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Por dentro do universo das ONGs

Época, Debate, p. 61-80
Autor: BORNSTEIN, David
11 de Ago de 2008

Por dentro do universo das ONGs
Apesar dos focos de falcatruas e corrupção, elas se tornaram uma das áreas de maior vigor, dinamismo e inovação na sociedade contemporânea

José Fucs

Num passado não tão distante, as ONGs, ou organizações não-governamentais, eram vistas como defensoras de causas nobres, como o meio ambiente, a educação ou o combate a doenças. Nos últimos tempos, porém, o brasileiro parece ter se acostumado a ouvir falar nas ONGs como foco de fraudes, falcatruas com dinheiro público ou ainda como centros de propagação de ideologias e interesses privados. Escondidos sob o manto das causas nobres defendidas por elas estariam sórdidos esquemas de corrupção. O Congresso Nacional criou até uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias contra o uso das ONGs no desvio de dinheiro público. Qual das duas imagens das ONGs representa a realidade? Sua proliferação e sua crescente influência são notícias boas ou ruins para a sociedade? Para responder a essas perguntas, este especial de ÉPOCA Debate faz um mergulho detalhado no universo das ONGs.
A primeira conclusão é que as ONGs tendem a assumir um papel cada vez mais relevante no mundo contemporâneo. De acordo com o pesquisador Lester Salamon, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, a explosão do Terceiro Setor - nome que os estudiosos usam para se referir às ONGs (porque atuam entre o Estado, o primeiro setor, e as empresas, o segundo) - pode representar para nosso tempo o que o crescimento dos Estados nacionais representaram no fim do século XIX e início do XX. "Este é um momento especial da História", diz Salamon. "Estamos no meio de uma revolução associativa global". O crescimento das organizações sem fins lucrativos, afirma Salamon, ganhou força a partir dos anos 90. As principais causas foram a ascensão das políticas liberais, praticadas pelos governos de Ronald Reagan (EUA) e de Margaret Thatcher (Inglaterra), e a crise do socialismo, com o fim da União Soviética. A descrença crescente no poder do Estado para promover o desenvolvimento econômico e a crise nos partidos de esquerda geraram um espaço vago no espectro ideológico. Por defender causas próximas dos interesses do cidadão comum e por apresentar-se a uma distância profilática de governos e empresas, as ONGs conseguiram ocupar esse espaço.
De lá para cá, só fizeram crescer. Um estudo de Salamon revela que elas já movimentam o equivalente a US$ 1,9 trilhão por ano (R$ 3,1 trilhões). É mais que o PIB do Brasil, de US$ 1,3 trilhão, e o equivalente a 5,1% do PIB combinado dos 40 países incluídos na pesquisa. Se fosse um país independente, o Terceiro Setor teria sido a oitava maior economia do planeta no ano passado. O Brasil segue essa tendência global. O Terceiro Setor já representa 5% do PIB brasileiro. Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um crescimento significativo no número de ONGs criadas no país nos últimos anos. Entre 2002 e 2005, elas aumentaram de 22,6% - de 287 mil para 338,2 mil. Estima-se que hoje já sejam 400 mil. Com um contingente avaliado hoje em 1,8 milhão de funcionários com carteira assinada - mais que o triplo dos funcionários públicos federais -, as ONGs movimentam cerca de R$ 35 bilhões por mês só com o pagamento de salários. Os salários na área social já estão próximos dos pagos na iniciativa privada e no setor público. Nos Estados Unidos, um trabalhador do Terceiro Setor recebe em média US$ 627 por semana em comparação a US$ 669 na iniciativa privada. No Brasil, os trabalhadores do Terceiro Setor ganham, em média, 3,8 salários mínimos por mês (ou R$ 1.577), ou 3,2% a mais que a média nacional. "A crença de que os trabalhadores do Terceiro Setor ganham menos que seus colegas do setor privado é hoje, na melhor hipótese, uma meia-verdade", diz Salamon.
A segunda conclusão deste especial ÉPOCA Debate, retratada na próxima reportagem, é que a quantidade de dinheiro disponível no Terceiro Setor atrai não apenas gente bem-intencionada. Os esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público que surgiram ao redor das ONGs devem ser combatidos e investigados. A legislação que as regula também deve ser aperfeiçoada para evitar as brechas que permitem esses desvios. Mas, surpreendentemente, a maior parte do dinheiro das ONGs não vem do governo. De acordo a pesquisa da Johns Hopkins, apenas 14% dos recursos das ONGs brasileiras se originam de convênios e subvenções governamentais. A maior fatia - 69% - vem da venda de produtos e serviços. E 17% se originam de doações do setor privado (leia o quadro).
São tantas as ONGs no Brasil que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) decidiu criar um mecanismo semelhante ao de ações para ajudá-las a captar recursos. E para ajudar os investidores a escolher as ONGs em que querem aplicar seu dinheiro. Batizada como Bolsa de Valores Sociais e Ambientais (BVS&A), a iniciativa já permitiu a doação de R$ 9,6 milhões a 73 projetos em todo o Brasil desde sua criação, em 2003. O pioneirismo já rendeu à Bovespa a chancela da ONU e está inspirando iniciativas semelhantes em outros países. Na África do Sul, surgiu uma iniciativa semelhante. A Alemanha pretende seguir o mesmo caminho. "É um projeto que está transferindo a experiência de captação das empresas para a área social", diz Raimundo Magliano Filho, presidente da Bovespa.

Se fosse um país independente, o Terceiro Setor seria a oitava maior economia do planeta.

O interesse da Bovespa pelas ONGs é uma prova de que poucas, pouquíssimas áreas exibem hoje o vigor e o dinamismo observados no Terceiro Setor. Eis, portanto, a terceira e principal conclusão deste especial ÉPOCA Debate: é pelo que fazem de bom - e não de mau - que o poder e a influência das ONGS não param de aumentar". Se as organizações sociais definirem com precisão suas missões e seguirem uma visão do mundo dos negócios para avaliar os resultados, a eficiência vai crescer a cada ano", afirma o executivo John Fuller, co-fundador e atual presidente do Monitor Group, consultoria internacional com sede em Boston, nos Estados Unidos. O Monitor é parceiro do New Profit, um fundo americano que investe recursos do público em empreendimentos sociais. Usa a experiência que adquiriu em seu trabalho com grandes corporações para ajudar os empreendedores sociais a crescer e prosperar.
Segundo Fuller, o maior problema das ONGs não é falta de dinheiro, mas de gestão. É esse desafio que tem atraído tantos profissionais qualificados do mercado para o universo das ONGs. Embora seja pouco conhecido dos brasileiros como um pólo de inovação, o setor social se transformou numa fábrica de novas idéias voltadas para a solução de problemas. E começou a empregar gente que parece realmente interessada em fazer sua parte para mudar o cenário social do país. Conhecidos como empreendedores sociais, eles estão mudando a face da filantropia no Brasil e no mundo (leia a reportagem).
Capitalistas convictos, como o fundador da Microsoft, Bill Gates, hoje convertido à filantropia, estão se transformando em agentes financiadores desses empreendedores sociais. A Fundação Bill & Melinda Gates, a maior do mundo, tem US$ 38,7 bilhões para financiar projetos sociais em todo o planeta. "O capitalismo melhorou a vida de milhões de pessoas, mas deixou bilhões de pessoas para fora do sistema", escreve Gates num artigo publicado na revista Time, intitulado Como Consertar o Capitalismo. "Os governos e as organizações sem fins lucrativos têm um papel insubstituível para ajudá-las".

