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Preservação ameaçada

O Globo, Razão Social, p. 8
18 de Jan de 2011

Preservação ameaçada
Redução gradativa de faxinais pode afetar floresta de Araucária

Martha Neiva Moreira
martha.moreira@oglobo.com.br

A preservação da floresta de Araucária do Paraná pode estar ameaçada. O motivo é a redução gradativa do número de faxinais, comunidades coletivas tradicionais típicas que funcionam como guardiãs da mata. Não se sabe ao certo quantos faxinais já existiram, mas estudos apontam que um quinto do Paraná já foi coberto por eles. Hoje, segundo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) há apenas 227 faxinais, sendo que apenas 44 em plena atividade. Só para se ter uma idéia da velocidade com que essas áreas desaparecem do mapa, em menos de 10 anos, na região de Prudentópolis, município a 200 quilômetros de Curitiba, os 18 faxinais que existiam ficaram reduzidos a 10.
João Grutke, 50 anos, é um dos faxinalenses do município. Como seu avô e pai ele tem uma lavoura que garante o sustento e cria animais no meio da mata, junto com 45 outras famílias. Preservá-la é fundamental para que a criação de porcos, galinhas, cabritos e vacas de leite tenha pasto natural. Como em todos os faxinais, ele e os outros colonos construíram suas casas e fizeram a cerca em torno da mata para delimitar a área das grandes áreas cultivadas ou das cidades. No entanto, no início deste ano, Grutke ficou surpreso ao saber que sete alqueires de mata do faxinal onde mora foi desmatada.
- Uma das famílias cedeu sua propriedade. O novo dono quis plantar tabaco e, por isso, desmatou. Essa situação tem acontecido com frequência - contou Grutke.
A situação relatada pelo colono, descendente de ucraniano como muitos faxinalenses no Paraná, dá a medida do que vem ameaçando a existência dessas comunidades tradicionais. A pressão de grandes proprietários de terras sobre os faxinalenses.
- A pressão do agronegócio é grande e eles acabam cedendo, pois sentem-se desestimulados por não terem condições de aumentar sua produção para melhorar a renda - disse Vânia Moreira, presidente da ONG Guardiões da Natureza, de Prudentópolis.
A situação já chegou ao conhecimento do IAP, órgão ligado ao governo do estado.
Margit Heur é agrônoma e chefia o Departamento Sócioambiental do Instituto. Ela conhece bem a história de mais de 300 anos dos faxinais do Paraná e diz que mesmo com a promulgação, em 1997, do decreto estadual 3446 (que reconheceu a existência dos faxinais como comunidades tradicionais do Paraná e determinou que sejam avaliado periodicamente para melhorar as condições de vida dos colonos), essas áreas continuam sendo alvo da cobiça de grandes proprietário de terra por terem solo de boa qualidade.
- Há cada vez menos faxinais. A redução deles pode acabar impactando na preservação da floresta. O IAP tem atuado para ajudar os faxinalenses a se organizarem, mas só em 2010 conseguimos criar um grupo específico para fiscalizar crimes ambientais nessas áras. Foram dez autuações no segundo semestre do ano passado. Mesmo assim, é tarefa de formiguinha, pois fazemos a autuação e a decisão de multa e replantio leva tempo - contou a agrônoma.
Para ela, uma saída para os faxinalenses é se organizarem para conseguir requerer nas prefeituras uma fatia do ICMS Ecológico, (tributo que beneficia produtores que prestam serviços ambientais), para melhorar sua produção. João Gutke já requereu na prefeitura de Prudentópolis e recebeu ano passado um saco de farelo para alimentar os animais, sal mineral e alguns kits de vacina.

Instituto Ambiental do Paraná www.iap.pr.gov.br

História de 300 anos

Os faxinais são um sistema de produção típico do Centro-sul do Paraná.
Eles se caracterizam pela criação comunitária de animais e preservação ambiental. Estudos indicam que eles surgiram no século XVIII, por uma aliança entre índios fugidos das reduções jesuíticas com negros fugidos da escravidão. Eles se encontraram nas matas de araucária e trocaram seus saberes: o negro tinha o hábito de criar animais soltos e o índio sabia como extrair erva-mate.

O Globo, 18/01/2011, Razão Social, p. 8

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