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Ponto para invasores do parque

O Globo, Rio, 10
30 de Mar de 2013

Ponto para invasores do parque
Iphan propõe manter 316 casas no Jardim Botânico. Liszt Vieira, que defendia saída, cai

FABÍOLA GERBASE
fabiola.gerbase@oglobo.com.br
SELMA SCHMIDT
selma@oglobo.com.br

A delimitação da área tombada do Jardim Botânico proposta pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deve ser defendida pelo Ministério do Meio do Ambiente no processo que tramita no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a ocupação irregular do parque, dará uma vitória parcial aos invasores. Para o verde, a derrota será retumbante. Depois de três décadas de disputa sobre a permanência de 621 famílias num dos maiores espaços de interesse cultural, histórico e ambiental do Rio, já está nas mãos do Ministério do Meio Ambiente o projeto do Iphan que mantém 316 moradias erguidas nas chamadas comunidades do Horto, em lugar destinado à ampliação do arboreto e das instituições de pesquisa. Outras 305 casas seriam removidas.
A finalização da proposta coincide com a notícia da saída do presidente do Jardim Botânico, Liszt Vieira, conforme antecipou ontem o colunista do GLOBO Ancelmo Gois.
- O Iphan não pode abrir mão de área que ele tombou no passado (o tombamento do Horto é de 1967). inda mais em se tratando de espaço público e de preservação ambiental - reclama Alfredo Piragibe, dirigente do movimento SOS Jardim Botânico.
A solução apresentada pelo Iphan preserva, por exemplo, as 61 casas que estão na localidade conhecida como Caxinguelê, que é de interesse para a expansão do Jardim Botânico. O Clube Caxinguelê, porém, tem de ser retirado. "As instalações esportivas são impactantes e não se justifica a permanência de um equipamento privado no interior da área pública", diz o documento do instituto.
No que depender do Iphan, todas as instalações do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), incluindo acessos e estacionamento, terão de sair das terras do Jardim Botânico. "O conjunto foi erguido em meio à área verde preservada e é altamente impactante", afirma o Iphan. Já a sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, cedida por decreto, deve ser mantida. E a ocupação da Escola Municipal Julia Kubitschek deve ser regularizada.
O Iphan quer ainda regularizar as 40 casas da Vila 64, alegando tratar-se de um "conjunto arquitetônico e urbanisticamente consolidado, isolado e com acesso direto para a Rua Major Rubens Vaz". De novo, contrariando o Jardim Botânico, que pretende instalar setores administrativos nesses imóveis. Já as 24 edificações precárias da Vila do Major, no meio da mata, devem ser derrubadas.
Ainda de acordo com o documento do Iphan, com a retirada do Clube Caxinguelê, do Serpro e das casas do Morro das Margaridas e do Grotão II (duas localidades do Horto), "fica garantida a manutenção de um corredor verde ligando o Jardim Botânico com o Parque Nacional da Tijuca".
A proposta, porém, difere da apresentada por Liszt ao Ministério do Meio Ambiente e ao TCU no ano passado. O presidente do Jardim Botânico só aceita a permanência de cerca de 150 casas, que estão na localidade denominada Dona Castorina e entre a Rua Pacheco Leão e o Rio dos Macacos.
A proposta do Iphan também desagradou à Associação de Moradores do Jardim Botânico.
- O Iphan não pode entregar uma área pública, tombada, para a regularização fundiária. Só por força de lei - reage a advogada da associação, Regina Carquejo.
Entre ambientalistas, a saída de Liszt - confirmada ontem à noite pelo próprio - preocupa.
Ele está no cargo desde 2003. Uma das pessoas cotadas para o cargo é a secretária do Ministério do Meio Ambiente, Samyra Crespo. O ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV) questionou se a saída de Liszt foi motivada por sua luta para remover as moradias do interior do parque:
- Eu acompanhei a batalha do Liszt em relação aos invasores do Jardim Botânico. Espero que a saída dele não seja por causa disso, que esse afastamento não ocorra para facilitar uma solução diferente daquela defendida pelos ambientalistas que trabalham com a Mata Atlântica. Não sei ainda como isso vai ser resolvido, qual será a posição da Samyra. Mas a posição dele buscando a integridade do parque me pareceu algo digno de ser apoiado.
O deputado federal Alfredo Sirkis (PV) se disse preocupado com a substituição:
- Isso pode estar ligado ao enfraquecimento da posição defendida pelo Liszt. Não sei as circunstânciasque levaram a esse fato, mas sou solidário ao Liszt pelo que ele defendeu no parque.
Se for uma demissão, se não foi ele que solicitou sair, sou contrário e acho um retrocesso terrível.
O deputado lembrou que, em 2006, quando era secretário municipal de Urbanismo, fez uma proposta de reassentamento das famílias em locais próximos, nas bordas do parque. Segundo ele, na época a proposta foi aceita tanto pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) quanto pelos moradores, que, depois, mudaram de ideia e passaram a defender a criação de uma Área de Especial Interesse Social no local onde vivem. Para Sirkis, sua proposta era ideal porque retirava "os assentados de áreas sensíveis do parque, realocando-os em local próximo, sem perturbar a vida deles".
A deputada estadual Aspasia Camargo (PV) fez elogios a Liszt:
- Vejo que ele sai consagrado, inclusive com o prêmio que ganhou esta semana (o Prêmio Faz Diferença, do GLOBO). Ele fez um trabalho sério de defesa do patrimônio ambiental do Jardim Botânico e terá sempre a gratidão dos cariocas e minha pessoal. A Samyra é muito comprometida com o meio ambiente e muito experiente. Tenho certeza de que ela vai dar continuidade a essa proteção ao patrimônio do Jardim Botânico. Ela tem desafios pela frente, porque o trabalho lá não está terminado. Foi uma negociação dura (a remoção das moradias). E o Iphan está fazendo a proposta de liberar metade do jardim, mas essa negociação ainda precisa de algumas revisões.
Algumas áreas são vitais para o Jardim Botânico.
Segundo Aspasia, que é presidente da comissão de Saneamento Ambiental, Água e Bacias Hidrográficas da Assembleia Legislativa do Rio, o nome de Samyra vem sendo cogitado para a presidência do Jardim Botânico há muito tempo:
- O nome dela já estava sendo discutido como prioridade há algum tempo. Não é novidade. Não tinha outro nome. Espero que seja ela. Ela é do Rio, conhece bem a questão. Acho que tem a visão ambiental e social do problema. E a sociedade irá acompanhar. Teremos sempre o Liszt como referência. Ele sempre defendeu a causa com muita coragem e determinação.
O diretor de Ambiente e Tecnologia do Jardim Botânico, Guido Gelli, disse que não foi informado sobre a troca de presidentes. Segundo ele, o próprio Liszt manifestara, várias vezes, desejo de sair:
- Ele pediu para sair há muito tempo. Mas não temos ingerência sobre essa questão. O que soube é que a ministra (do Meio Ambiente, Izabella Teixeira) mandaria para a presidente Dilma uma lista de quatro possíveis nomes para o cargo. Se for mesmo a Samyra, é um nome bom.
Ela tem larga experiência nessa área de meio ambiente. Ficamos na expectativa.
O Ministério do Meio Ambiente não confirmou a troca de Liszt Vieira por Samyra Crespo e negou que a proposta fundiária para o Jardim Botânico seja remover apenas metade das moradias do parque, acrescentando que o texto ainda está sendo elaborado pelo governo. O prazo dado pelo TCU, depois de dois adiamentos, para a delimitação da área tombada termina em julho. O tribunal decidiu que em 450 dias (a contar de 11 de setembro de 2012, quando foi publicado acórdão de sua decisão) todo o local tombado esteja liberado.
Colaborou Thamine Letta

