VOLTAR

Políticos suspeitos de matar fiscais

JB, País, p. A3
31 de Jan de 2004

Políticos suspeitos de matar fiscais
Prefeito de Unaí, que já foi condenado por trabalho escravo, é investigado pelo assassinato dos quatro funcionários federais

HUGO MARQUES E LUIZ QUEIROZ

A classe política de Unaí (MG) está sendo um dos principais alvos das investigações da Polícia Federal, depois do assassinato de três fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho, no município, na quarta-feira. Uma fonte da Polícia Federal confirmou que o prefeito, José Braz da Silva (PTB), e outros políticos da região fazem parte da lista de suspeitos.
A PF não repassa nenhuma outra informação sobre este suposto envolvimento. Não informa, por exemplo, se o prefeito tem terras ou foi denunciado por trabalho escravo nas imediações do município, nem mesmo se teve algum tipo de problema com os fiscais assassinados.
O Jornal do Brasil apurou, no entanto, que Braz da Silva já foi condenado pela Justiça do Trabalho, em maio de 2003, por manter empregados em regime de ''trabalho forçado'' na Fazenda Boa Esperança, terra de sua propriedade, em Canaã dos Carajás, Sul do Pará. O juiz titular da Vara do Trabalho de Parauapebas (PA), Jorge Antônio Ramos Vieira, depois que condenou o prefeito e outros fazendeiros da região, recebeu ameaças e teve de fugir da comarca.
Depois da repercussão nacional dos assassinatos em Unaí e do início das investigações da PF em Unaí, o prefeito deixou a cidade e foi para Belo Horizonte. O JB o encontrou pelo celular. Perguntado se teria participação no assassinato, o prefeito demonstrou surpresa.
- Tá brincando? - disse, afirmando que não participou do crime e atribuindo sua condenação a uma perseguição.
Ele afirma que ''inventaram'' as denúncias de trabalho escravo em sua fazenda no Pará e que a condenação foi uma decisão sem qualquer amparo jurídico.
- Inaugurei a indústria da multa no Brasil - ironizou.
O Ministério Público acusou o prefeito de utilizar na fazenda trabalhadores rurais em tarefas que os reduziam à condição análoga à de escravo. Não havia no local água potável, alojamento, refeitório ou instalações sanitárias, segundo a fiscalização.
O prefeito foi acusado de fornecimento ''oneroso'' de alimentação, fumo e bebida alcoólica para os trabalhadores, e de coagir os empregados a utilizarem o armazém da propriedade. Foram encontradas armas de fogo e munição na fazenda.
Foi constatada ainda a presença de intermediação de mão-de-obra barata, feita pelos ''gatos'' da região. Os pagamentos aos trabalhadores não eram feitos da forma legal, inexistiam registros trabalhistas.
O juiz Jorge Antônio Ramos Vieira acolheu a sentença do MP, determinou a quebra do sigilo fiscal do prefeito e ainda decretou a indisponibilidade dos bens do réu. Vieira deferiu pedido de bloqueio preventivo de R$ 280 mil que viessem a ser encontrados nas contas bancárias do prefeito, para pagamento de obrigações trabalhistas. A decisão está publicada na íntegra pelo site Consultor Jurídico, especializado em direito.
Depois das condenações dos fazendeiros envolvidos com trabalho escravo - inéditas, até então - o juiz Vieira refugiou-se em Belém. Ele informou, no fim do ano passado, que estava sofrendo seguidas ameaças de morte.
Em agosto, o juiz divulgou nota afirmando que os fazendeiros condenados estavam ''rindo à toa'', pois ''livraram-se do juiz e do procurador que estavam impondo-lhes a lei'' em Parauapebas. Vieira criticou o Ministério da Justiça pela falta de equipes de segurança. O Ministério da Justiça, à época, rebateu a versão do juiz e informou que a proteção foi suspensa ''por opção'' do magistrado.
A PF quer finalizar na próxima semana os cinco laudos sobre o assassinato. O objetivo é concluir as investigações dentro de 10 dias. Ontem, a PF fez perícia na caminhonete Ranger, na qual os fiscais foram mortos. Nenhuma bala atingiu a carroceria do veículo. Um vidro da porta traseira está quebrado.
O superintendente da PF em Brasília, delegado Euclides Rodrigues da Silva Filho, afirmou que os fiscais morreram com tiros de revólver calibre 38 e pistola 765. Cada fiscal teria recebido dois tiros certeiros na cabeça, quase à queima-roupa. Os celulares dos fiscais não estavam na caminhonete.
Os 30 policiais que estão em Unaí irão ouvir hoje pelo menos 15 testemunhas, entre pessoas que tiveram contato com as vítimas, fazendeiros autuados nos últimos dois anos pelos fiscais, agenciadores de mão-de-obra e empresários. O dono de um lava-jato em Unaí, que foi acusado de desacatar os fiscais por duas vezes, também será ouvido.
Ontem, foi encontrado o local exato do crime, numa estrada de terra, a cinco quilômetros da rodovia, onde estavam os corpos. O delegado Euclides acredita que a motivação do crime possa ser mesmo as atuações feitas pelos fiscais. Pelas informações colhidas até agora, seriam três os assassinos, e não dois, como informou o motorista do Ministério do Trabalho, que morreu o hospital. Os criminosos teriam utilizado um Fiat Strada branco ou gelo.