Como fazer o bem a si mesmo
Acusadas de desviar recursos do governo, algumas ONGs se tornam alvo da atenção da Justiça

PAULA PACHECO

Trata-se de uma questão difícil. Ao mesmo tempo que um grande número de organizações não-governamentais realiza ações em áreas importantes, como educação, saúde e meio ambiente, há entidades que se aproveitam da boa vontade que cerca a sigla para atuar em causa própria - sozinhas ou com a conivência do Estado. Esse problema, o lado B das ONGs, tem sido uma fonte crescente de preocupação do setor público. Suspeitas de irregularidades são hoje investigadas, simultaneamente, pela Polícia Federal, pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo Ministério Público Federal. E não é só.
No Senado, a CPI das ONGs, criada em 2007, tem até novembro para concluir os trabalhos. Segundo o relator Inácio Arruda (PCdoB-CE), há 200 entidades sob investigação. Parece um número enorme, mas, comparado ao total das instituições em operação no país - 338 mil -, o universo sob o holofote da CPI é ínfimo, algo como 0,06% do total. Ainda assim, o fenômeno preocupa.

ONGs acusadas de desviar ou desbaratar recursos do Estado fazem o contrário do que está previsto em seu mandato social. Essas ações comprometem o propósito essencial do Terceiro Setor, desvirtuam radicalmente suas práticas e colocam esse pedaço crescente da economia sob suspeita. Segundo dados do governo, em 2006, último ano contabilizado, os recursos de ministérios repassados às organizações não-governamentais foram de R$ 161,7 milhões. É muito, mas esses valores já haviam chegado a R$ 709,49 milhões em 2002. Parte do recuo é explicada pelas confusões das ONGs com dinheiro público.
"As irregularidades são diversas, mas há indícios de entidades que transformaram dinheiro ilícito em ganho real. Usaram a entidade para lavar dinheiro", diz Romeu Tuma Júnior, secretário nacional de Justiça. Do lado das ONGs, há apreensão com as suspeitas generalizadas em relação às instituições. "Hoje, as ONGs estão no olho do furacão, porque há mais transparência e divulgação dos problemas", afirma Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, a Gife, que faz a capacitação de fundações e associações sem fins lucrativos. "As irregularidades não estão aumentando." Rossetti pede atenção da sociedade para ações como a da CPI, que "jogam um manto de corrupção" sobre o setor. "Em qualquer atividade, a maioria trabalha pela causa e a minoria por interesses ilegítimos", afirma. "Entre as ONGs não é diferente".
Há pouco mais de um mês, a PF e a Abin começaram a investigar a atuação das organizações estrangeiras na Região Amazônica. Entre as entidades estão a Cool Earth, do milionário sueco Johan Eliasch. A suspeita é que o empresário, dono da marca de produtos esportivos Head e casado com a brasileira Ana Paula Junqueira, tenha comprado terras na Amazônia por meio de uma entidade de fachada. Eliasch, que tem cidadania britânica e é consultor para assuntos ambientais do primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, nega a acusação e diz que atua na região por meio de sua ONG para preservar a floresta. Ele comprou 160.000 hectares nos municípios de Itacoatiara e Manicoré, no Amazonas, e tem estimulado outros empresários estrangeiros a fazer o mesmo, sob a bandeira preservacionista.
Mas pode haver outro lado. A Abin afirma que as terras que o milionário diz ter comprado não estão formalmente registradas nem em seu nome nem em nome da Cool Earth. Pior: a área seria pública. Parte dela pertenceria ao Parque Estadual do Cristalino, outra à Força Aérea Brasileira (FAB). Outro fato chamou a atenção nesse início de investigação: algumas áreas que Eliasch diz serem suas estão em regiões ricas em ouro e diamantes. Outra organização investigada pela Abin é a americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), suspeita de ter aproveitado o trabalho de evangelização de índios na Amazônia para fazer prospecção de minério e contrabando. ONGs que atuam na mesma região dizem não concordar com o método catequizador da MNTB, mas afirmam não ter conhecimento de irregularidades.
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), autor do pedido da CPI das ONGs, foi aprovado na terça-feira como novo presidente da comissão. Ele quer concentrar esforços em grupos menores de ONGs - no máximo dez - por Estado. "Estamos preocupados com o porcentual de dinheiro destinado às ONGs que vai para o ralo", diz ele. "Não se pode permitir que o Terceiro Setor seja desmoralizado por picaretas". Fortes é crítico das ONGs que dependem exclusivamente dos recursos do Estado - um número menor do que se imagina. Segundo a Universidade Johns Hopkins, apenas 14% das verbas das ONGs que atuam no Brasil vêm do governo. Rossetti, da Gife, confirma que a principal fonte financiadora das ONGs brasileiras é a iniciativa privada. "Nos Estados Unidos e países da Europa, a participação do Estado é bem maior", diz ele. Entre 1999 e 2006, o governo repassou a 4.789 ONGs, segundo seus próprios dados, um volume de R$ 15,3 bilhões - 2,1% do total de transferências federais. No mesmo período, os Estados receberam R$ 346 bilhões e aos municípios foram destinados R$ 351 bilhões.
Parte da análise de dados da CPI tem sido feita por funcionários da Controladoria-Geral da União. A CGU realiza no momento um grande levantamento com o objetivo de descobrir de que forma os recursos federais repassados às ONGs foram aplicados entre 1999 e 2006. O fato de que isso esteja sendo feito agora, com quase nove anos de atraso, demonstra o descontrole financeiro que marca a relação entre ONGs e governo. A previsão, segundo o ministro Jorge Hage, responsável pelo levantamento, é que os trabalhos da CGU só terminem em dezembro. Em outra instância, no Tribunal de Contas da União, o ministro Marcos Bemquerer Costa também coordenou um trabalho sobre a aplicação de recursos públicos pelas organizações não-governamentais. O foco foi um grupo de 28 entidades que, entre 1999 e 2005, recebeu R$ 150 milhões em repasses, por meio de dez diferentes convênios. Com base nos levantamentos feitos até agora, Costa estima que a metade dos convênios tenha algum tipo de irregularidade: "Em alguns casos, chama a atenção a falta de critério para escolher a entidade e exigir a prestação de contas". Em muitos casos, as organizações recebem grande quantidade de recursos, gastam mal e são extintas antes que o caso chegue à Justiça. "São entidades não-lucrativas, sem bens. Será muito difícil conseguir o reembolso. Por mais que os dirigentes dessas entidades sejam condenados pelo TCU, é difícil ver o dinheiro voltar para o governo", diz ele. Apesar do trabalho do Tribunal, Costa se diz pessimista quanto ao futuro: "Enquanto o Executivo não mudar a forma de repassar esses recursos às ONGs, picaretas continuarão a agir".
Uma das ONGs condenadas pelo TCU é a Urihi, que fez assistência de saúde dos índios ianomâmis - um caso que ilustra as complexidades da questão. A entidade assinou no passado três convênios com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O primeiro foi feito três meses depois de a Urihi ser criada e previa o repasse de R$ 8,8 milhões. "Na época, a Comissão Pró-Yanomami, que já fazia o trabalho na região, foi convidada a fazer uma parceria com a Funasa. A comissão preferiu se manter com os assuntos ligados à política indígena. Daí surgiu a Urihi, especificamente para atender à demanda de saúde dos índios e aplicar os recursos da Funasa", diz Cláudio Esteves, ex-presidente da Urihi. O atendimento passaria de 700 para 7.500 ianomâmis, que viviam uma gravíssima crise de saúde. Ao todo, entre 1999 e 2002 foram repassados pela Funasa à organização R$ 33,8 milhões.
O relatório do ministro Costa, do TCU, diz que a prestação de contas da organização "revela, no mínimo, negligência com o trato da coisa pública e absoluto descaso com as normas que condicionam a celebração de convênios". Esteves rebate. Diz que propôs à CPI das ONGs, quando foi convocado, a quebra do seu sigilo bancário e do de sua mulher, vice-presidente da Urihi. A CPI recusou, e ele nem sequer foi chamado a depor. "O TCU questiona ao todo cerca de R$ 50 mil. Diz que houve superfaturamento, e não se interessa em saber em que condições optamos por uma geladeira para vacinas ou por um módulo de energia solar mais caros", afirma. "Quem está no interior do país fazendo esse tipo de trabalho é que tem como avaliar as reais necessidades. Infelizmente, não tenho esperança de limpar meu nome".

