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Por onde começar a reverter o jogo

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
30 de Jun de 2006

Por onde começar a reverter o jogo

Washington Novaes

A cada dia é mais freqüente no Brasil uma mesma discussão entre cientistas, ambientalistas e administradores públicos. Dada a gravidade e a rapidez com que se intensificam problemas como mudanças climáticas, insustentabilidade de padrões de produção e consumo, perda da biodiversidade, comprometimento de recursos e serviços naturais, inviabilização de metrópoles, entre muitos outros, qual o caminho a seguir? Lutar por uma transformação imediata na administração pública, para que ela seja capaz de promover com urgência as políticas e os projetos imprescindíveis, antes mesmo que a sociedade os exija e cobre sua implementação? Ou jogar todo o esforço na informação/transformação da sociedade, para que esta, consciente das questões, as transforme em compromissos e políticas com respaldo social - e, por isso, eficazes e de rápida implantação?

A recente pesquisa feita pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) para o Ministério do Meio Ambiente, sobre "o que os brasileiros pensam sobre a diversidade", oferece informações interessantes para avaliar não apenas o ângulo específico da diversidade biológica, mas o próprio rumo das políticas ambientais, diante da informação ou desinformação evidenciada pela sociedade.

Chama a atenção, de início, o resultado da pesquisa estimulada (isto é, opções dos que responderam diante de temas propostos) sobre quais são os principais problemas do Brasil. E meio ambiente ali aparece em 11o lugar, com apenas 6%, depois de desemprego (58%), violência/criminalidade (57%), saúde/hospitais (38%), políticos (27%), educação (24%), distribuição de renda (18%), moradia e custo de vida (15%), inflação (10%), falta de fé (12%), falta de ética (7%). Embora meio ambiente tenha passado de 4% para 6% entre 2001 e 2006, está longe de ser uma preocupação prioritária da sociedade - ou pelo menos do que a sociedade julga ser meio ambiente. Talvez porque, como ressalta o Iser, "meio ambiente é ainda para os brasileiros sinônimo de fauna e flora; o conceito engloba predominantemente os elementos reconhecidos como 'naturais', excluindo os seres humanos".

Algumas conseqüências desse entendimento são óbvias:

A não-percepção de que todas as ações humanas têm impacto sobre o meio ambiente;

a não-percepção de que todos os outros temas considerados mais prioritários têm relação direta com a apropriação, distribuição e uso de recursos e serviços naturais;

a falta de percepção para o fato de que os seres humanos são constituídos, em seu corpo, de água e minérios, alimentam-se de outros seres vivos - e, por isso, o que acontecer ao meio físico acontecerá também em seu corpo.

Uma evidência dessa não-percepção está em outro item, quando os pesquisados escolheram, entre várias possibilidades, quais são os maiores problemas de seu bairro gerados por danos ao meio ambiente. O clima mais quente foi o mais apontado, com 57%, seguido de doenças respiratórias (43%), poluição do ar (43%) e aumento da quantidade de insetos e pragas (37%). Ou seja, os pesquisados reconhecem implicitamente que remoção da vegetação e mudanças climáticas afetam seu dia-a-dia (temperaturas mais altas, mudanças na distribuição espacial e temporal de chuvas, principalmente). Que as emissões de gases poluentes (e, portanto, as matrizes energéticas responsáveis por mudanças climáticas) prejudicam a qualidade do ar e sua saúde. Que a destruição dos hábitats silvestres de insetos e pragas os faz migrar para as cidades.

Mesmo nas respostas espontâneas sobre os principais problemas do bairro, quatro ditos ambientais figuram entre os dez primeiros: falta de saneamento básico, de coleta de lixo e de tratamento de água, ao lado de enchentes urbanas. Quando se trata, entretanto, dos problemas ambientais nacionais, a visão é outra nas respostas espontâneas: o desmatamento de florestas e queimadas são, de longe (65%), a maior preocupação, seguidos da poluição das águas (43%) e da poluição do ar (31%).

A análise apresentada com a pesquisa entende que, ainda assim, há avanços importantes. Porque em 1997 diziam 56% dos pesquisados que não tinham problema ambiental e em 2006 esse número caiu para 33%. Da mesma forma, em 1997 achavam 47% dos entrevistados que não tinham problema ambiental em seu bairro; em 2006 foram apenas 11%.

Não há, nos resultados divulgados, informações que permitam concluir se a população percebe ou não a necessidade de políticas públicas que confiram às ditas questões ambientais a prioridade necessária. Mas há avaliações que apontam para a insatisfação com as políticas em todos os níveis da administração. Apenas 23% aprovam a atuação do governo federal e 20% a das prefeituras e dos governos estaduais. Desempenho pior, só dos empresários (11% de aprovação). Mas também a comunicação e os cientistas são reprovados pela maioria dos que opinaram (só 45% aprovam a atuação da primeira "na defesa do meio ambiente" e 47% a dos cientistas).

Retornando ao início destas linhas, diante do dilema colocado, parece não haver opção: será preciso trabalhar com muita urgência para que haja mais informação disponível para a sociedade e esta, mais consciente, possa transformá-la em plataforma política que exija dos candidatos; mas também será indispensável que as "entidades ecológicas", as que têm maior aprovação na pesquisa (64%), intensifiquem seu trabalho e sua pressão - principalmente, que repudiem a "política do fato consumado", já comentada neste espaço, e que leva muitas delas a aceitar prejuízos para "evitar males maiores".

Um bom começo, por exemplo, poderia ser o questionamento da política federal, de repassar para os Estados o licenciamento ambiental e a emissão de guias para transporte de madeiras - "passando o mico" do desmatamento, com tem dito uma dessas ONGs, o Greenpeace.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 30/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

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