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Povo Guarani assume protagonismo na luta por territórios negados

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Bruno Weis.
22 de Dez de 2004

Com a presença de representantes de 40 aldeias Guarani de todo o Brasil, o Seminário Terras Guarani no litoral - Contexto fundiário e ambiental, realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo, nos dias 15 e 16 de dezembro, teve o objetivo de discutir com a sociedade as relações entre a regularização das terras Guarani e o uso e a proteção da Mata Atlântica.

O cacique e pajé Guarani, João da Silva Vera Mirim, tem 92 anos. Desde os 15 vive em meio a luta pelo direito de seu povo à terra. "Pelo visto ainda preciso lutar mais", disse o líder Guarani durante o Seminário Terras Guarani no litoral - Contexto fundiário e ambiental,que aconteceu em São Paulo em 15 e 16 de dezembro. O tema do encontro foi discutir com a sociedade as relações entre a regularização das terras Guarani e o uso e proteção da Mata Atlântica. Faz parte do Programa Ambiental/Guarani realizado com comunidades Guarani do litoral brasileiro e pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI). "Quero levar notícias boas para minha comunidade", disse o chefe Vera Mirim da aldeia Bracuí, ao final do seminário. Localizada no município de Angra dos Reis (RJ), a aldeia Bracuí é uma das poucas Terras Indígenas (TI) Guarani demarcadas.

O cacique tem uma novidade para contar à sua comunidade: os Mbya - subgrupo Guarani majoritário na costa brasileira - estão assumindo um protagonismo inédito na apresentação de propostas e demandas para a regularização fundiária de suas terras. "Essa nova postura dos Guarani faz com que as demandas fiquem mais claras e organizadas para que eles possam pressionar melhor as autoridades", avalia a antropóloga Maria Inês Ladeira, coordenadora do programa. A antropóloga diz que outros dois seminários serão realizados no começo de 2005 em aldeias Guarani no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A idéia é produzir, a partir destes encontros, um documento único com as principais questões relacionadas à regularização fundiária e preservação ambiental das terras Guarani.

Principais demandas

No seminário em São Paulo, os Mbya solicitaram ao Ministério da Justiça e à Fundação Nacional do Índio (Funai) a criação de 11 grupos de trabalho para identificação e demarcação de Terras Indígenas e a resolução de processos de demarcação e homologação atualmente em curso. Exigiram indenizações aos posseiros que ocupam algumas de suas terras - para que as desocupem - e a participação, por parte de comunidades Guarani, nas discussões e na elaboração dos Planos de Gestão das Unidades de Conservação (UCs). A melhoria na fiscalização nas áreas de entorno e nas TIs para evitar a entrada de palmiteiros, caçadores e demais invasores também foi demandada pelos participantes do encontro.

O cacique Adolfo Timóteo, da TI Guarani Ribeirão Silveira, localizada no município de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, divulgou carta durante o seminário na qual protesta contra a revisão dos limites da terra feita pelo Ministério da Justiça. Em outro documento produzido no evento, os Guarani se dirigem diretamente à Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para reclamar por espaço nos trabalhos da pasta relativos às questões indígenas. "Queremos contribuir com a nossa ciência e trabalhar para resolver, por exemplo, o problema da existência de unidades de conservação feitas em cima de nossas terras tradicionais"..."Também queremos participar dos projetos de desenvolvimento sustentável, dos projetos internacionais, e dos projetos de leis, em tudo o que nos diz respeito nós queremos ter o nosso espaço reservado e garantido", afirmaram as lideranças presentes no seminário. Leia aqui os documentos na íntegra.

Na mira de conservacionistas

Nos últimos anos os Guarani têm sofrido ataques de entidades conservacionistas que afirmam que a presença dos índios é nociva às Unidades de Conservação. "Trata-se de um despropósito colocar nas costas dos índios um processo de destruição do qual eles são as principais vítimas", afirmou Antônio Molina, procurador do Ministério Público Federal em Santos (SP). Durante sua fala, o procurador disse que a solução mais viável para terminar com o impasse entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação é a criação de um grupo de trabalho composto por técnicos da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Outra mudança necessária deve ocorrer na visão do governo do estado de São Paulo, que toma decisões arbitrárias e inconstitucionais contra os interesses dos Guarani".

O representante do Ministério do Meio Ambiente no seminário, Jaime Saiz, disse aos Mbya que a posição oficial do governo é de que, nos casos de sobreposição entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação, deve prevalecer a vontade dos índios. "Essa é a visão do governo, mas infelizmente não é a visão de todos no governo", afirmou.

Em artigo que será publicado no livro Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza - O desafio das sobreposições territoriais, organizado pela antropóloga Fany Ricardo, coordenadora do Programa de Monitoramento das Áreas Protegidas do ISA (com lançamento previsto para o começo de 2005), Márcio Santilli, um dos diretores do ISA, observa que a polêmica entre conservacionistas e organizações pró-direito indígena omite o fato de que são as frentes de grilagem de terras, ligadas à extração predatória de recursos naturais, que depredam em grande escala tanto as UCs quanto as TIs. "Enquanto ambientalistas e indigenistas se degladiam, os seus inimigos objetivos avançam", alerta Santilli.

Histórico de conflitos

Os 70 mil Guarani que habitam hoje o continente sul-americano são divididos em três sub-grupos em razão de diferenças de costumes, de dialetos e de rituais: Kaiova, Nhandéva e Mbya. No Brasil, a população chega a 35 mil guaranis, espalhados em aldeias localizadas em estados de norte a sul do País. O subgrupo Mbya, com cerca de 7 mil indivíduos, é o que tradicionalmente habita as costas sul e sudeste do litoral. E, em função desta ocupação, está entre os povos indígenas brasileiros com maior histórico de conflitos pelo reconhecimento de suas terras. Das 60 aldeias Mbya localizadas na faixa litorânea, que se extende do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo, apenas 16 têm suas áreas demarcadas e homologadas pela Presidência da República. Além de poucas, são pequenas.

O território Mbya regularizado soma apenas 19 mil hectares e é constantemente ameaçado por processos judiciais que contestam a presença Guarani nestas áreas. A população Mbya, quando consegue o reconhecimento territorial, ainda acaba por compartilhar a terra com outras populações indígenas. "A lei do branco não reconhece nosso direito à terra, mas hoje temos lideranças capazes de discutir sem abaixar a cabeça", afirma Maurício da Silva Gonçalves, guarani da TI de Passo Grande, no Rio Grande do Sul. Para agravar a situação, os Mbya lutam pela demarcação de terras na costa atlântica da região mais populosa do País, os estados do sul e sudeste, onde vive 60% da população brasileira.

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