Segundo a lista do TCU, outra entidade que usou os recursos da Funasa e se deu mal na hora de comprovar sua aplicação foi a Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas (Cunpir). Apesar de se definir como "cultural", a organização fez convênios com a Funasa no valor de R$ 11,39 milhões para prestar assistência médica aos índios. Foram tantas as trapalhadas com os recursos da Fundação que seu então presidente, Valdi Camarcio Bezerra, perdeu o cargo - e não foi ele o único presidente a ser questionado. Em junho, a procuradora Raquel Branquinho, do Ministério Público Federal do Distrito Federal, ajuizou ação civil pública contra outro ex-presidente da Funasa, Paulo de Tarso Lustosa, e o ex-coordenador de logística Paulo Roberto de Albuquerque Garcia Coelho, acusados de improbidade administrativa à frente do órgão. Segundo a procuradora, houve "conluio para desvio de verba, contratação irregular e nepotismo". As regras para o repasse de recursos da Funasa mudaram depois dos escândalos. O dinheiro não é mais repassado em uma única parcela. As ONGs só recebem à medida que prestam contas e recebem pareceres que comprovam a veracidade das informações. A Funasa também passou a fazer auditorias com o objetivo de constatar possíveis irregularidades.
A lista de ONGs que meteram os pés pelas mãos na hora de usar o dinheiro do governo e prestar contas não se concentra apenas neste ou naquele ministério. No Ministério da Educação (MEC), o problema foi tratado com radicalismo. Depois de descobertas irregularidades na aplicação dos recursos do programa Brasil Alfabetizado, a pasta simplesmente deixou de fazer o repasse do dinheiro para ONGs. Hoje, só Estados e municípios recebem a verba do programa. "Quando descobrimos as irregularidades, foi preciso reavaliar o papel das ONGs", afirma André Lázaro, secretário de Educação Continuada do MEC. "Uma política de massa como essa não pode ser feita por essas organizações. É papel do poder público".
A Fundação Renascer, dirigida pelos bispos Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, foi uma das entidades que caíram na malha fina do Ministério Público e da Controladoria-Geral. A igreja foi intimada a devolver R$ 1,9 milhão repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Segundo as investigações, a Renascer não comprovou que de fato usou o dinheiro para educar jovens e adultos dentro do programa Brasil Alfabetizado. A fundação afirma que alfabetizou 15 mil jovens e, por meio do advogado Roberto Ribeiro Júnior, diz que ainda não foi citada a prestar esclarecimentos na Justiça. Bem conhecida, a ONG Alfabetização Solidária (Alfasol) foi uma das entidades auditadas pela CGU quando começaram a surgir denúncias de mau uso do dinheiro do programa Brasil Alfabetizado. Prestou contas e segue com o programa. "Quando se tem uma relação formal com recursos públicos, não basta o voluntarismo e o amor à causa", diz Regina Esteves, que comanda a Alfasol. "É preciso estrutura para executar o que a burocracia exige, para recursos públicos ou privados".
Para Moacir Gadotti, pesquisador da Universidade de São Paulo e coordenador do Instituto Paulo Freire, voltado à educação popular, o principal problema das ONGs hoje é a falta de um marco legal que as regule do modo eficaz. "Segundo o IBGE, em 2005 existiam 338 mil ONGs. Apesar dessa presença importante das ONGs, no Brasil a expressão 'organização não-governamental' nem existe em nossas leis", diz ele. "É fácil constituir uma ONG, mas é difícil administrá-la sem parâmetros legais claros".
Para evitar desvios e confusões, o senador Arruda, relator da CPI das ONGs, propõe justamente que as organizações passem a trabalhar dentro de um marco regulatório definido. O projeto foi encaminhado à CPI e depende de aprovação para ser votado no Senado. "Ninguém pode pegar recurso público de uma hora para outra", diz o político. "Esses convênios deveriam ser estabelecidos por meio de editais. As contas deveriam ser públicas, para que a população possa fiscalizar. As denúncias atuais contaminam um número grande de ONGs e todas pagam o preço."
Dentro dessa idéia de vigilância pública, a CGU criou uma ferramenta em seu site para receber denúncias contra organizações não-governamentais. Mas o ministro Hage quer ir além. A partir de 1o de setembro, entra em vigor uma norma que exige que os órgãos públicos explicitem que tipo de serviço desejam contratar. As regras novas vão dificultar a vida de políticos ou funcionários públicos que queiram dirigir recursos em benefício próprio. Será proibido o convênio entre parentes, por exemplo. Há casos em que parlamentares apresentam projetos e conseguem destinar recursos a ONGs nas quais têm participação indireta. "É um jeito de alimentarem seus currais eleitorais e se garantirem no poder", diz o ministro.
No Rio Grande do Norte, a Controladoria descobriu que uma fundação obteve R$ 2 milhões em convênios com o Ministério da Saúde para a compra de medicamentos e não comprou sequer uma aspirina. A Fundação Aproniano Sá diz que presta atendimento a famílias carentes com profissionais da área de saúde, mas a entidade não tem nenhum documento que comprove a distribuição de medicamentos ou de materiais hospitalares que deveriam ter sido comprados com os R$ 2 milhões da Saúde. A fundação pertence à família do ex-deputado Múcio Sá. A presidente é Aldanisa Ramalho Pereira de Sá, mulher do político, uma das convocadas a depor na CPI das ONGs. Segundo a Controladoria, houve a participação de Sá em várias emendas dos convênios que estão sendo fiscalizados. Esse tipo de comportamento predatório é real e deve ser combatido. Felizmente, ele não retrata a totalidade do universo das ONGs e é exatamente o contrário do que fazem os grandes empreendedores sociais brasileiros, retratados na próxima reportagem.

