,5% do território nacional. É uma porcentagem substancial.

OESP, 12/02/2006, Nacional, p. A12

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