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Posição do Conselho Indigenista Missionário - Cimi

CIMI-Brasília-DF
18 de Set de 2003

frente a atual Política Indigenista de Saúde do Estado brasileiro

O Conselho Indigenista Missionário - CIMI, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, ao longo desses anos vem trabalhando com o intuito de contribuir na estruturação de uma política de saúde diferenciada que atenda adequadamente os povos indígenas no país. Nesse sentido dedicou esforços para que fosse definida uma política de atenção à saúde dos povos indígenas em conformidade com o processo de consolidação do Sistema Único de Saúde, deliberando que a atenção de saúde aos Povos Indígenas deve viabilizar o enfoque diferenciado, tratando adequadamente povos diferentes através do Subsistema de atenção à Saúde Indígena com respaldo na Constituição Federal de 1988, que definiu a saúde como um direito de cidadania.

O Sub-Sistema deve organizar o direito a uma assistência diferenciada, com ações e serviços de saúde que assegurem o atendimento integral, que respeite as especificidades étnico-culturais de cada povo indígena garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde, tendo como diretrizes o respeito e valorização das diferentes práticas dos Sistemas Tradicionais Indígenas de Saúde considerando o perfil epidemiológico, a situação sanitária, as condições de bem estar físico, mental e social bem como as formas de interação desses povos com a sociedade envolvente e, garantindo-se a participação de seus representantes na formulação e deliberação da política de saúde.

Situação atual do Modelo de Atenção à Saúde Indígena.

A organização dos serviços de saúde estruturados através de convênios, que foram implementados desde o Governo FHC, apropriou-se e deturpou as propostas das Conferências Nacionais de Saúde para os Povos Indígenas, inserindo mecanismos que na prática inviabilizam a implementação do Subsistema de Saúde com base nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

Com a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas - DSEI's - em todo o país, a partir de 1999, houve uma maior destinação dos recursos e foi criada uma estrutura de serviço com recursos materiais e humanos (postos de saúde, carros, barcos, voadeiras, rádio fonias, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, dentistas, AIS), mas com sérios problemas de gestão, como burocracia, autoritarismo, desrespeito e desconhecimento da questão indígena pelos responsáveis por essa política.

A política de terceirização da saúde indígena através dos convênios levou para o interior das terras indígenas um grande número de profissionais sem qualquer preparação específica com atitudes, muitas vezes, desrespeitosas e preconceituosas. Em relação aos convênios da Funasa com Prefeituras, há casos onde os recursos sequer são aplicados na saúde indígena.

Principais problemas enfrentados nas aldeias indígenas, casas de saúde, hospitais e demais centros de atendimentos:

No atual modelo constata-se que não há atendimento diferenciado aos pacientes indígenas dentro do Sistema Único de Saúde - SUS, com isso apresentando inúmeros problemas, como: falta de capacitação e acompanhamento das equipes de saúde junto aos AIS nas aldeias; formação deficitária aos conselheiros locais e distritais; precariedade ou inexistência dos atendimentos especializados como: odontologia, oftalmologia, ginecologia, geriatria e outros; inexistência de uma formação antropológica às equipes multidisciplinares; falta de medicamentos nos postos de saúde nas aldeias; a operacionalização do programa de imunização é descontínua e em alguns casos inoperante; falta de estruturas físicas nas aldeias para a atuação das equipes de saúde; ineficácia ou mesmo inexistência de tratamentos da tuberculose, da malária e de outras endemias; falta de insumos e alimentação na casa de saúde indígena; atraso na remuneração dos profissionais de saúde, falta de integração entre estes profissionais e de compromisso e responsabilidade gerando uma grande rotatividade das equipes; desrespeito à medicina tradicional de cada povo; preconceito e discriminação com os povos indígenas nas casas de saúde e hospitais.

Constata-se um alto índice de mortalidade causada por IRA, verminoses, diarréias, tuberculose, pneumonia, coqueluche e outras doenças, como também um grande número de óbitos sem causa conhecida ou por infecções generalizadas, demonstrando-se a ausência do acompanhamento e deficiências no atendimento de referência e contra-referência.

Verifica-se a falta de um trabalho de sistematização dos dados epidemiológicos assim como o repasse dos mesmos para que os conselheiros possam avaliar, acompanhar e elaborar programas de prevenção e controle das epidemias de maior incidência em suas comunidades.

