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Povos Indígenas do Rio Negro planejam o futuro que desejam

ISA - https://www.socioambiental.org
Autor: Juliana Radler
14 de Jun de 2017

Rosivaldo Miranda, 26 anos, Piratapuia da comunidade de Açaí-Paraná, localizada no Rio Uaupés, na Terra Indígena Alto Rio Negro, observa os resultados do levantamento socioambiental que ajudou a formular com olhos de quem deseja construir um novo futuro para a sua região, no município de São Gabriel da Cachoeira. Ao invés de ser um mero espectador das decisões políticas, que nem sempre vem ao encontro dos anseios do seu povo, Rosivaldo decidiu participar ativamente da construção dos Planos de Gestão Ambiental e Territorial (PGTAs) de uma área de 11,5 milhões de hectares na Amazônia.

"O PGTA é muito importante, principalmente para os jovens. Hoje em dia a gente vê a juventude ficando muito afastada da comunidade porque precisa sair em busca de educação e trabalho. Depois esse jovem fica ocioso porque não acha emprego na cidade e também não tem incentivo para ficar na terra. A gente acredita que esses planos de gestão vão nos ajudar a ter mais recursos e projetos de agricultura familiar para movimentar a economia com as riquezas que temos na nossa região", diz Rosivaldo, que foi um dos 44 pesquisadores indígenas selecionados pelo PGTA.

Entrevistas

O levantamento socioambiental realizado para a elaboração dos PGTAs começou em 2016, quando os pesquisadores receberam treinamento no Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira, para realizar as entrevistas e inserir os dados diretamente nos tablets usados em campo através do aplicativo digital Open Data Kit - ODK. Ao todo foram realizadas 369 entrevistas coletivas (com as comunidades e sítios) e mais 3.523 com as famílias, totalizando 29.581 pessoas alcançadas pela pesquisa - um verdadeiro raio X da região que não ocorria desde os anos 1990, quando se deu a demarcação contínua das Terras Indígenas do Alto Rio Negro.

Junto com outros pesquisadores, coordenadores e lideranças indígenas, Rosivaldo participou da primeira oficina de trabalho do PGTA realizada após a conclusão do levantamento socioambiental. Entre os dias 30 de abril e 9 de junho, o grupo reuniu-se na Maloca da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), no Centro de São Gabriel, para analisar os dados e sistematizar as informações que serão levadas de volta às comunidades para uma nova etapa de consulta para a construção dos planos.

Os próximos passos envolvem a elaboração de propostas e recomendações que os moradores das comunidades farão aos pesquisadores após o compartilhamento dos dados. "É uma imensa responsabilidade que a gente tem de explicar o que foi falado na oficina em termos de projetos, encaminhamentos e documentos analisados", afirma o jovem pesquisador, que trará os resultados dessas conversas junto à sua comunidade para o próximo encontro do PGTA em novembro deste ano. De acordo com o cronograma do projeto, os sete planos de gestão das Terras Indígenas, mais um documento único para a toda a região, estarão prontos em 2019.

Governança indígena

Sem se deixar paralisar pela nebulosa conjuntura política nacional, o movimento indígena no Rio Negro acredita que a autogestão dos seus territórios através do fortalecimento do associativismo local é uma via capaz de trazer desenvolvimento em sintonia com o meio ambiente e a diversidade cultural. "Temos muitas associações de base que precisam apenas se organizar e se capacitar para fazer uma melhor gestão dos empreendimentos locais. Queremos apoiar essas associações para que elas tenham autonomia e consigam desenvolver seus próprios projetos, sem esquecer de buscar também pelas políticas públicas que precisam chegar na região", ressalta o vice-presidente da Foirn, Nildo Fontes, Tukano.

Atualmente, de 300 comunidades indígenas pesquisadas no PGTA, 246 participam de associações ligadas à Federação, o que corresponde a 82% das comunidades. Somente na TI Alto Rio Negro, 181 comunidades fazem parte de associações de base ligadas à Foirn. Para 25% delas, o maior entrave para bom funcionamento das associações é a falta de recursos. "O plano de vida nessa região precisa criar autoestima e animação nas pessoas, possibilitando as atividades de geração de renda nas comunidades", reforça o coordenador da Funai em São Gabriel da Cachoeira, Domingos Barreto, também Tukano. O levantamento socioambiental mostra que para 49% dos entrevistados, o principal motivo de mudança dos indígenas que deixam suas terras rumo às cidades é a busca por educação.

Desde 2010, 579 famílias se mudaram das suas comunidades de origem nas Terras Indígenas Alto Rio Negro, Balaio, Cué Cué Marabitanas, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Rio Apapóris e Rio Téa. "A gente quer usar os recursos naturais das terras indígenas, assim como o patrimônio cultural e ambiental, da melhor forma possível", diz Barreto, que integra a Comissão de Governança do PGTA. "Queremos trazer para as novas gerações todo o potencial de atividades de economia indígena, que vai muito além da segurança alimentar e da subsistência. Através de planos de manejo, sabemos que é possível desenvolver projetos voltados para o bem viver na região. E o governo também precisa saber entender e adequar as políticas públicas, dando mais autonomia aos povos indígenas para gerir seu próprio território".

