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Poluição de veículos cresce 5% ao ano

OESP, Metrópole, p. C1, C3-C4
16 de Set de 2007

Poluição de veículos cresce 5% ao ano
Todos os dias são 870 carros e motos novos nas ruas de SP; índice causa acréscimo de 20% na procura por PS

Rodrigo Brancatelli e Fabiane Leite

Na metrópole mundial onde carros têm maior peso na poluição do ar, 870 veículos são emplacados por dia. Nas ruas, essa frota provoca aumento médio de 5% na emissão anual dos cinco principais poluentes. O que implica acréscimo de até 20% na procura pelos prontos-socorros para resolver problemas respiratórios, como crises de asma, e de até 10% nas internações.

A situação fica ainda mais crítica em dias de sol forte, tempo seco e baixa dispersão de poluentes, como na semana passada. O governo do Estado proibiu João Gabriel de Oliveira, de 12 anos, de jogar bola na escola. Ele teve de se contentar em brincar de dominó, damas, xadrez e pingue-pongue na hora do recreio ou da aula de educação física - e só em lugar fechado. Com crises de asma e rinite, o empresário Orlando Favione precisou aumentar a carga de medicamentos para respirar normalmente. Bruna Di Monaco, relações-públicas de 25 anos, sentiu fortes dores no peito e correu na quinta-feira até o pronto-socorro para fazer inalação. O fiscal de trânsito Isaias Viana da Silva, de 44 anos, está torcendo para que chova bastante, para que a freqüência cardíaca volte ao normal.

Mas mesmo que chova e a umidade do ar aumente - ela caiu a 12% em algumas regiões -, os paulistanos não terão muito a comemorar. A qualidade do ar de São Paulo, além de estar longe do ideal preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), caminha para virar emergência de saúde pública.

Só em 2006, a frota da Região Metropolitana, responsável por 92% da poluição da capital, lançou no ar cerca de 1,5 milhão de toneladas de monóxido de carbono, índice recorde - ele vinha caindo nos anos 90, mas voltou a crescer em 2005, quando o efeito da modernização da frota perdeu força. Só os carros emitiram 852.600 toneladas de monóxido, enquanto as motocicletas lançaram 254.000 t - e os caminhões, 372.200 t.

Índice de poluente pode crescer até 74% em 2020
Estudo alerta que, se nada for feito, ar de São Paulo será tão irrespirável quanto o de Cubatão

Rodrigo Brancatelli e Fabiane Leite

Embora a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) costume informar que 500 veículos entram em circulação em São Paulo por dia, o número é bem maior. Tomando por base dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de janeiro a julho, são emplacados em média 635 carros e 235 motocicletas por dia. A frota cresce oito vezes mais do que a população. O que não só causa mais trânsito (e stress). Projeções científicas indicam que, até 2020, a concentração de alguns poluentes pode aumentar mais de 70%.

Em um ano, só os novos veículos vão emitir 79.296 toneladas de monóxido de carbono, 20.860 t de hidrocarbonetos, 5.940 t de óxidos de nitrogênio, 323 t de óxidos de enxofre e 46 t de material particulado.

"É a certeza de que, se não investirmos em mudanças de comportamento, o futuro será muito ruim", diz o epidemiologista Alfésio Luís Ferreira Braga, do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Um único carro novo vai lançar em 12 meses até 190 quilos de monóxido de carbono, 55 kg de hidrocarbonetos e 13 kg de óxidos de nitrogênio.

Os números das motos são ainda piores, porque elas rodam em média 125 quilômetros por dia, ante 60 km dos carros. Em 12 meses, emitem 424 kg de monóxido de carbono, 96 kg de hidrocarbonetos e 35 kg de óxidos de nitrogênio.

"Esses poluentes vão direto para os pulmões o tempo todo", diz. "Boa parte segue rumo à corrente sanguínea, espalhando-se em cada célula do corpo."

Um estudo do Instituto de Climatologia da USP mostra que, até 2020, se a frota continuar nessa escalada e não forem adotadas políticas públicas contra a poluição veicular, os níveis de ozônio vão crescer 74%. Um dos poluentes mais perigosos, ele é produzido indiretamente pelos carros - óxidos de nitrogênio expelidos pelos escapamentos se transformam em ozônio na presença da luz solar. Pela projeção, o dióxido de nitrogênio, que aumenta a sensibilidade à asma e à bronquite, subirá 72,6%. E as partículas inaláveis, que causam alergias, 72%. Trocando em miúdos, se nada for feito, São Paulo vai virar uma Vila Parisi - área industrial de Cubatão conhecida como Vale da Morte.