Contratos suspeitos
Problemas mais freqüentes dos contratos de ONGs com o governo federal
>> Critérios falhos de escolha da ONG

>> Direcionamento da licitação

>> Falta de demonstração de capacidade técnica

>> Subcontratação de serviços para a realização do contrato

>> Contratação de empresas-fantasmas

>> Ausência de nota fiscal na comprovação de despesas

>> Notas fiscais falsas

>> Superfaturamento

>> Ausência total do produto ou serviço pelo qual se pagou
Fonte: Controladoria-Geral da União

"Nem todo negócio traz benefício social"
Quem vende um tênis por US$ 100 não está melhorando o mundo, diz o especialista canadense

Entrevista - David Bornstein

JOSÉ FUCS

Ele é um dos gurus preferidos dos "ongueiros" no Brasil e no exterior. Autor de vários livros sobre empreendedorismo social, entre eles Como Mudar o Mundo, considerado uma espécie de bíblia no setor, o jornalista e escritor canadense David Bornstein afirma que o fato de uma empresa gerar empregos e pagar impostos não significa que ela cumpra uma função social. "Por essa ótica, poderíamos dizer que qualquer negócio é empreendedorismo social, mas nem todos trazem benefícios para a sociedade", afirma Bornstein. "Se levarmos em conta a questão da obesidade e de saúde pública, o setor de fast-food, apesar de ser lucrativo, deve custar mais em tratamentos de saúde que o valor que produz para a sociedade."

ÉPOCA - Qual é a diferença entre um empreendedor social e um empreendedor de negócios?

David Bornstein - A diferença está na motivação de cada um. Em geral, o empreendedor de negócios deseja maximizar o lucro, sem necessariamente melhorar a sociedade. No caso dos empreendedores sociais, é diferente. A principal preocupação é resolver problemas sociais. Um empreendedor social pode criar uma organização para dar educação a crianças de rua ou melhorar a qualidade de vida dos deficientes. Seu foco é melhorar a vida das pessoas - não o lucro.

ÉPOCA - Faz sentido falar em empreendedor social? O empreendedor não é uma figura típica do mundo dos negócios?

Bornstein - Embora tenham objetivos diferentes, os empreendedores sociais e de negócios são parecidos. Têm o mesmo tipo de personalidade e fazem as mesmas perguntas. Ambos são criativos, inovadores, com uma forte motivação para resolver problemas de todos os tipos. Eles abraçam a mudança e conseguem unir as pessoas com o objetivo de melhorar o statu quo.

ÉPOCA - Um empreendedor de negócios não promove mudanças sociais também?

Bornstein - Sim. Mesmo um negócio convencional pode ajudar a melhorar a sociedade. Uma empresa que vende grades de proteção para crianças pode estar focada no lucro, mas traz benefícios para a sociedade. Agora, não dá para dizer que um negócio que vende um par de tênis por US$ 100 esteja melhorando o mundo. É claro que as pessoas querem bons tênis para correr, mas não é algo tão necessário assim.

ÉPOCA - Se eu abrir um bar, criar empregos e pagar impostos, não vou contribuir também para melhorar a vida das pessoas?

Bornstein - Toda atividade econômica gera emprego para alguém. Por essa ótica, poderíamos dizer que qualquer negócio é empreendedorismo social. Mas é preciso distinguir as duas coisas. Em primeiro lugar, nem todo negócio traz benefícios para a sociedade. Talvez muita gente acredite que um bar faça mal às pessoas, por vender bebida alcoólica. Veja o que acontece na área de fast-food nos EUA. Se considerarmos a questão da obesidade e de saúde pública, o setor de fast-food, apesar de ser lucrativo, deve custar mais em tratamentos de saúde que o valor que produz para a sociedade. Mas, em geral, acho que a maioria dos negócios contribui positivamente para o mundo.

ÉPOCA - Por que os empreendedores sociais parecem ter preconceito contra os empreendedores de negócios?

Bornstein - Muitos empreendedores sociais estão cansados de ver os empreendedores convencionais se acharem tão bons porque ganham muito dinheiro. Os empreendedores sociais acham que fazem algo mais complexo que quem atua no mundo dos negócios. Acreditam que, num empreendimento social, é mais difícil ter lucro, porque você tem de lidar com uma base de clientes com menos renda e menos acesso aos canais de distribuição. Às vezes, você mesmo tem de construir o mercado, porque ele ainda não existe. E, no Brasil, por causa da história, a percepção é que o setor de negócios é pouco preocupado com os interesses dos mais pobres. O fato de o Brasil ter tanta riqueza nas mãos de um número pequeno de pessoas faz com que muita gente ligada ao setor social sinta certa frustração, talvez algum tipo de ressentimento em relação à comunidade de negócios.

Quem é
Jornalista e escritor canadense especializado em empreendedorismo social. Tem 45 anos e vive em Nova York com a mulher e o filho

O que publicou
É autor dos livros Como Mudar o Mundo (Editora Record), O Preço de um Sonho - A História do Grameen Bank e O Surgimento do Empreendedorismo Social, os dois últimos sem tradução no Brasil

A nova face da filantropia
Como um grupo de empreendedores está mudando o rosto do Terceiro Setor com a adoção de soluções inovadoras em seus projetos e em suas ferramentas de gestão