Comprova-se que no processo de contratação terceirizada dos profissionais de saúde indígenas e não-indígenas não são garantidos os direitos trabalhistas nem a integralidade dos serviços prestados, estimulando interferências políticas nas escolhas das equipes multidisciplinares.

Controle Social

Os Conselhos Distritais de Saúde tem tido inúmeras dificuldades, uma vez que o responsável pelo atendimento da saúde, em última instância, é o "terceiro" e não a União. Com essa sistemática o poder de intervenção, de controle, planejamento e execução das ações foi retirado dos DSEIs através do estabelecimento de convênios com ONG's, prefeituras e organizações indígenas, terceirizando a execução dos serviços de saúde aos povos indígenas. Não havendo por parte da FUNASA um controle e fiscalização na aplicação dos recursos e do trabalho das conveniadas.

No atual Modelo de Atenção a Saúde para Povos Indígenas os Conselhos Distritais de Saúde têm atuado em sua maioria de forma figurativa e a configuração dos Distritos é insatisfatória. Ocorrem dificuldades no intercâmbio entre os conselheiros, lideranças e comunidades, intensificando-se com a deficiência na divulgação das informações sobre os conteúdos, definições e encaminhamentos das reuniões dos Conselhos Distritais.

A periodicidade das reuniões dos Conselhos Distritais em todo Brasil têm sido deficitária. No DSEI-Xavante em Mato Grosso, por exemplo, aconteceu apenas uma reunião do Conselho no ano de 2000. No Estado do Maranhão, a situação é ainda pior, apenas uma reunião foi realizada desde o início de implantação do modelo em 1999. Vale destacar que nestas reuniões não são respeitadas as propostas das comunidades elaboradas nos conselhos locais de saúde, uma vez que a elaboração do plano de trabalho é feita pelos conveniados. Na maioria das vezes os conselheiros são chamados somente para aprovar o projeto de trabalho e o plano orçamentário. Existem ainda, situações absurdas de manipulação dos espaços destinados ao controle social, como por exemplo no Conselho Distrital de Tocantins onde os conselheiros indígenas de saúde são somente os prestadores de serviços.

É fundamental a participação efetiva do Movimento Indígena e Indigenista, uma vez que está em curso uma discussão que reafirma a política imposta pelo governo anterior, com um aspecto aparentemente novo que é a relação de parceria entre a FUNASA e as OSCIP. Com a implementação desta proposta ratifica-se a terceirização da prestação de serviços de saúde para os Povos Indígenas. A diferença é que o governo agirá com certa "legitimidade", que estará respaldada pela Lei N.o 9.637 de 15 de maio de 1998 (Lei do Terceiro Setor), regulamentando a manutenção de convênios bem como a fiscalização e o controle das conveniadas.

É inaceitável que as decisões da Saúde Indígena estejam concentradas exclusivamente no âmbito da FUNASA/DESAI com os conveniados que defendem a manutenção deste sistema favorecendo somente as aspirações neoliberais do Estado Mínimo.

É imperativo a implementação de fato do Sub-Sistema de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas conforme estabelece a Lei N.o 9.836 - Lei Arouca, política esta preconizada na II Conferencia Nacional de Saúde Para os Povos Indígenas em1993 - Luziânia-GO, e que seja estruturado, no âmbito do Ministério da Saúde como uma instância que responda de forma especifica pelas ações e serviços em saúde.

Reafirmamos que a União Federal é responsável pelas ações e serviços de saúde voltada para os Povos Indígenas e estas devem ser executadas pelo Ministério da Saúde, de forma articulada com as práticas dos Sistemas Tradicionais Indígenas de Saúde. Que o Ministério da Saúde crie e estruture um órgão responsável pela coordenação e execução das ações e serviços em saúde aos povos indígenas, devidamente integrados ao SUS e articulados com os organismos responsáveis pela Política Indigenista do país.

Definitivamente as instâncias de Controle Social devem ter competência e autonomia para planejar, fiscalizar e deliberar sobre as ações e serviços de saúde aos Povos Indígenas.

Assim, o Subsistema de Atenção a Saúde Indígena atingirá com eficácia o funcionamento de um Sistema Local de Saúde organizado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas - DSEI´s, com autonomia administrativa, orçamentária e financeira

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