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Política indigenista

CB, Opinião, p. 16
12 de Out de 2004

Política indigenista

Na região onde índios da tribo cinta-larga mataram 29 garimpeiros em abril, caiu fuzilado sábado, em Cacoal, Rondônia, o sertanista Apoena Meireles. Ele era o remanescente último de uma lista de indigenistas e antropólogos notáveis em que pontificaram o marechal Cândido Mariano Rondon e os irmãos Orlando e Cláudio Vilas Boas. Há indícios de que a mão assassina foi armada por encomenda para eliminar o pacificador disposto a proteger áreas indígenas de aventureiros e invasores.
Confirmem-se ou não os indícios, o fato é que o clima de conflito, ali, expunha Meireles à ira de grupos interessados em garimpar riquezas na reserva Roosevelt. Havia meses que intermediava acordo para a convivência pacífica entre os cintas-largas e as comunidades vizinhas. Durante três anos, a tribo tolerou a presença de garimpeiros em suas terras. Discute-se até hoje se a exploração era ou não objeto de contrato. Na versão dos índios, tratava-se de atividade não consentida. Daí, em abril, o ataque dos cintas-largas deixou 29 mortos.
Até hoje a questão indígena é tratada por espasmos. A rigor, as providências surgem quando explodem os conflitos. Então, medidas são anunciadas, mas, salvo exceções, logo são esquecidas. Não há diretrizes capazes de formar no conjunto verdadeira política indigenista.
A luta de Chico Mendes, na década de 80, em favor da exploração sustentável da floresta amazônica a partir da atividade extrativista de borracha e castanha em Xapuri, Acre, havia despertado atenção internacional. Mas, aqui, era acompanhada com algum enfado. Só quando foi assassinado em 1988, o governo reconheceu a importância de seu trabalho. Nove anos depois (1997), em solenidade rica em civismo no Palácio do Planalto, era lançado o programa Amazônia Solidária, inspirado na obra de Chico Mendes. Jamais saltou do discurso para operar no plano da realidade.
O mesmo pecado por omissão ocorre no tocante à exploração das riquezas minerais e hídricas em áreas indígenas. A demarcação compõe o primeiro ato estratégico para suporte da política aplicável à questão. Muitas reservas criadas por lei continuam indemarcadas.
Também o problema de acesso econômico ao subsolo das terras, mediante intervenção obrigatória do Ministério Público na feitura dos contratos, permanece sujeito ao labirinto de atos burocráticos e legislação incompleta. Falta uma política indigenista operativa, clara e precisa, sem a qual os conflitos não serão removidos. A morte de Apoena Meireles priva os índios de um interlocutor competente e confiável e desfalca a Funai de um sertanista cuja vida foi dedicada ao exercício da pacificação.

CB, 12/10/2004, Opinião, p. 16

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