JOSÉ FUCS

Os olhos do carioca Rodrigo Baggio brilham quando ele fala de sua obra. Aos 39 anos, Baggio é o fundador do Comitê para Democratização da Informática (CDI), a primeira organização não-governamental (ONG) brasileira a oferecer treinamento em computação a comunidades de baixa renda. Em velocidade acelerada, ele enumera suas conquistas, uma a uma, durante um jantar realizado a convite de ÉPOCA, em meados de maio, numa churrascaria de São Paulo. Entre uma fatia de picanha, um pedaço de contrafilé argentino e um gole de Julio Bouchon Cabernet Sauvignon Reserva 2004, um vinho chileno de R$ 70 que ele mesmo escolheu, Baggio quase não abre espaço para o diálogo. Em alguns momentos, chega a ser enfadonho ouvir seu discurso de auto-exaltação. Mas Baggio tem bons motivos para se vangloriar de seus feitos. Ele conseguiu crescer e prosperar como poucos no setor social. Fez do CDI uma das ONGs mais bem-sucedidas do país. Do nada, Baggio construiu uma verdadeira multinacional brasileira do setor social, hoje presente em mais sete países da América Latina e com bases de apoio nos Estados Unidos e na Inglaterra. Seu plano agora é entrar na África, para ensinar computação em lugares em que, muitas vezes, a população não tem sequer o que comer. "É preciso acreditar no sonho, lutar para transformá-lo em realidade", diz Baggio.
Com orçamento de quase R$ 5 milhões em 2008, fruto de doações feitas por dez empresas, como Microsoft e Vale, o CDI pode ser considerado um empreendimento de médio porte para os padrões brasileiros. Desde sua fundação, em 1995, o CDI já treinou, segundo Baggio, cerca de 1 milhão de pessoas em favelas e na periferia das grandes cidades para usar os principais programas de computador e a internet. Para atingir essa marca, Baggio ergueu uma rede de ensino composta de 753 centros de treinamento, batizados Escolas de Informática e Cidadania (EICs) - 554 no Brasil, espalhados por 21 Estados, e 199 no exterior. As unidades funcionam como uma espécie de franquia social, sem fins lucrativos, com relativa autonomia de gestão. Têm até receita própria, gerada pela cobrança de mensalidades de R$ 10, em média, por aluno. A maior parte dessa receita é aplicada no pagamento dos 1.464 professores da rede. Os cursos têm duração de 60 horas-aula, em média, e adotam uma pedagogia inspirada na teoria do educador Paulo Freire, voltada para a "conscientização" dos alunos sobre sua condição social e a realidade em que vivem. "A missão do CDI é investir na capacitação das comunidades, principalmente dos jovens, para diminuir o nível de exclusão a que eles estão submetidos", afirma Baggio.
Apesar de contar com o apoio de 1.069 voluntários, a administração central é feita por trabalhadores assalariados, entre eles alguns profissionais que deixaram carreiras de sucesso no setor privado para se unir à ONG de Baggio (leia a reportagem sobre carreira em ONGs). Ao todo, são 150 funcionários administrativos com registro em carteira. Só o pagamento da folha de pagamentos consome R$ 160 mil por mês, incluindo o pró-labore do próprio Baggio, que recebe R$ 13 mil como diretor-executivo do CDI. "Acredito que, se atuasse no mundo dos negócios, poderia ganhar muito mais", diz. "Mas certamente não estaria tão feliz e realizado quanto estou hoje."
Por seu trabalho à frente da ONG, Baggio tornou-se um dos brasileiros mais premiados em todos os tempos no exterior. Ele conta que, até agora, foram cerca de 45 prêmios, entre eles os recebidos de duas das mais importantes instituições internacionais de financiamento a empreendimentos sociais - a Skoll Foundation, criada pelo americano Jeffrey Skoll, fundador do site de leilões e-Bay, e a Fundação Schwab, criada pelo suíço Klaus Schwab, o fundador do Fórum Econômico Mundial, entidade que realiza todos os anos o mais badalado encontro de empresários, financistas e autoridades econômicas do planeta, em Davos, na Suíça. (Desde 2001, Baggio participou em todos os anos do encontro como convidado dos organizadores para dar palestras e participar de mesas de discussão.)
Nos últimos anos, Baggio também ganhou uma tremenda visibilidade na mídia internacional. Em 2000, foi eleito um dos 50 principais líderes do novo milênio na América Latina pela revista Time. No ano passado, foi escolhido pela rede de TV CNN como uma das dez maiores personalidades do projeto Principal Voices, que premia as iniciativas de destaque na área social em todo o mundo. Dos dez nomes eleitos pela CNN em 2007, só três foram selecionados para estrelar filmes de um minuto e meio sobre seus respectivos trabalhos - Jeffrey Sachs (um dos mais influentes economistas americanos e coordenador do programa Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da ONU), Muhammad Yunus (ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006 e fundador do Grammeen Bank, de Bangladesh, que oferece microcrédito a milhões de pessoas de baixa renda) e... Baggio!
Eles são uma mistura de Richard Branson, do grupo
Virgin, com Madre Teresa
No livro publicado em 2005 para marcar os dez anos do CDI, patrocinado pela Microsoft, a apresentação foi assinada pelo próprio Bill Gates, fundador da empresa e hoje dedicado principalmente à filantropia. Sua fundação, a Bill & Melinda Gates, a maior do mundo, tem US$ 38,7 bilhões em caixa para patrocinar empreendedores como Baggio pelo mundo afora. "O trabalho do CDI é extremamente importante", escreveu Gates. "Ficamos orgulhosos em ser parceiros do CDI."
Para muita gente, o caso de Baggio pode parecer uma exceção no mundo das ONGs. Nos últimos tempos, só se escuta falar de ONG no Brasil quando o assunto é fraude (leia a reportagem). Apesar das denúncias recentes de uso inadequado de ONGs para fins políticos, iniciativas como a de Baggio se multiplicam no Brasil e no mundo. Milhares de empreendedores como ele estão adotando soluções criativas e inovadoras para atacar problemas sociais e ambientais - e alcançam resultados surpreendentes com suas iniciativas. Eles fazem parte de uma nova linhagem de empreendedores: são os empreendedores sociais, aqueles que usam sua energia para promover o bem-estar comum.
De acordo com a Fundação Schwab, eles são uma mistura de Richard Branson, o inquieto empreendedor inglês que fundou o grupo Virgin, com Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), a missionária nascida na Macedônia conhecida pelo trabalho social que realizou na Índia. "O que move os empreendedores sociais é que eles não estão felizes com o statu quo", diz a americana Martha Piper, diretora do New Profit, um fundo americano que investe o dinheiro do público em empreendimentos sociais e procura ajudar seus líderes a ganhar eficiência na gestão e a ampliar o impacto de suas iniciativas. "Eles olham para um problema social e dizem: 'Como nós podemos resolver isso?'."
Na década de 60, os idealistas foram para as ruas e flertaram com políticos de esquerda tradicionais. Agora, acreditam que podem mudar, eles mesmos, o mundo. Trabalham para diminuir a fome, curar doenças, reformar a educação, preservar o meio ambiente, apoiar artistas populares ou promover a inclusão digital. E têm um discurso próprio, permeado de palavras como "cidadania", "conscientização", "solidariedade" e expressões como "sociedade civil organizada". Recentemente, o ator Wellington Nogueira, criador da ONG Doutores da Alegria, uma trupe de palhaços que se dedica a divertir crianças internadas em hospitais, ironizou em público o jargão da área. Foi em maio, durante a cerimônia anual de premiação de empreendedores sociais do país pela Ashoka, uma das principais instituições internacionais de apoio na área, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Com bases em 63 países e presente no Brasil há 22 anos, a Ashoka já apoiou cerca de 300 empreendedores no país, entre eles o próprio Baggio, com uma bolsa média de R$ 1.500 por mês. "Gostaria de dizer que fiquei superfeliz hoje", disse Nogueira, no encerramento do evento. "Observei que, nos discursos feitos hoje aqui, ninguém usou a palavra 'sustentabilidade'." A platéia, formada principalmente por "ongueiros", caiu na gargalhada.
Segundo o americano Lester Salamon, da Universidade Johns Hopkins, dos Estados s Unidos, um dos principais pesquisadores do Terceiro Setor em todo o mundo, os empreendedores sociais e suas ONGs se tornaram uma força global, sobretudo a partir dos anos 90. Salamon diz que, com o fim do comunismo e a queda do império soviético, em 1991, as ONGs passaram a defender as causas do cidadão comum e a atuar como seus porta-vozes. Em sua visão, a crise do Estado do bem-estar social na Europa e nos Estados Unidos, com a ascensão do neoliberalismo, nos governos de Ronald Reagan (EUA) e de Margareth Thatcher (Inglaterra), também estimulou a mudança, na década de 1980. Salamon afirma que houve um outro estímulo importante para a multiplicação das ONGs: a descrença crescente no poder do Estado para promover o desenvolvimento econômico por meio de políticas voltadas para o mercado.