SP é a 6ª metrópole em poluição do ar, diz OMS

Cidade é uma das poucas em que quase todos os poluentes são emitidos por carros, não por indústrias
Entre as 193 cidades monitoradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), São Paulo é a sexta mais poluída, segundo um ranking de fins de 2005. O primeiro posto é ocupado pela Cidade do México, que fica numa região onde a geografia dificulta a dispersão de poluentes e causa 17 mortes por dia. Antes da capital paulista, vêm Pequim (China), Cairo (Egito), Jacarta (Indonésia) e Los Angeles (EUA). Na outra ponta do ranking, Calgary (Canadá), Honolulu (Havaí) e Helsinque (Finlândia) apresentam os melhores índices de qualidade do ar.

De acordo com a OMS, Pequim é o caso mais preocupante de todos. Justamente porque é a única metrópole na qual a concentração de poluentes ainda está aumentando consideravelmente - numa escala nunca antes vista, aliás. Especialistas da entidade já avisam que mesmo os espectadores das Olimpíadas de 2008, que ficarão apenas um mês na cidade, poderão ter graves problemas de saúde em virtude da poluição atmosférica. Ao contrário de São Paulo, em Pequim mais de 50 grandes indústrias contribuem para a má qualidade do ar.

"São Paulo chama a atenção porque é uma das poucas metrópoles em que os carros causam quase toda a poluição, cerca de 92%, e não a indústria, como em outras cidades do mundo", diz a professora de Climatologia da USP, Adalgisa Fornaro. "Um dos grandes problemas aqui é que ainda temos poucas informações sobre a composição da poluição. É difícil fazer projeções e análises corretas sem saber direito o que respiramos."

A professora cita como exemplo a pesquisa que ela está conduzindo com outros especialistas da USP, para ser enviada à Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). O objetivo é ajudar a prever a qualidade do ar, identificar as melhores políticas públicas de redução de poluentes na cidade e auxiliar no planejamento da rede de estações de monitoramento da própria Cetesb.

O primeiro resultado? "Respiramos um ar muito ruim, ponto", diz a professora Maria de Fátima Andrade, coordenadora do estudo. Durante nove dias, os pesquisadores analisaram o ar dos Túneis Jânio Quadros (na Avenida Juscelino Kubitschek, zona sul) e Maria Maluf (Avenida Presidente Tancredo Neves, também na zona sul). Cerca de 20% dos compostos jogados no ar pelos carros, motos e caminhões podem ser considerados cancerígenos. "Nunca tínhamos analisado essas substâncias no ar, pois as pesquisas neste setor são muito novas", diz Adalgisa. "Tudo isso acaba interferindo no ecossistema, nos ciclos geoquímicos e na nossa própria saúde."

No Instituto do Coração, de cada cem consultas no pronto-socorro, 12 são atribuídas à poluição do ar. Segundo estudo do professor Paulo Saldiva, chefe do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, que há mais de 30 anos analisa o impacto da poluição na saúde, nove pessoas morrem diariamente por causa da poluição.

"Dados não faltam para percebermos a necessidade de novas políticas e de novas tecnologias para diminuir a poluição atmosférica", diz Adalgiza, que também estuda os efeitos dos compostos químicos emitidos pelos carros na chuva, na vegetação e no corpo humano. "Quanto mais descobrimos, mais ficamos assustados e mais teremos de correr para cobrir o prejuízo."

Poluição 'engessa' o coração

Estudo mostra que fiscais da CET têm pressão alta e ritmo cardíaco com baixa capacidade de resposta ao stress
Bruno Paes Manso e Fabiane Leite
Isaias Viana da Silva, de 44 anos, marronzinho da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) há 17, vê a poluição de São Paulo do alto das pontes - e no rosto, nas roupas, quando chega em casa. "Pega" em tudo, como afirma. Ele foi um dos 50 fiscais da CET que participaram de pesquisa do Instituto do Coração de São Paulo, divulgada no ano passado e considerada inovadora por "isolar" os efeitos da poluição sobre o organismo, eliminando variáveis de confusão, como o cigarro e o colesterol.

Apesar de Silva estar bem - ainda trabalhando na Marginal do Pinheiros -, os resultados mostram um quadro preocupante: os trabalhadores tiveram aumento da pressão arterial. "À noite, caía menos do que deveria. Havia como um gatilho que mantinha a pressão alta", diz Ubiratan de Paula Santos, médico-assistente de Pneumologia do Incor e autor do estudo.

Os marronzinhos tinham também freqüência cardíaca mais alta - fator de risco para enfartes do miocárdio e derrame - e substâncias inflamatórias no organismo que "engrossam" as paredes dos vasos sanguíneos. Além disso, seus corações apresentaram menor capacidade de se adaptar à aceleração causada por um momento de stress, por exemplo. Segundo Santos, é como se o coração estivesse "engessado". A pesquisa continuará, agora com 120 marronzinhos, e vai verificar também alterações genéticas causadas pela poluição.

