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Preservação da floresta em foco

CB, Brasil, p.18
11 de Jul de 2004

Preservação da floresta em foco
O fotógrafo Sebastião Salgado usa prestígio internacional para leiloar 600 perobas a US$ 3.000 cada.
Dinheiro será investido no resgate e conservação de plantas nativas da mata atlântica em Aimorés (MG)

Bernardino Furtado
Enviado Especial

Aimorés (MG) - Seiscentas árvores estão à venda no município de Aimorés, em Minas Gerais, na fronteira com o Espírito Santo. São perobas nativas, madeira de excelente qualidade para móveis. Adultas, as árvores têm troncos retos de 18 metros de altura e diâmetro de até um metro, em média. Os interessados deverão aguardar o leilão, ainda sem data marcada. Vitoriosos, poderão gravar o nome numa placa junto à peroba arrematada. Presa à terra onde nasceu, a árvore seguirá seu ciclo vital. Por décadas renovará as folhas, lançará sementes, beberá a chuva e o sol. Quando morrer, de causas naturais, provavelmente será rejeitada pelos marceneiros mais exigentes. Convertidos em mecenas ambientais, os novos "donos" das perobas ajudarão a pagar os custos do Instituto Terra, uma organização não-governamental (ONG) que, nos últimos cinco anos, dedica-se a ressuscitar a mata atlântica na Fazenda Bulcão, nos arredores de Aimorés.
O projeto da adoção de árvores saiu da cabeça de Sebastião Salgado, o fotógrafo mais publicado do planeta e criador do Instituto Terra. Recentemente, Salgado convenceu a Samarco, uma das maiores mineradoras de ferro do país, a pagar US$ 3 mil por uma peroba. A placa está pronta e espera oportunidade para o descerramento festivo. O publicitário Washington Olivetto, da W/Brasil, prometeu a Salgado criar, de graça, uma campanha publicitária para o lançamento do leilão das outras 599 árvores. Será a segunda contribuição da W/ Brasil para o instituto.
Ritmo acelerado
Depois de 600 mil árvores plantadas, o prestígio internacional de Sebastião Salgado continua sendo essencial para a consolidação do Instituto Terra, um projeto ambicioso, inédito, complexo e,
sobretudo, caro. Graças a doações e parcerias negociadas pessoalmente pelo fotógrafo com ONGs, governos, empresas e celebridades dos quatro cantos do mundo, o instituto já aplicou US$ 2,3 milhões na recuperação da floresta. O plantio e manutenção, por dois anos, das árvores custa US$ 1,3 mil por hectare, uma área pouco maior do que um campo de futebol oficial. Para cobrir igual área de eucalipto, empresas do ramo gastam cerca de US$ 500.
O projeto é ambicioso porque anda num ritmo acelerado. Duzentas mil árvores serão plantadas depois das primeiras chuvas do fim de 2004, numa área de 50 hectares. É inédito porque não há registro de reflorestamento com
espécies nativas numa porção de terra contínua de 600 hectares. A complexidade vem do capricho de formar uma floresta com as mesmas características da que foi devastada pela agropecuária. Nada menos que 127 espécies diferentes estão sendo plantadas. As perobas são sobreviventes de um longo processo de desmatamento, queimadas, erosão e empobrecimento do solo.
O preço da futura floresta aumenta porque as sementes têm de ser coletadas em áreas remanescentes de mata atlântica num raio de 150 quilômetros da Fazenda Bulcão. E os agrônomos e biólogos vêm desenvolvendo tecnologia para recuperar terras devastadas.

Agricultores na escola
O agrônomo Edson José Soares rabisca a palavra agroecologia no quadro. Velhos, velhas, jovens e crianças lotam as cadeiras escolares. São famílias inteiras da Vala dos Fagundes, um conjunto de minifúndios que margeiam o córrego homônimo. Soares incentiva a platéia a reconhecer na rotina de lavradores pobres os conceitos de ecologia, sustentabilidade, fotossíntese, seqüestro de carbono e fixação de nitrogênio. Recrutado por sua experiência em assentamentos de reforma agrária, Soares é consultor pedagógico do Instituto Terra. Sua missão é conquistar corações e mentes de Aimorés para a salvação da mata atlântica.
Quando a teoria começa a cansar o público, o professor forma grupos. Distribui pincel atômico e grandes folhas de papel pardo. Os agricultores devem descrever seus métodos de preparação da terra, de plantio e de colheita. Soares prega, os cartazes no quadro e, ponto a ponto, esmiúça o que é mais ou menos agroecológico. Os lavradores descobrem que produzem arroz orgânico, porque não usam adubação química nem herbicidas. 0 professor mostra que eles podem conseguir um preço mais alto pelo arroz, mas precisam se organizar para obter o certificado de produto orgânico.
0 curso de agroecologia foi o primeiro contato entre a Vala dos Fagundes e o Instituto Terra. 0 grupo de agricultores visitou o viveiro, ouviu explicações sobre o reflorestamento e passeou nos jardins exuberantes da sede. São 244 agricultores atendidos pelo chamado Projeto Aimorés.
Foram aplicados US$ 105 mil do International Finance Corporation (IFC), o braço do Banco Mundial para o setor privado. O Instituto Terra desembolsou US$ 15 mil. A Prefeitura de Aimorés deveria destinar R$ 100 mil para o projeto, mas limitou-se a fornecer apenas alguns serviços.

Talento para vender idéias
Graduado em economia, Sebastião Salgado tem um talento invejável para vender projetos. Empenhado em difundir o conhecimento adquirido pelo Instituto Terra na recuperação de áreas degradadas, o fotógrafo conseguiu US$ 200 mil da matriz holandesa da Philips para construir o Centro Avançado de Educação Ambiental.
A obra vai de vento em popa e deverá estar pronta nos próximos meses. Alojará 30 técnicos agrícolas em cursos de especialização com duração de dois anos. Está prestes a ser inaugurado também o cineteatro da Fazenda Bulcão. O único cinema da cidade, situada a um quilômetro da fazenda, foi fechado há mais de 20 anos. Os canhões de luz, o sistema de som e as cortinas, no valor de US$ 30 mil, foram doados pelo ator americano Robin Willians. O projetor é uma contribuição da Prefeitura de Valência (Espanha).
Mais de 20 parceiros estão listados na página que o Instituto Terra mantém na internet. A grande arrancada do reflorestamento deve-se ao Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio), formado por recursos do governo federal e de organismos internacionais, e a Conservation International, que continua a custear o plantio de árvores nativas na Fazenda Bulcão.
O projeto de Sebastião Salgado é um acerto de contas voluntário com o passado. 0 pai, também chamado Sebastião, contribuiu para reduzir a cobertura da mata atlântica a 0,8% da área total de Aimorés.

Investimento
O Instituto Terra já aplicou US$ 2,3 milhões na recuperação da floresta.
O plantio e manutenção das árvores custa US$ 1,3 mil por hectare, a cada dois anos.
Mais de 120 espécies diferentes estão sendo plantadas.

CB, 11/07/2004, Brasil, p. 18

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