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Política indigenista dos governos da ordem e do progresso: meio século de violência e esbulho

Cimi - https://cimi.org.br
Autor: EGON HECK E LÍDIA FARIAS
20 de Dez de 2023

20/12/2023
Política indigenista dos governos da ordem e do progresso: meio século de violência e esbulho

POR EGON HECK E LÍDIA FARIAS DO REGIONAL CIMI/MS - MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 460 DO JORNAL PORANTIM
Numa rápida olhada nos últimos 50 anos de política indigenista no país, nos deparamos com inúmeras situações que questionam as reais intenções dos governos com relação aos povos indígenas, seus territórios e organizações sociais. Uma das características fortes deste período foi a constante imposição de uma política indigenista violenta, que tinha por objetivo final o extermínio dos povos indígenas.

Um dos aspectos reveladores da política da ordem eram os critérios de composição do quadro de pessoal dos órgãos estatais. A Funai, por exemplo, herdou para o seu quadro de funcionários 700 pessoas oriundas do antigo Serviço de Proteção ao Índio - SPI e, em menos de uma década a fundação, já contava com mais de sete mil funcionários, a maioria imperiosa do quadro eram militares da ativa ou aposentados, que, sob o comando do general Bandeira de Melo, implantavam um rígido sistema de controle dos indígenas.

Para a garantia absoluta do controle, foram criados dentro da estrutura da Funai alguns órgãos como a Guarda Rural Indígena - GRIN, que tinha como objetivo transformar os "índios" em soldados e as aldeias em grandes repositórios humanos para os quartéis. Outra frente determinante no sistema de controle eram os Serviços de Segurança e Informação (DSN - Doutrina de Segurança Nacional, CSN - Conselho de Segurança Nacional, SNI - Serviço Nacional de Informação, ASI - Assessoria de Segurança e Informação), estes tinham por objetivo isolar os indígenas e vigiar completamente os seus passos. Para Queiroz Campos, primeiro presidente da Funai (1967-1970), estes órgãos tinham a intenção de "evitar a continuidade das invasões nas terras indígenas" e para isto a estratégia fora militarizar a Funai em todas as instâncias administrativas, desde os postos indígenas - PIS nas aldeias até a direção do órgão, sediada em Brasília.

Outra ação que tinha como horizonte o integracionismo eram os programas desenvolvimentistas produtivista promovidos pela Funai no contexto do "milagre brasileiro", na década de 70, onde se alardeava um crescimento do PIB de 11% ao ano. Para pensar a implementação destes "projetos de desenvolvimento comunitário", a Funai chegou a contratar vários cientistas sociais (antropólogos, linguistas, agrônomos, economistas, entre outros), os mesmos, se empenharam a pensar a melhor forma de execução dos projetos numa lógica que rompesse como o "indigenismo dos quartéis", promovendo um "novo indigenismo", o qual estimulasse as comunidades indígenas ao etnodesenvolvimento. Estes programas foram iniciados primeiramente junto aos povos indígenas Gavião-Suruí, Guarani Kaiowá e Nhandeva, Yanomami, Nambikuara, Pataxó, Tikuna, Tukano, Xokleng dentre outros.

A execução dos programas acima explícita um profundo cenário de conflitos de interesses entre a ciência e o militarismo em curso. A Funai estimulava a produção e exploração nas terras indígenas única e exclusivamente para gerar renda ao órgão tutor gerenciado pelo Departamento Geral de Patrimônio Indígena - DGPI, seguindo a lógica de que os índios deveriam ser um ônus menor para a nação.

Neste sentido, vale ressaltar que os projetos desenvolvimentistas e produtivistas do governo, tais como exploração de madeira, minérios, instalação de rodovias, construção de hidrelétricas e outros empreendimentos em terras indígenas como o arrendamento, agenciados em épocas passadas pelo estado e, hoje, pelo agronegócio, não tiveram como objetivo melhorias para a vida dos povos indígenas, do contrário, tais projetos foram e continuam sendo caminhos de invasões, inviabilizando as demarcações das terras indígenas, em que os prazos previstos para conclusão de todos os processos demarcatórios foram duplamente desrespeitados, conforme revela o estatuto do índio (1973) e a Constituição Federal de 1988: "O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas". (Lei 6001/73, Art. 65). "A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição". (CF/88, Art. 67)

No Brasil, existem atualmente 1.296 terras indígenas, este número inclui as terras já demarcadas ou em algumas das etapas dos procedimentos demarcatórios iniciados. Agora, passados mais de 30 anos da promulgação da CF/88, pelo menos 530 terras indígenas que ainda se encontram sem nenhuma providência do Estado para demarcá-las. (CIMI, 2020).

Nos tempos atuais e diante do cenário de total negação de direitos territoriais, o ponto forte em questão é o usufruto dos territórios: quem de direito pode usufruir destas terras? No campo jurídico, as leis são claras, assegurando aos povos indígenas o usufruto exclusivo dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos, aos seus legítimos donos. Porém, no campo político as investidas anti-indígenas da política indigenista desenvolvimentista tentam além de desqualificar os sistemas econômicos e de produção dos povos, impor o lucro como referência nas relações dos povos indígenas com o meio ambiente.

Ao tentar incluir as terras indígenas na lógica da produção em escala e em outras formas de exploração, o governo refuta os ideais integracionistas da ditadura militar "desenvolver para integrar". Os assédios saem de todos os lados e chegam as áreas indígenas envoltos nos tecidos da "emancipação financeira dos povos indígenas", ou seja, os povos indígenas só serão aceitos quando se igualarem aos ruralistas.

Passados 50 anos desta história, o projeto de extermínio contra os povos indígenas se moderniza e tenta retomar o objetivo dos governos ditadores de dominação sobre as terras indígenas, facilitando como no passado as diversas formas de invasão e exploração dos territórios indígenas.

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