EFEITOS NAS CRIANÇAS

As crianças estão entre as principais vítimas dos efeitos da poluição, potencializados pela baixa umidade do ar. Quando a noite chega, a preocupação das mães aumenta - os ataques de tosse e a sensação de mal-estar são mais freqüentes. "Não durmo desde terça-feira", disse, na quinta-feira, a dona de casa Maria Marleide da Silva, enquanto fazia inalação na filha Sabrina, de 2 anos, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus. "Durante toda a noite, ela pede água e não pára de chorar."

Por causa do clima na cidade, as consultas em agosto e setembro no hospital estão acima da média dos últimos dez anos. Em anos normais, cerca de 5 mil consultas são feitas. Em meses mais secos, como abril, maio e junho, o total alcança 7 mil. Setembro, que costuma ser um mês com menos movimento, deve terminar com 8 mil atendimentos. "Em 70% dos casos a criança chega ao hospital com infecção respiratória", diz Antônio Carlos Madeira de Arruda, diretor do hospital.

Claudiana Gomes Martins, de 25 anos, passou o dia no hospital para fazer as quatro inalações diárias da filha Flávia, de 3 meses. A menina está com bronquite e acorda sufocada à noite. "Ela dorme meia hora e acorda. De manhã, eu corro para cá."

Os médicos do Menino Jesus disseram a Maria que a baixa umidade do ar, que dificulta a dispersão dos poluentes, era a causa principal da infecção respiratória de Sabrina, que há dias sofre com febre, vômitos, tosse e tem muito catarro no peito. As vias respiratórias ressecam, assim como o catarro, que se acumula e favorece a formação de culturas de bactérias. "Hoje ela não conseguiu comer. Só bebeu água e ainda assim vomitou."

Por determinação do governo, as escolas estaduais trocaram as aulas de educação física ao ar livre por atividades como xadrez e pingue-pongue dentro das salas. "As crianças reclamam um pouco, queriam mesmo é jogar bola né", diz Janice Teixeira Aversani, professora de educação física da Escola Estadual Dr. Alberto Cardoso de Mello Neto, na zona norte. "Acabamos fazendo aulas de dança dentro das salas e torneio de xadrez e damas. Queriam jogar truco também, mas é proibido."

Inspeção veicular prevê selo verde ou multa de R$ 525
Testes começam em maio e vão custar R$ 52,89

Rodrigo Brancatelli

Do mesmo jeito que os motoristas infratores estão sujeitos a multas, São Paulo quer autuar quem poluir demais a cidade com seu veículo. A partir de maio, começa a ser colocada em prática a inspeção veicular obrigatória, prevista numa lei que já está há quase dez anos no limbo das normas esquecidas. Quem passar no teste ganha um selinho verde, com uma espécie de holograma para não ser clonado, que deverá ser afixado no vidro do carro ou na lataria da moto. Caso contrário, o motorista poderá levar multa de 300 Ufirs (R$ 525).

"Se precisar, vamos multar", promete o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge. "Esperamos que esse seja o maior programa de inspeção veicular do mundo."

A inspeção vai custar R$ 52,89 para cada veículo e poderá ser feita em 32 centros, num total de 120 baias de inspeção. A operação, que mede a emissão de poluentes diretamente pelo cano de escapamento, deverá levar apenas seis minutos. O pagamento pelo serviço de inspeção veicular pode virar um crédito tributário para o proprietário do veículo abater no pagamento de um tributo municipal, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Segundo o assessor técnico da secretaria Volf Steinbaum, os donos de carros que não passarem no teste e não se regularizarem também terão problemas para fazer o licenciamento. "É o único jeito de termos resultados", diz.

"Caso um veículo seja reprovado, ele poderá voltar gratuitamente em 30 dias para fazer uma nova inspeção", afirma.

Para especialistas, a medida é uma das principais formas de evitar que São Paulo não vire uma Vila Parisi. Segundo projeção feita por um grupo de estudos do Instituto de Climatologia da USP, o nível de monóxido de carbono vai aumentar 56,7% até 2020 se o poder público ficar de braços cruzados. Já o de dióxido de nitrogênio pode aumentar até 72,6% e o de material particulado, 72% cravados.

Por outro lado, se políticas como inspeção veicular, melhoria da qualidade do diesel usado pelos caminhões e modernização do transporte público forem adotadas até lá, os níveis de monóxido de carbono vão aumentar "só" 31%, e os de dióxido de nitrogênio, 40%. Mas a concentração de material particulado cairia espantosos 44%.

"De fato precisamos nos mexer", diz Eduardo Jorge. "Queremos também criar bicicletários em todas as estações de metrô e de trem da cidade, para que mais pessoas no entorno utilizem o transporte público. São medidas pequenas, mas que podem no futuro ter um resultado muito importante."

OESP, 16/09/2007, Metrópole, p. C1, C3-C4

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