Os empreendedores sociais discordam das idéias do economista Milton Friedman, da Universidade de Chicago, nos EUA, ícone do liberalismo, que morreu em 2006. Para Friedman, a principal função social de uma empresa é dar lucro. Só assim ela pode crescer, gerar mais empregos, pagar mais impostos e alavancar o aumento da renda. Na visão dos empreendedores sociais, isso é pouco. As empresas não apenas precisam adotar práticas sociais e ambientais responsáveis, como também apoiar ações de impacto na sociedade. "Você pode montar um restaurante que use produtos produzidos localmente, desenvolva novos fornecedores e afete muito menos o meio ambiente, em vez de montar um restaurante convencional", diz o escritor e jornalista canadense David Bornstein, autor do best-seller Como Mudar o Mundo (Editora Record) e um dos gurus preferidos do empreendedorismo social (leia a entrevista)
Apesar das restrições que os empreendedores sociais têm em relação ao universo dos empreendedores de negócios, ambos têm características em comum, como o apetite pelo risco e a busca pela inovação. É uma ironia que o espírito empreendedor, fundamental para o sucesso do capitalismo, seja valorizado agora também na área social. A grande diferença é que, em vez de atender a uma necessidade do mercado, os empreendedores sociais procuram resolver os problemas sociais e ambientais.
"O trabalho dos empreendedores sociais é ver onde a sociedade está estacionada e encontrar uma nova forma de resolver o problema. Eles não querem dar um peixe para as pessoas ou mesmo ensiná-las a pescar. Querem mudar a indústria da pesca", diz Bill Drayton, fundador da Ashoka, considerado o "pai" do conceito de "empreendedor social". "Eles trazem para os problemas sociais a mesma imaginação que os empreendedores usam para criar riqueza no mundo dos negócios", afirma Tony Blair, ex-primeiro-ministro da Inglaterra. Blair é cultuado no setor por ter defendido uma "terceira via" entre o capitalismo e o socialismo para promover o desenvolvimento econômico, nos tempos em que estava no poder.
O caso de Rodrigo Baggio ilustra à perfeição essa dupla personalidade do empreendedor social. Embora trabalhe na área social, ele parece mais um homem de negócios. Como é ele quem cuida da captação de recursos para o CDI, usa terno e gravata com freqüência e circula entre empresários e executivos. Sua história é similar à de dezenas de homens de negócios que criaram empresas do nada. Divorciado, com um filho de 9 anos, chamado Filipe, Baggio cresceu numa família de classe média do Rio de Janeiro. Seu pai era um importante executivo da IBM, a multinacional de tecnologia. Isso lhe garantiu um acesso precoce ao mundo dos computadores, numa época em que eles ainda não haviam se incorporado ao dia-a-dia das empresas e das pessoas. De acordo com Baggio, foi no Colégio Bennett, da Igreja Metodista, um dos mais tradicionais do Rio, fundado em 1888, que ele despertou sua "consciência social". O colégio estimulava, segundo Baggio, a convivência entre alunos e gente de outras classes sociais.
Em 1986, como uma conseqüência natural de seu "despertar social" no Bennett, ele entrou na faculdade de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Não terminou o curso. Preferiu trabalhar na área de informática, sua antiga paixão. Trabalhou na Accenture, uma das principais empresas internacionais de consultoria empresarial, e na IBM. Logo Baggio também decidiu abandonar a vida de assalariado. Desta vez, para dar vazão à veia empreendedora. Em 1990, montou o próprio negócio na área de programação de computadores. O empreendimento ia bem, mas, de repente, Baggio diz que teve um sonho que mudou sua vida. No sonho, crianças pobres usavam computadores para discutir a própria realidade e solucionar seus problemas por meio da tecnologia. Nascia assim o CDI.
Ele conta que, no início, tinha apenas uma mesa, um computador e um telefone, no canto de uma sala cedida pelo Centro de Apoio a Movimentos Populares (Campo), em Botafogo, na zona sul do Rio. Na época, muitos o chamaram de "sonhador". Outros disseram que sua idéia "era bonita, mas não enchia barriga". Baggio, porém, estava determinado a levar seu projeto adiante - e o tempo provou que ele estava certo. Desde 1999, ele se dedica em tempo integral ao CDI. Diz que vive com relativo conforto com o pró-labore que recebe como diretor-executivo da entidade. "Nunca poderia ter imaginado, nem em meus maiores sonhos, que isso iria acontecer comigo", afirma.
No Brasil, há diversos exemplos inspiradores de empreendedores sociais como Baggio. A psicóloga Raquel Barros, da ONG Lua Nova, de Sorocaba, no interior de São Paulo, montou um empreendimento para mães solteiras adolescentes sem renda própria que fez sucesso (leia os quadros que acompanham as fotografias dos empreendedores sociais). Além de lhes garantir abrigo, a Lua Nova oferece alimentação e assistência médica, psicológica e educacional. Raquel criou também um programa de geração de renda por meio da fabricação de bonecas, roupas e outros produtos para as residentes. "Depois de um ano, percebi que cairia numa armadilha se trabalhasse apenas o aspecto psicológico das meninas", diz Raquel. "Vi que, quando saíssem dali, elas não teriam como pagar suas contas."
O caso do empreendedor Dener Giovanini, fundador da ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), com sede em Brasília, é semelhante. Ele também vem alcançando resultados surpreendentes numa área em que o banditismo costuma atuar com truculência. "Fui ameaçado de morte várias vezes", diz Giovanini. Seu trabalho de combate ao tráfico de animais silvestres, que hoje movimenta US$ 2 bilhões por ano no Brasil e US$ 20 bilhões no mundo, virou um caso de estudo na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Em 2003, ele recebeu das mãos de Kofi Annan, então secretário-geral da ONU, um cheque de US$ 100 mil, como ganhador do prêmio Unep-Sasakawa, um dos mais importantes do mundo na área ambiental. Antes dele, o único brasileiro a receber esse prêmio fora o seringueiro Chico Mendes, premiado postumamente, em 1990, dois anos depois de seu assassinato, em Xapuri, no Acre. Giovanini foi eleito também pela revista Newsweek um dos cem mais importantes empreendedores sociais do mundo. O jornal francês Le Monde o escolheu como um dos cem mais influentes ambientalistas no planeta. Neste mês, Giovanini abrirá em Brasília uma loja, batizada Planeta Renctas, para vender produtos ambientalmente certificados. A previsão de faturamento anual é de R$ 800 mil, e todo o lucro será aplicado em projetos ambientais. Depois, a idéia é multiplicar a loja pelo país por meio do sistema de franquia.
Em Belo Horizonte, a catadora de lixo Maria das Graças Marçal, mais conhecida como Dona Geralda, viu uma oportunidade onde só se via sujeira. Em 1990, ela criou a Asmare, sigla para Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável. A Asmare virou referência nacional e internacional na área. O projeto reúne 257 catadores da capital mineira e já foi replicado em 33 cidades do país. Em 1999, o trabalho de Dona Geralda foi premiado pela ONU como uma das mais inovadoras iniciativas de inclusão social na área de meio ambiente. Ao receber o prêmio em Nova York, ela se tornou a primeira catadora de lixo a discursar na ONU. "Fiquei impressionada em ver quanta coisa os americanos jogam no lixo", afirma. "Se eu pudesse, tinha trazido tudo para o Brasil para reciclar."
Em Curitiba, o administrador de empresas Rodrigo Brito, que fundou a Aliança Empreendedora em 2002, empenha-se em promover a transformação social por meio da criação de novos negócios. Ele aproveita sua experiência na empresa de consultoria júnior da Universidade Federal do Paraná, com cinco colegas dos tempos da faculdade, para estimular o empreendedorismo e gerar renda em comunidades carentes. Recentemente, abriu uma loja no Shopping Novo Batel, um dos mais tradicionais da capital paranaense, para ajudar os microempreendedores a vender seus produtos. Seu próximo passo é criar uma loja virtual na internet, em fase final de implantação. "Tem gente que não quer ser empreendedor para não perder o Bolsa-Família", diz Brito. "Mas eles precisam se dar conta de que têm de criar a própria porta de saída do programa."
O trabalho realizado por empreendedores sociais como Brito, Dona Geralda, Giovanini, Raquel e Baggio está mudando a face do setor social e trazendo um novo dinamismo para o mundo da filantropia. Em vez de se concentrar na ação assistencialista de um número limitado de entidades beneficentes, as fundações, institutos e empresas que financiam ações filantrópicas estão apoiando milhões de pequenas ONGs que desenvolvem projetos inovadores pelo mundo. Como se fossem uma espécie de investidores de risco, eles estão privilegiando o financiamento aos empreendedores sociais, para que ONGs como Aliança Empreendedora, Asmare, Renctas, Lua Nova ou o CDI façam o serviço. Nos Estados Unidos, a Fundação Rockefeller, uma das principais instituições de apoio a ações sociais e ambientais do mundo, até ajuda os empreendedores sociais a fazer a captação inicial e a identificar possíveis investidores para seus projetos. Agora, os grandes financiadores não querem ser mais apenas doadores de dinheiro para as ONGs. Querem acompanhar de perto os resultados e ajudar a aumentar o impacto social dos empreendimentos. De acordo com Drayton, da Ashoka, o setor privado desenvolveu uma cultura empreendedora e competitiva que permite ganhos de produtividade, enquanto o setor social ficou para trás. Hoje, ele tenta recuperar o terreno perdido. "A filantropia é uma daquelas palavras que vamos parar de usar em dez ou 15 anos", diz. "As fronteiras entre o setor privado e o setor social estão entrando em colapso." Sinal disso é o crescente número de profissionais que se interessam pelas oportunidades abertas pelo Terceiro Setor, tema da próxima reportagem.

