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Potiguara são tratados no consultório psicológico

Correio da Paraíba-João Pessoa-PB
Autor: André Gomes
24 de Nov de 2004

Paraibana faz acompanhamento pioneiro para minimizar perda da identidade cultural

A Paraíba, através da Funasa, foi o primeiro estado brasileiro, desde o ano 2000, a colocar um índio dentro de um consultório de psicologia para ser tratado. E assim está servindo de modelo para outros profissionais que trabalham em consultório como instrumento de intervenção e também trabalham com imagens simbólicas do inconsciente. Outros estados já estão colocando em prática o modelo desenvolvido pela psicóloga Maria de Lourdes.

"São claras as evidências de que ainda existem mostra das lendas, dos mitos e crenças dos ancestrais dos Potiguara, mas eles estão reprimidos no seu inconsciente coletivo e se manifestam claramente nos seus desenhos e sonhos, que é o material explorado no estudo. O trabalho nada mais é que a tentativa de colocar esses índios, que hoje sofrem preconceitos, numa posição mais confortável. Numa posição de inclusão nessa sociedade massificada e capitalista. Assim esperamos, que esse sonho se torne realidade", conclui Maria de Lourdes.

A luta dos povos indígenas começou com a descoberta do Brasil e perdura até hoje. Obrigados a adaptar-se em situações tanto físicas como psicológicas diferentes das que compõem a sua cultura, eles sofrem as conseqüências do abandono. Foi sobre essa problemática que debruçou-se a psicóloga e estudiosa do povo indígena Potiguá, Maria de Lourdes de Araújo, que está desenvolvendo um trabalho de recuperação da auto-estima com adolescentes e adultos da aldeia dos Potiguara. O trabalho é realizado através do Distrito Sanitário Especial Indígena que compõe a Fundação Nacional de Saúde - Funasa-PB.

A psicóloga Maria de Lourdes trabalha com a linha Junguiana, através do inconsciente, que permite detectar o problema por meio de símbolos e sonhos. A linha de pesquisa parte da filosofia de Jung e diz que os complexos resultam do choque entre uma exigência de adaptação ao indivíduo e este não possui construção especial para suprir essa exigência.

Este é o efeito que os índios potiguara sentem no dia-a-dia desde o primeiro contato com o homem branco. O avanço da colonização dos territórios anteriormente ocupados exclusivamente pelos povos indígenas forçou o contato entre as duas culturas. Atualmente, com a quase dizimação das nações indígenas, o que restam são reservas criadas pelo Estado branco.
Como é o trabalho

A consulta parte do seguinte: a psicóloga fornece lápis e papel para o paciente e pede que ele desenhe. Com o desenho pronto, a profissional faz sua interpretação, tomando por base a teoria junguiana, e detecta o problema. A partir desse diagnóstico o trabalho se desenvolve no sentido de melhorar a auto-estima e os valores muitas vezes perdidos pelos índios, devido ao contato com a cultura branca.

A psicóloga Maria de Lourdes vem atendendo os índios em seu consultório, que funciona em sua residência, no conjunto dos Bancários, em João Pessoa. "Optei por fazer isso aqui por ser um lugar tranqüilo e de bom espaço", diz. Ela chega a atender entre 3 e 6 pacientes, com variações de tempo entre as consultas.

"Eles acham que são muito explorados e que ninguém resolve nada. Muitas vezes os índios chegam para o acompanhamento psicológico com síndrome do pânico, depressão, problemas pseudo-epilépticos e psicossomáticos", revela Maria de Lourdes. Esses sintomas são causados por estresse da vida moderna para o qual o psicológico do índio não está preparado.
Potiguara vieram do 'Chico' e expulsaram os Cariris

Hoje na Paraíba existem 24 aldeias Potiguara com Pólos de Apoio em três cidades: Baia da Traição, Rio Tinto e Marcação. Os Potiguara têm origem Tupi e vieram das margens do Rio São Francisco. Se instalaram na margem esquerda do Rio Paraíba e expulsaram os índios cariris para o interior apropriando-se das terras. A vida se transformou totalmente. O corre-corre do dia-a-dia das grandes cidades está presente nas aldeias. Mas não só isso. Chegaram também o preconceito, a descriminação, as drogas e o álcool. E como forma de fulga para os problemas, os índios se deixam levar por esses caminhos.

Para Maria de Lourdes a solução está em um acompanhamento preventivo por parte dos profissionais. O conhecimento das etnias também é fator primordial para o bom desenvolvimento do trabalho, pois ajuda a entender com mais subjetividade as necessidades do povo indígena. "Não ficar nos consultórios, e conduzir o índio as suas origens e ancestralidades é fundamental" para um melhor resultado, afirma a psicóloga.
Tema de seminário

Sendo conhecedor desse trabalho o Conselho Regional de Psicologia CRP-13 indicou o nome da psicóloga Maria de Lourdes para representar os Potiguara, em Brasília, no seminário sobre as etnias indígenas que contribuíram na formação do povo brasileiro. O seminário aconteceu durante os dias 05 a 07 de novembro, teve como tema "A Subjetividade e os Povos Indígenas" e foi realizado com a pretensão de resgatar costumes, tradições, crenças, lendas e mitos que se perderam ao longo do tempo.

Cinco pontos foram focados durante o seminário: a capacitação de psicólogos para atenderem a população indígena; propor às academias, que sejam inseridas no curso de psicologia a introdução da temática indígena; estabelecer parcerias entre os Conselhos de Psicologias e as lideranças indígenas nas lutas específicas em defesa do território das políticas públicas; promover encontros regionais e; Identificar na Região Nordeste as parcerias já existentes entre organizações indígenas, universidades e entidades da sociedade civil (CIMI) para dar início ao trabalho que foi apresentado e proposto durante o seminário. ["]
"Portanto, é possível distribuir minha solidão,
torná-la meio de conhecimento."
Carlos Drummond de Andrade, América

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