Secretária não quer fiscais armados

A secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Beatriz Vilela, vai reunir, segunda-feira, em Belo Horizonte, os fiscais que trabalham há mais tempo no Noroeste de Minas Gerais para fazer um balanço e rediscutir procedimentos de fiscalização que, mantendo a eficiência, garantam a segurança dos profissionais.
Ruth, que tem 28 anos de experiência em fiscalização das condições de trabalho e já foi ameaçada de morte, acha que usar arma ou proteção policial como regra não é a saída.
- Para uma situação como essa que ocorreu, é impossível avaliar o risco. Estamos vivenciando uma execução típica de grupos de extermínio. E se isso se transformar em pânico. O que se pede é a volta do Estado policial. Acho que não é por aí.
Para explicar por que um contra-ataque baseado em ações armadas da fiscalização não resolve o problema, Vilela recorda um episódio de 2001, ocorrido na região de Marabá, no Sul do Pará. Um comboio de carros da polícia, também integrado pela PF, foi emboscado em uma estrada. Os criminosos levaram documentos e até as armas dos policiais.
A secretária pretende, em conjunto com os profissionais mais experientes, avaliar se o potencial ofensivo contra a fiscalização foi subestimado. Há pelo menos cinco anos, o ministério tem desenvolvido um intenso trabalho de negociação com os fazendeiros para garantir a legalização das contratações e a garantia de condições para os trabalhadores. A relação, portanto, seria de entendimento e não de confronto.
Mesmo diante do clima de indignação e medo entre os fiscais, Vilela acredita que é hora de ''colocar os pés no chão'' e rediscutir procedimentos para a realização de trabalho no qual ''o risco é inerente à função''.
Ontem, a secretária estava tomando providências para proteger um outro fiscal do trabalho sob ameaça. O profissional realiza diligências urbanas na cidade de Araçaí, em Minas Gerais, e informou a Vilela por telefone que, provavelmente em represália pelo seu trabalho, teve a casa assaltada várias vezes e estava recebendo telefonemas com ameaças.
O fiscal está sob proteção policial. Será transferido da cidade e terá suas atividades assumidas por uma força-tarefa.

Agricultor assassinado no Pará
Para Pastoral da Terra, Nascimento estava marcado para morrer. Polícia diz que ele extorquia fazendeiros

O presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Vale do Arari, Ezequiel de Morais Nascimento, de 46 anos, morreu após ser atingido por três tiros na tarde de quinta-feira, em Redenção (840 quilômetros de Belém, no Pará).
De acordo com a Polícia Civil, dois homens se aproximaram do agricultor com o pretexto de pedir uma informação e, após os disparos, fugiram em uma motocicleta. No momento do crime, Nascimento trabalhava na marcenaria que fica nos fundos da casa onde moram a mulher e seus três filhos.
A associação liderada por Nascimento fica no município de Santa Maria das Barreiras e é ligada ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, que, por sua vez, possui laços com a Fetagri (Federação dos Trabalhadores da Agricultura).
Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), Nascimento estava ''marcado para morrer''. Ainda de acordo com a entidade, ele já havia recebido inúmeras ameaças de morte de grandes proprietários da região por reivindicar a desapropriação de uma fazenda e por denúncias contra práticas de grilagem na região.
Representantes de associações rurais locais, do Sindicato Rural de Redenção e da CPT pretendem encaminhar documentos sobre a situação de violência na região à OEA (Organização dos Estados Americanos), Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Já o delegado do Departamento de Polícia do Interior da Secretaria da Segurança do Pará, Roberto Teixeira de Almeida, afirmou que uma das possíveis causas do crime foi a prática de extorsão contra proprietários de terra, supostamente encabeçada por Nascimento. Almeida afirmou que algumas fazendas na região são invadidas e, em seguida, exige-se dinheiro para sair da propriedade.
Nascimento permaneceu cerca de um mês na cadeia durante o ano passado. A razão, segundo o delegado, foi o envolvimento com tais práticas e grilagem de terras.
Agência Folha

ONU está preocupada com mortes

O alto comissário interino para Direitos Humanos da ONU, Bert Ramcharan, ficou ''visivelmente preocupado'' ao saber do assassinato dos fiscais do Ministério do Trabalho, na última quarta-feira. A informação foi dada pelo brasileiro José de Souza Martins. Ele é um dos cinco curadores do Fundo das Nações Unidas contra a Escravidão, que se reuniram anteontem com o alto comissário na sede da ONU em Genebra (Suíça).
- Comentei com ele a ocorrência, da qual, aliás, já estava informado. O alto comissário estava visivelmente preocupado - disse Martins, professor aposentado de sociologia da USP.
Ramcharan é o substituto do embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto num atentado em Bagdá, ano passado.
Ontem, o presidente da Junta de Curadores do Fundo contra a Escravidão, o indiano Swami Agnivesh, deu uma entrevista em que condenou os assassinatos em Minas Gerais:
- Essa é uma evidência gritante para a comunidade internacional da gravidade da escravidão que ainda existe em várias partes do mundo.
Agência Folha

JB, 31/01/2004, País, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.