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Presidente da Funai: 'Conflito em MS é prioridade'

OESP, Nacional, p. A11
23 de Jan de 2004

Presidente da Funai: 'Conflito em MS é prioridade'
Mércio Pereira Gomes diz que contatos com os representantes dos índios no MS já começaram

Roldão Arruda

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, disse ontem que já começaram a ser feitos contatos com os representantes dos índios caiovás, no Mato Grosso do Sul, para que acatem a recente determinação da Justiça, para que saiam de modo negociado das fazendas que ocupam. Em entrevista ao Estado, o antropólogo também afirmou a solução dos conflitos envolvendo os índios guaranis naquele Estado é uma das prioridades do governo.

Estado - Nas últimas semanas os conflitos em torno de áreas indígenas se intensificaram e há sinais de que podem se agravar. No Mato Grosso do Sul está sendo previsto o surgimento de novos focos de ação, com a revindicação de terras para outras reservas. Como a Funai pretende agir?

Mércio Pereira Gomes - A solução dos problemas dos índios guarani no Mato Grosso do Sul é uma das nossas prioridades. De modo geral, a situção dos índios naquele Estado é complicada. Embora formem a segunda maior concentração indígena do Brasil, com 60 mil pessoas, ocupam uma porção pequena de terra, em torno de 2,5% do território do Estado. Para se ter idéia, em Roraima 46% das terras são indígenas.

Estado - O que diz da situação do grupo caiová-guarani, que está no foco do conflito?

Gomes - Eles vivem em pedaços pequeníssimos pedaços de terras, um verdadeiro arquipélago. No caso de Porto Lindo, estão brigando por 9 mil hectares. É uma diferença enorme, quando se compara com o território caiapó, já demarcado, de 11 milhões de hectares. O povo guarani, um povo testemunha de todo nosso processo histórico, que deu origem à cultura caipira de São Paulo, é um dos mais sofreram e que têm as menores faixas de terra. É um povo especial, com uma visão religiosa profunda, muito humilde.

Estado - Fala-se que n o Mato Grosso do Sul, as áreas reivindicadas pelos índios chegam a 200 mil hectares.

Gomes - Já ouvi essa número. Também já ouvi que o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) fala na existência de 104 áreas indígenas no Estado. Nós não reconhecemos isso. No total são cerca de 50 áreas.Estamos concluindo um estudo sobre a realidade do Estado e depois definir o que vamos fazer. Não vamos ficar a reboque do que cada organização diz sobre a questão.

Estado - Como o senhor recebeu a acusação feito pelo governador do Mato Grosso do Sul de que a Funai estava insuflando o movimento de invasões de fazendas?

Gomes - Perguntei a ele de onde tinha tirado essa informação. Não soube responder. Eu não vi evidências de infiltração de brancos ou de transporte de índios de outros lugares.

Estado - A que atribui essa intensificação dos conflitos?

Gomes - Isso não é uma novidade. Essa disputa parece ciclotímica. Na década de 70, a demarcação da terra xavante foi uma guerra. Juruna ficou conhecido nacionalmente e virou deputado federal por causa da luta pela demarcação de terras, que envolveu muitos fazendeiros. No momento, tudo parece em efervescência no Brasil. Há uma vontade de participação política de todos os lados. Até o índio guarani, que sempre se manteve muito humilde, parece ter acordado.

Estado - Como vê os relatórios produzidos pelas Forças Armadas, alertando para os riscos que a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, pode trazer para a segurança nacional?

Gomes - Essa preocupação não é nova. O general Meira Mattos já escreveu muito sobre isso no passado. Tenho lembrado, em conversas com grupos de militares, que a principal figura militar do Brasil no século 20, o marechal Cândido Rondon, foi o criador do Serviço de Proteção ao Índio. Foi ele quem demonstrou que as terras de fronteira podem ser terras indígenas sem nenhum problema. As reservas são terras da União e os militares podem instalar suas bases ali. A única objeção feita pelos índios é em relação à proximidade entre as sedes dos batalhões e as aldeias. Os pais temem a convivência que acaba ocorrendo entre os recrutas, que estão lá temporariamente, e suas filhas.

Estado - Alguém poderia dizer que no tempo de Rondon não existiam as Farc.

Gomes - O problema do trânsito de estrangeiros na fronteira não está relacionado diretamente aos índios. O pessoal das Farc pode atravessar a fronteira em áreas indígenas e fora delas. O Brasil tem uma fronteira imensa, que deve ser protegida com métodos e programas sofisticados, como o Sivam.

Estado - O governo não pretende recuar da idéia de homologar de maneira contínua a Raposa Serra do Sol?

Gomes - O presidente da República vai homologar a área contínua, mas depois que o processo de reparações chegar a bom termo. Um grupo de trabalho está concluindo o levantamento das indenizações a serem pagas aos proprietários rurais e há um comitê estudando as reparações ao Estado. Vejo com naturalidade o encaminhamento desse processo.

OESP, 23/01/2004, Nacional, p. A11

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