VOLTAR

Política velha

Brasil Sustentável, n. 24, jun.-jul. 2009, p. 36-39
31 de Jul de 2009

Política velha
Apesar das mudanças globais deflagradas pela crise climática, a agenda político-eleitoral brasileira continua a ignorar os compromissos socioambientais

Reportagem Elizabeth Oliveira

Enquanto nos Estados Unidos a eleição do presidente Barack Obama está abrindo caminho para uma economia de baixa emissão de carbono e de geração de negócios e de empregos verdes, no Brasil o debate político-eleitoral praticamente ignora as questões de sustentabilidade. A sucessão presidencial, em outubro de 2010, ainda está longe de estar definida, mas os candidatos mais cotados, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o governador de São Paulo, José Serra, propõem uma agenda de desenvolvimento econômico convencional, centrada no crescimento econômico. Aparentemente, para eles, os compromissos socioambientais são irrelevantes.
E olha que o Brasil é uma potência ambiental que abriga 20% da biodiversidade global, 12% das reservas de água doce do planeta, energias renováveis abundantes, muito sol e terra agriculturável. Mas a valorização e a conservação dessas vantagens comparativas ainda não entraram na agenda política. "Não há sinal de evolução desses pré-candidatos na direção do desenvolvimento sustentável", diz o economista e professor da Universidade de São Paulo José Eli da Veiga. Autor de um artigo controverso publicado na Folha de S. Paulo, em 19 de abril, em que alude à similitude das plataformas políticas de Dilma e Serra, José Eli afirma que não há como evitar que "o próximo presidente da República saia de uma escolha entre a peste e o cólera".
"Como aconteceu em outras eleições, é claro que vão adicionar aos programas alguns parágrafos sobre questões ambientais", diz o economista. "Não faltarão assessores para esse tipo de serviço. Todavia, a autêntica corrente socioambiental que existe na sociedade brasileira certamente se recusará a fazer esse papel", reitera. A esperança, segundo José Eli, é que o cenário internacional induza o próximo governo a enxergar que o desenvolvimento tradicional está na contramão de história. "Parece que essa ficha só vai cair quando as exportações brasileiras passarem a ser prejudicadas pela falta de certificações socioambientais."