Rodrigo Baggio, 39 anos
ONG
Comitê para Democratização da Informática (CDI) (1995), do Rio de Janeiro

Atividade
Treinamento em computação e internet para população de baixa renda e públicos específicos, como portadores de deficiência e presos

Beneficiados diretos
600 mil
Área de atuação
Brasil (21 estados) e exterior (sete países)
Funcionários
150

Recursos de terceiros
R$ 5 milhões (2008)

Receita própria
R$ 700 mil (2007)

Folha de pagamentos
R$ 160 mil/ mês

Pró-labore*
R$ 13 mil

Principais prêmios
Ashoka, Schwab, Avina, Fórum Econômico Mundial

*Mensal

Raquel Barros, 40 anos
ONG
Lua Nova (1999), de Sorocaba (SP)

Atividade
Abrigo e apoio médico, psicológico e educacional a jovens mães solteiras e seus filhos, além de programas de geração de renda para as residentes

Beneficiados diretos
500

Funcionários
25

Recursos de terceiros
R$ 1,8 milhão

Receita própria
R$ 60 mil

Folha de pagamentos*
R$ 30 mil

Pró-labore*
R$ 4.500**

Principais prêmios
Fundação Ashoka
Mensal *
*Possui renda complementar com a realização de palestras sobre a ONG

Dener Giovanini, 40 anos
ONG
Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) (1999), de Brasília

Atividade
Combate ao tráfico de animais silvestres

Beneficiados diretos
Animas silvestres

Funcionários
9

Recursos de terceiros
R$ 2 milhões

Receita própria
R$ 800 mil

Folha de pagamentos*
R$ 25 mil

Pró-labore
Não recebe*

Principais prêmios
Ashoka, Avina, Schwab, Unep-Sasakawa (2003)
*Vive de palestras (cotadas a R$ 10 mil cada uma) e da renda de uma produtora de vídeo

Maria das Graças Marçal (Dona Geralda), 58 anos
ONG
Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare) (1990), de Belo Horizonte

Atividade
Cooperativas de catadores, venda de materiais para reciclagem e apoio educacional para os filhos dos associados

Beneficiados diretos
286

Funcionários
31

Recursos de terceiros
R$ 760 mil

Receita própria
R$ 1,5 milhão

Folha de pagamentos*
R$ 18 mil

Pró-labore*
R$ 650**

Principais prêmios
Fundação Ford (1997), Unesco (1999)
*Mensal
**Tem renda complementar com a realização de palestras sobre a ONG

Rodrigo Brito, 26 anos
ONG
Aliança Empreendedora (2002), de Curitiba

Atividade
Apoio a microempreendedores, incubadora de empreendimentos comunitários e rede de
distribuição de produtos

