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Possuelo, o novo heroi do imperio britanico

OESP, Geral, p.A16
30 de Mai de 2004

Possuelo, o novo herói do império britânico
O sertanista brasileiro receberá medalha de ouro da tradicional The Royal Geographic Society
LEONENCIO NOSSA
BRASÍLIA - Um brasileiro defensor dos direitos humanos na Amazônia vai entrar para a galeria dos grandes exploradores homenageados pelo império britânico. Com aprovação da rainha Elizabeth II, a tradicional The Royal Geographical Society premiará no dia 7 com medalha de ouro o sertanista Sydney Possuelo, por sua dedicação aos povos isolados da floresta.
A lista dos premiados é quase secular e inclui aventureiros que foram mordidos por leões, enfrentaram baixíssimas temperaturas ou conseguiram levar cavalos de raça para marajás indianos a pedido de reis ingleses. O premiado desta vez não é o sobrevivente tradicional, mas o responsável por garantir a sobrevivência de pessoas desconhecidas, ameaçadas por madeireiros, garimpeiros e caçadores.
Persistência - Fundada em 1830 pelo rei William IV para registrar os feitos dos representantes dos interesses britânicos nas colônias da África, a entidade geográfica já concedeu medalhas para ícones da exploração e da aventura (veja ao lado).
"A medalha poderia perfeitamente ser entregue a muitas pessoas que trabalharam comigo, mas acho que o que contou foi a persistência", avalia o mais destacado sertanista da atualidade. "Eu não desisti nem pretendo ficar no caminho." Foi difícil para Possuelo, de 64 anos, esconder a emoção ao ser informado que entraria na galeria. Só os irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas tinham sido homenageados com a medalha, em 1967, por ajudar no "desenvolvimento de Mato Grosso".
Possuelo é um seguidor do trabalho desenvolvido por Cláudio e Orlando. Há quase 40 anos atuando na defesa de índios sem contato com os brancos, foi o primeiro diretor do Parque do Xingu, idealizado pelos irmãos.
O sertanista diz que o prêmio vem num momento importante. Ele reclama do tratamento recebido pelos índios por parte dos órgãos públicos e da sociedade civil. Ressalta, em especial, a situação dos cintas-largas, que sofrem as conseqüências do episódio da morte de 29 garimpeiros em Rondônia, em abril. Também reclama da demora do governo e da Justiça em homologar a reserva indígena Raposa Serra do Sol (RR), reconhecida quando ele ocupava a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), nos anos 90. "O prêmio é dos índios."
Amigos - Atualmente, Possuelo chefia a Coordenação de Índios Isolados da Funai, órgão que protege cinco áreas na Amazônia onde ficam aldeias sem contato com a sociedade. Ele comanda, por exemplo, um território perto da fronteira com o Peru e a Colômbia que é maior que a área de alguns Estados. É a reserva do Vale do Javari (AM), de 8.337 milhões de hectares, do tamanho de Santa Catarina ou Portugal. Vivem ali canamaris, marubos, matises, corubos e "flecheiros". "Sempre achei que nem precisaria receber salário, pois gosto de subir morro, navegar pelos rios e ficar perto dos meus amigos índios."
Pai de seis filhos, Possuelo casou-se recentemente com Soraya Zaiden, especialista em literatura inglesa. Ela está organizando os arquivos do marido, com histórias de viagens difíceis. A última longa expedição ocorreu em 2002, quando o sertanista passou 110 dias no extremo-oeste do Amazonas, uma viagem acompanhada pelo Estado. "Os anos de luta o tornaram um símbolo da resistência ao desenvolvimento sem princípios humanos e sem proteção ao meio ambiente", afirma Soraya.
Quando está em Brasília, onde mora, Possuelo costuma preparar massas para os amigos. É exigente na seleção dos temperos e dos vinhos. Acostumado a usar bermudas, camisas e chapéus rasgados na selva, pretende colocar um terno na bagagem para Londres. "Não vejo problemas em usar uma gravata na cerimônia de premiação. Os índios não fazem um esforço enorme para se pintar e colocar adornos?"
O sertanista costuma dizer que antes de se apaixonar pelos índios se apaixonou pela aventura. Mas foi pelas brigas em defesa dos povos da floresta que vai ter o nome incluído na galeria dos aventureiros da rainha.

OESP, 30/05/2004, p. A16

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