PROGRAMA MÍNIMO
Uma agenda socioambiental mínima para o país implicaria, segundo José Eli da Veiga, em "um programa energético ao avesso dos planos do Ministério das Minas e Energia e um pacto pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia que comece pelo desmatamento zero e siga as diretrizes recentemente lançadas pela Academia Brasileira de Ciência".
Nos dois casos, explica, "a questão central é uma estrutura institucional de incentivos que favoreça a criatividade, baseada tanto em ciência, tecnologia e inovação, quanto em conhecimento tácito". Ocorre que o debate político está longe disso. "Os adeptos das candidaturas Dilma-Ciro Gomes ou Serra-Aécio têm a mesma cabeça. Acham que o futuro está na aceleração do crescimento", diz José Eli. "Não interessa a qualidade desse crescimento e menos ainda saber em que medida ele se converte em desenvolvimento." Outro que demonstra pouco otimismo em relação à evolução no quadro político é o ex-deputado Fabio Feldmann, atual secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e Biodiversidade. Na sua opinião, não há sinais de que o fenômeno Obama inspire as lideranças brasileiras. "Em vez de ser sujeito ativo no processo de mudança global, o Brasil se comporta como sujeito passivo.
Não age como a potência ambiental que é", opina. Há numerosos exemplos disso. O projeto Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, por exemplo, prevê a construção de 1 milhão de casas populares, mas ignora ações de ecoeficiência e de contenção de emissões de carbono.
Contudo, a crise climática gerada pela poluição de carbono está se agravando. "Ao contrário do presidente Lula, que não priorizou a questão climática, o próximo presidente, seja quem for, terá que enfrentar esse grande desafio", adverte Feldmann. "O Brasil tem que definir uma matriz energética que não aumente sua contribuição como emissor de carbono, como o Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017 certamente aumentará, implantando usinas termelétricas movidas a óleo diesel e carvão."
Debater a questão energética na eleição de 2010 será crucial, reitera o deputado Fernando Gabeira, do Partido Verde do Rio de Janeiro. Mas é importante identificar, na retórica de sustentabilidade, a famosa "maquiagem verde". "Todos os programas de governo devem refletir preocupação com sustentabilidade, sobretudo a abertura de novos empregos verdes. Mas o discurso recorrente sobre sustentabilidade já não diz mais nada. Seu enunciado precisa ser traduzido, quantificado e avaliado quanto à sua real viabilidade", diz o deputado. Na área da energia, diz Gabeira, o país está correndo riscos, aumentando a poluição com a queima de combustíveis fósseis, quando tem potencial para explorar fontes renováveis, além da energia solar e eólica.
Apesar de vislumbrar inúmeras possibilidades de desenvolvimento sustentável para o Brasil, o deputado do Partido Verde ressalta que "a sociedade avançou bastante, mas falta avançar a consciência do mundo político". Um exemplo é que os prefeitos estão sendo mais pressionados a buscar respostas às questões climáticas do que os parlamentares em Brasília.
"Os candidatos à presidência deveriam encarar o problema de adaptação das cidades brasileiras aos efeitos das mudanças climáticas. Depois de Santa Catarina, no ano passado, estamos agora com um milhão de desabrigados no norte-nordeste, devido às chuvas. E mais seca no Pantanal e no sul do País.
Tudo se passa num vácuo político," afirma Fernando Gabeira.
José Eli da Veiga cita o deputado carioca e a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em seu artigo na Folha, como lideranças capazes de promover uma agenda política focada em sustentabilidade. Indagado sobre o que achava das opções presidenciais levantadas pelo economista, Gabeira esquivou-se em relação ao seu próprio nome. Mas ressaltou: "Concordo quanto à Marina".
AVANÇOS REAIS
Menos cáustico, o físico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia José Goldenberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, acredita que o exemplo de Obama está, sim, inspirando ações no Brasil. "O pacote de estímulos econômicos do governo norte-americano dará grande ênfase e visibilidade a novas tecnologias que se disseminarão pelo mundo, incluindo o etanol," afirma. Goldenberg prevê um forte estímulo às negociações de créditos de carbono.
Para o ex-ministro, também há progresso na gestão da crise climática pelos agentes públicos. "A adoção de metas de redução das emissões de gases do efeito estufa na cidade de São Paulo, propostas pelo prefeito Gilberto Kassab, e a provável aprovação do Projeto de Lei estadual nesse sentido, proposto pelo governador Serra, provável candidato à Presidência da República, apontam na mesma direção das medidas adotadas pelo Governo Obama." Goldenberg salienta que as iniciativas paulistas foram tomadas antes da eleição do novo presidente americano.
Outro ponto positivo é o compromisso voluntário de redução do desmatamento na Amazônia, assumido pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas - apesar do recuo representado pelo Plano Decenal de Expansão de Energia do Ministério de Minas e Energia. "O Brasil dispõe de abundantes alternativas renováveis para evitar a geração termelétrica a gás, diesel ou carvão, tais como o uso de bagaço de cana e o aproveitamento da energia hidrelétrica. A política do Ministério de Minas e Energia é um retrocesso que o futuro presidente terá que rever", afirma.
Essa também é a visão de outro cientista influente, o ex-presidente da Eletrobrás Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. "O Plano Decenal de Energia está na contramão da história", diz Pinguelli. "Seja na ala governista ou nos partidos de oposição, os futuros candidatos terão que incorporar em suas agenda propostas para enfrentar os desafios climáticos. O Plano Decenal vai ficar como questão mal resolvida para o próximo governo."
Se há consenso entre as lideranças ambientais é que a política brasileira padece de imediatismo, de falta de planejamento e de gestão de longo prazo. Só quando as crises ameaçam desabar sobre a sociedade o país parece capaz de mexer-se, sempre na vigésima quinta hora. "O imediatismo prevalece e determina a nossa política partidária", afirma o ex-deputado Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). O que pode imprimir sentido de urgência ambiental à agenda política, infelizmente, é uma tragédia. "Quem sabe ocorra um furacão entre o primeiro e o segundo turnos da eleição", especula Santilli. "Entre nós, os avanços nas agendas não partem do protagonismo do Estado, mas da simbiose que possam produzir a partir da sociedade."
Para o coordenador do ISA, um avanço real seria a discussão eleitoral de um projeto de desenvolvimento capaz de valorizar e conservar o que sobrou dos recursos naturais, mobilizando as energias e a diversidade do povo brasileiro em direção à sustentabilidade. "Eu apoiaria um projeto que tivesse como locomotiva os ministérios da Cultura e da Educação, sem prejuízo de poucas e boas grandes obras, com começo e fim, e cuidado com a inserção local e regional." Além disso, a agenda sustentável com visão de longo prazo não deveria focar só o potencial dos recursos naturais, mas também a inovação empresarial.
"São os valores culturais inovadores e mobilizadores que podem ajudar a construir, verdadeiramente, novas esperanças e correlações de forças no país", diz Santilli. [BS]

Brasil Sustentável, n. 24, jun.-jul. 2009, p. 36-39

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.