Fundação
2002

Beneficiados diretos
2 mil

Funcionários
24

Recursos de terceiros
R$ 1 milhão

Receita própria
R$ 250 mil

Folha de pagamentos*
R$ 20 mil

Pró-labore*
R$ 3.400**

Principais prêmios
Seis
*Mensal
**Bolsa da Ashoka

Carreira de ongueiro

O Terceiro Setor surge como nova opção profissional. O salário é menor que nas empresas, mas a vida é melhor - e a causa compensa

DENISE RAMIRO

Até os anos 90, os caminhos da carreira profissional desembocavam naturalmente no funcionalismo público ou na iniciativa privada. Nessa época, pouco mais de dez anos atrás, surgiu um novo grupo de empregadores, instituições criadas pela iniciativa de cidadãos (ou empresas) que resolveram atuar no combate às mazelas que afligem o país. Inicialmente, essas instituições, as Organizações Não-Governamentais, contavam apenas com a disposição de voluntários. Aos poucos, percebeu-se que só com boas intenções o trabalho não avançaria. Era preciso profissionalizar a gestão. Pessoas capacitadas passaram a gerenciar as ONGs com as ferramentas da iniciativa privada: tabela salarial, modelo de recrutamento, plano de benefícios e avaliação de desempenho.
Hoje, o chamado Terceiro Setor não só cresceu acima de qualquer expectativa - reúne 338 mil instituições -, como conta com uma força de trabalho estimada em 1,8 milhão de pessoas, com salário médio de R$ 1.577. É uma massa total de salários de cerca de R$ 322 bilhões por ano. Com 29% dos funcionários do setor, as organizações voltadas para educação e pesquisa são os maiores empregadores. Em seguida vem a área de saúde (22,8%) e assistência social (14,7%). O maior salário médio - R$ 2.490 - também está nas ONGs de saúde, seguidas das de meio ambiente e proteção animal (R$ 2.158). "A remuneração nas ONGs é menor, mas é compensada pelos valores", diz o professor Mario Aquino, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Fernando Rossetti, secretário-geral da Gife, grupo que faz a capacitação de fundações e associações sem fins lucrativos, acredita que vão se abrir ainda mais oportunidades de emprego. "Os profissionais mais requisitados são os que têm um repertório variado", afirma. "Sociólogos, antropólogos, psicólogos e administradores com experiência em liderança são muito bem-vindos." Conheça a seguir a história de quatro profissionais do Terceiro Setor:

Marcus Góes
31 anos, psicólogo e coordenador do Instituto Sou da Paz
Foi na faculdade de Psicologia que Marcus Góes teve contato com o universo que definiria os rumos de sua vida profissional. Envolveu-se tanto com o sistema carcerário na época do estágio que acabou fundando uma ONG, a União de Vila Nova, em São Miguel Paulista, na periferia de São Paulo, com um ex-presidiário. A associação oferecia cursos de artesanato, capoeira e teatro à comunidade local. Em 2002, Marcus deixou a Vila Nova nas mãos do amigo e migrou para o Instituto Sou da Paz, como contratado. Lá, coordenou um projeto de revitalização de praças, envolvendo as comunidades locais. Após quatro anos, foi promovido a coordenador de área para supervisionar os projetos ligados à juventude. Além da ONG, Marcus é psicólogo clínico. Os planos para o futuro? Dar consultoria a ONGs na área de planejamento e avaliação. "Quero conhecer e ajudar a fortalecer as instituições sociais que estão aí", diz ele.

Cláudio Neszlinger
47 anos, do Comitê para Democratização da Informática
Depois de 20 anos na Unilever e na Microsoft, o administrador de empresas Cláudio Neszlinger decidiu mudar para o Terceiro Setor. Foi uma espécie de conseqüência. Na Unilever envolveu-se com comunidades carentes apoiadas pela empresa. Na Microsoft, criou uma rede de voluntários para ensinar informática aos funcionários terceirizados e seus familiares. Deixou a companhia em 2007, quando percebeu que já tinha tudo de que necessitava: um apartamento em São Paulo, uma casa de campo, um carro e uma moto. "O que mais eu preciso?", pergunta. Acabou chegando ao Comitê para Democratização da Informática (CDI), onde começou como voluntário e agora exerce a função de coordenador-regional. Seu salário é um quarto do que recebia na Microsoft, mas ele garante que é suficiente. Complementa a renda dando palestras sobre responsabilidade social e fazendo consultorias de RH. "Sempre fui um cara de custo fixo baixo. Jamais teria um carro que faz 5 quilômetros por litro", afirma.

Renato Bock
32 anos, funcionário do Ministério do Desenvolvimento Social
Antes de migrar para a área social, o economista paulistano Renato Bock trabalhou sete anos no BankBoston, mas o mercado financeiro não o deixava feliz. "O trabalho no banco era contraditório com os meus interesses pessoais", diz ele. Resolveu o dilema abandonando o terno e a gravata. Depois de um período sem trabalho, foi contratado pela Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais (Abong), ganhando a metade do que recebia no banco. Dali, foi para o Instituto Paulo Freire, voltado para a educação popular, onde assumiu a coordenação de um projeto de moradia no interior de Sergipe. "Foi emocionante. Melhorou a vida de muita gente", diz ele. Enquanto isso, seus ex-colegas no banco ganham dinheiro. "Outro dia um deles apareceu de Audi", diz. Bock agora vive em Brasília. Há um ano saiu do Instituto Paulo Freire e foi trabalhar no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dando assistência a comunidades tradicionais - quilombolas e indígenas, entre outros. Faz no governo o que antes fazia na ONG, terceirizado. "Ganhar bem traz conforto, mas a satisfação de unir trabalho com uma causa social não tem preço", diz o economista.
Miriam Ferrari
38 anos, gerente da Associação Prato Cheio
Miriam Ferrari costuma dizer que aprendeu a captar recursos desde menina. O avô árabe tinha um armazém no interior de São Paulo e colocava todos os dias um pacote com frutas na frente do estabelecimento para que os pedintes não precisassem pedir comida. Do lado paterno, o pai, de família italiana, arrecadava cestas básicas para um asilo. Miriam participava das duas atividades. Hoje, como gerente da Associação Prato Cheio, vai atrás de doação de frutas, verduras e legumes para complementar 280 mil refeições por mês, servidas em 35 instituições que atendem moradores de rua, idosos, crianças e adolescentes em São Paulo. O trabalho social virou profissão. Formada em Serviço Social, ela trabalhou 11 anos na rede de lojas de departamento C&A, experiência que ajudou a atrair vários parceiros para a causa da Prato Cheio. Hoje divide seu tempo entre a ONG e as aulas que ministra em cursos de pós-graduação. Não sente falta do tempo em que batia ponto na C&A. "Agora tenho mais tempo para a família e para dar aulas", diz ela.

Época, 11/08/2008, Debate, p. 61-80

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