A antropóloga do Instituto Socioambiental (ISA), Carla Dias, que coordenou a oficina do grupo de trabalho na Maloca da Foirn, destaca a importância do processo de reflexão e construção participativa de planos indígenas de gestão. "Além de ser um importante instrumento de diálogo com o Estado, o PGTA incentiva a elaboração de acordos de uso entre comunidades, assim como as práticas de manejo e o conhecimento local, fortalecendo as bases para a governança indígena no Rio Negro", afirma.

Economia e manejo

No tópico sobre extrativismo, roça e pesca, por exemplo, foi verificado que das 3.523 famílias entrevistadas na região, 449 vendem produtos como a farinha, farinha de tapioca, beiju, goma, maçoca, macaxeira, tucupí, cará, pimenta, banana, açaí e abacaxi. Esse dado revela o potencial e a capacidade de ampliação dessa produção familiar caso haja apoio, tanto por meio de políticas públicas apropriadas, como de parcerias com organizações da sociedade civil e do setor privado. Obedecendo aos planos de manejo e as regras das TIs, a economia indígena gerida pelas associações de base é um caminho desejado pelos participantes do PGTA, sobretudo, pelas mulheres e jovens, que hoje estão entre os que mais sentem os impactos negativos da falta de infraestrutura, educação, saúde e alternativas de emprego e geração de renda.

"O levantamento foi importante para ver como nós, povos indígenas de diferentes etnias, estamos vivendo em nosso território. É importante a gente ver como ainda valorizamos as tradições e vivemos conforme a nossa cultura. Porém, nossas lideranças tradicionais estão muito preocupadas com o futuro. Eles alertam que se a gente não respeitar as regras da natureza e da nossa cultura indígena, fazendo os benzimentos no território, a natureza vai se voltar contra nós seres humanos", diz a diretora da Foirn, Almerinda Ramos de Lima, da etnia Tariana. A pesquisa revelou, por exemplo, que 219 das 300 comunidades entrevistadas (equivalente a 73%) possuem benzedores, sendo que em algumas regiões como o Papuri, Baixo Uaupés e Baixo Tiquié, esse percentual chega a 100% das comunidades.

Para o professor, Higino Tenório, Tuyuka, o mais importante é pensar que o PGTA está planejando o futuro das novas gerações e não segue uma lógica imediatista voltada só para os interesses econômicos. "Como será a nossa vida daqui pra frente? Temos o PGTA exatamente para pensar isso. Vemos que em várias outras partes do mundo os rios estão secando e ficando sem peixe", alerta Higino, que é um dos mais importantes líderes tradicionais dos povos rionegrinos. A mesma preocupação com a preservação do território é transmitida por Américo Socot, liderança Hup, que ressalta a questão da necessidade dos benzimentos para a permanência da vida de seu povo, cuja população está aumentando e conta, hoje, com 2.500 pessoas, sendo a quarta maior, depois da Baniwa, Baré e Tukano, segundo dados do censo PGTA.

Políticas Públicas

A elaboração e implementação dos PGTAs das Terras Indígenas está prevista na Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (Lei 7.747), de 2012. O movimento indígena vem se articulando para fazer com que a lei saia do papel e traga, de fato, benefícios para as comunidades. "Toda Terra Indígena no Brasil precisa ter o seu plano de gestão para ter acesso às políticas públicas. Então, esses planos precisam se tornar ações concretas", enfatiza o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, da etnia Baré. André Baniwa, diretor-presidente da Oibi (Organização Indígena da Bacia do Içana), ressaltar a importância de envolver todas as estruturas de articulação do movimento indígena nacional. "A Foirn, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) precisam se articular para exigir a implementação dos PGTAs que estão sendo elaborados".

Carla Dias, do ISA, também observa que o processo de construção dos PGTAs precisa de um senso de dinamismo e articulação com potenciais parceiros e setores governamentais. "Nesse sentido faremos um esforço para que as demandas já levantadas desde as oficinas inaugurais de 2015 sejam levadas e incorporadas pelo Plano Plurianual (PPA) de São Gabriel da Cachoeira que tem uma agenda e cronograma próprio e apertado para os próximos meses", afirma.

O compromisso de incluir os encaminhamentos definidos no PGTA no PPA (2018-2021) municipal foi assumido pelo assessor de assuntos indígenas da Prefeitura de São Gabriel, Jackson Duarte. "O PGTA é um trabalho completo sobre a região e que facilita o trabalho do gestor público. Vamos incluir as demandas dos planos de gestão no nosso PPA para fazer com que elas se tornem políticas públicas no município", aponta Jackson, que é Tukano da comunidade de Taracuá, no Baixo Uaupés.

"Vejo que a construção dos PGTAs é uma oportunidade da gente valorizar os nossos costumes dentro dos territórios, tanto na questão da saúde, educação, geração de renda, na valorização das nossas danças, benzimentos, pinturas, enfim, em todos os aspectos", conclui a diretora da Foirn, Almerinda, acrescentando que o maior desafio desse processo está no diálogo com o governo. "Nossa maior ansiedade é a de saber se o que a gente está construindo agora vai ser de fato levado em consideração pelas políticas públicas", desabafa a liderança, acrescentando que o processo de elaboração dos planos está sendo muito valioso para as comunidades que se envolveram e foram motivadas a refletir sobre os seus "planos de vida".

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