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Preferencia e precos diferenciados por transgenicos

OESP, Economia, p.B2
Autor: CARVALHO, Vinicius F.
24 de Fev de 2004

Preferência e preços diferenciados por transgênicos Mercado já paga mais considerando a realidade da biotecnologia aplicada à agricultura
VINICIUS F. CARVALHO
Um dos argumentos mais difundidos por pessoas ou entidades que defendem o Brasil como um país livre de transgênicos refere-se ao suposto pagamento de prêmios - ou preços diferenciados - para grãos não geneticamente modificados. Esse raciocínio vem sendo muito difundido nas discussões sobre a nova legislação de biosseguranca, em tramitação no Congresso Nacional.
Embora tal argumentação seja desprovida de evidências concretas, diversos segmentos da sociedade e do governo têm essa idéia como verdade absoluta e, indiretamente, sua propagação vem contribuindo para a manutenção da moratória branca enfrentada pelo País nos últimos seis anos com relação aos transgênicos. Mas o mercado começa a responder às ofertas de produtos agrícolas, considerando a realidade da biotecnologia aplicada à agricultura. E essa realidade parece mostrar que o caminho para pagamento de prêmios deverá ser justamente o inverso do que o preconizado atualmente.
Em Gondal, distrito de Gujarat, na Índia, maior mercado de plantadores, no país, do algodão Bollgard, transgênico e resistente a insetos pela expressão de uma proteína inseticida Bt, agricultores que adotaram a biotecnologia estão vendendo pacotes de 100 kg de algodão transgênico por US$ 68,00, enquanto aqueles que usam variedades convencionais vendem por US$ 62,00. Prêmio de cerca de 10% para quem cultiva algodão modificado geneticamente. Os compradores estão pagando preço superior e diferenciado pelo algodão Bt por sua menor utilização de inseticidas com relação ao convencional.
A realidade brasileira no campo da biotecnologia agrícola está, infelizmente, polarizada em torno das discussões sobre a soja RR. E o mercado começa a mostrar, como de costume, uma acomodação seguindo suas regras básicas e tradicionais. Enquanto se discute a nova legislação de biossegurança a área plantada com soja transgênica cresce a cada ano, conseqüência dos benefícios percebidos pelos agricultores que a adotaram. Estimativas recentemente publicadas pelo Isaaa apontam para mais de 3 milhões de hectares cultivados com soja RR no Brasil, na safra 2003/2004. E conversas que fazem o dia a dia do meio rural no País mostram que os compradores chineses preferem soja transgênica, ou pelo menos declarada como transgênica, no Brasil. Comprando soja certificada com não transgênica eles têm de enfrentar uma pesada burocracia na China e correm o risco de terem seus grãos, em caso de mínima mistura com soja geneticamente modificada, proibidos de entrar no país.
E a China exige, somente, uma certificação mostrando o tipo de soja transgênica, com garantia de avaliação de órgão governamental competente. Não proíbe, como pregam algumas entidades, a entrada de OGMs no país. No Brasil esse órgão é a CTNBio, que tantos segmentos, equivocadamente, insistem querer em acabar com seu parecer decisório e vinculante, bem como tirar seu poder de exigir ou não estudos de impacto ambiental para produção e comercialização de OGMs. E fugindo pouco do disse-me-disse, basta verificar o crescimento nos volumes exportados de soja no porto do Rio Grande do Sul, que era de cerca de 1,8 mil toneladas em 2002, mas aumentou para algo em torno de 4,2 mil toneladas em 2003. E, neste Estado concentra-se, basicamente, a maior parte da soja RR cultivada no País.
Essa é apenas a ponta de um enorme iceberg, criado pelos entraves jurídicos que norteiam a biotecnologia e a biossegurança no Brasil desde 1998. Então, por que o País não declara de uma vez, quando for o caso, as embarcações com soja que contiverem transgênicos? Por que protelar o desenvolvimento da ciência aplicada ao principal setor da nossa economia, o agronegócio, enquanto o mundo avança e mais de 67 milhões de hectares, em 18 países, foram cultivados com plantas geneticamente modificadas em 2003? Que as questões de mercado, aliadas à ciência que prova, a cada dia, a inexistência de riscos associados com transgênicos em comercialização no mundo, sejam as premissas básicas para as necessárias definições sobre o futuro da biotecnologia no País, que estão nas mãos de nossos parlamentares.
Vinicius Ferreira Carvalho, engenheiro agrônomo, é mestre em Entomologia (UFV), pós-graduando em Marketing (Universidade Mackenzie/SP) e gerente-técnico de Biotecnologia do CIB (e-mail: vinicius.carvalho@cib.org.br)

OESP, 24/02/2004, p.B2

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