'Minha saída não é novidade. Botei meu cargo à disposição ano passado'

Liszt Vieira

O presidente do Jardim Botânico diz não ter sido informado oficialmente sobre sua substituição. E acha que o único problema que seu sucessor encontrará é a questão fundiária

O senhor já foi informado de que deixará o cargo?

Oficialmente, não fomos comunicados de nada. Liguei hoje (ontem) para Brasília, e o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Gaetani, me informou que a ministra Izabella Teixeira vai apresentar quatro nomes para a presidente Dilma escolher quem vai ficar no meu lugar. Minha saída não é novidade. Botei meu cargo à disposição no ano passado. A ministra disse que quando tivesse o nome (do novo presidente do Jardim Botânico) me comunicaria.

O que o novo presidente vai encontrar?

Eu acho que o Jardim Botânico tem uma agenda científica, cultural e ambiental bem organizada. O problema é a questão fundiária, que me transcende.

O senhor acha correta a proposta de remover da área do parque a metade dos invasores ?

Há 240 casas em áreas de risco, que, segundo o Ministério do Meio Ambiente, deveriam sair. É um critério ambiental. A SPU (Secretaria do Patrimônio da União) analisa o critério socioeconômico e diz que quem ganha mais de cinco salários mínimos deve sair. Nem sempre um critério se harmoniza com outro. Eu estou afastado disso.

Mas qual é sua avaliação?

Há dez anos venho propondo que o governo ofereça uma alternativa de moradia digna a essas 621 famílias. Há terras públicas suficientes para todos, inclusive no próprio bairro. Tem uma empresa aqui perto que quer sair do bairro. Ali poderiam ser construídos apartamentos para todos.

Daqui para a frente, o que senhor vai fazer?

Estou esperando ser comunicado oficialmente. Posso voltar para a PUC. Sou professor. Também tenho um convite para fazer pós-doutorado no exterior. Mas posso contar aquela piada: vou para Soares Marinhos. Onde fica? Só ares marinhos...

O Globo, 30/03/2013, Rio, 10

http://oglobo.globo.com/rio/iphan-propoe-manter-316-casas-no-jardim-bot…

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