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Política energética do governo é criticada em evento paralelo à Rio+20

ISA - http://www.socioambiental.org
20 de Jun de 2012

A política de energia do governo federal foi duramente criticada na manhã de ontem (segunda-feira), no simpósio "Setor Elétrico Brasileiro e Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e Desafios", no planetário do Rio de Janeiro.

A falta de transparência e participação da sociedade no setor elétrico e a insistência do governo em investir em grandes hidrelétricas foi alvo das críticas. Vários dos participantes condenaram a usina de Belo Monte, que está sendo construída em Altamira (PA).

O objetivo do evento, realizado paralelamente à Rio+20, foi discutir a diversificação da matriz energética nacional. Depois dos debates, foi lançada uma publicação sobre o tema, de autoria de vários especialistas da academia e sociedade civil organizada, entre eles Raul do Valle, coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA.

O simpósio foi realizado pelo Amazon Watch, Prefeitura do Rio, Instituto Humanitare e Tck Tck Tck, em parceria com International Rivers, Gota dágua, ARE Institute e ISA.

Energia suja e cara

"A energia hidrelétrica é cara e suja", apontou Felício Pontes, procurador federal no Pará. Ele insistiu que os orçamentos das grandes hidrelétricas previstas para a Amazônia e o custo médio de R$ 80 por megawatt/hora da energia hidrelétrica no País não incorporam os custos socioambientais desses empreendimentos.

"Temos de parar de trabalhar como se esses custos não fossem nada", defendeu Pontes, na primeira mesa do evento. "O setor de energia é a caixa preta do governo federal. Abram a caixa preta do setor elétrico e dividam a responsabilidade conosco para que possamos saber para onde e para quem vai a energia", pediu. Felicio lembrou que o Conselho Nacional de Política Energética tem duas vagas destinadas à sociedade civil e à academia que não estão ocupadas.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento do MME (Ministério de Minas e Energia), Altino Ventura Filho, participou do mesmo painel, "Planejamento de Demanda e Eficiência Energética, mediado pela secretária executiva adjunta do ISA, Adriana Ramos.

Ditadura do setor elétrico

"Estamos vivendo uma ditadura e uma autocracia do setor elétrico", apontou o professor Célio Berman, da USP (Universidade de São Paulo). "Não há planejamento energético. O que há é um balcão de negócios", afirmou.

Ele avaliou que a atual demanda de energia pode ser resolvida de várias maneiras e que o governo privilegia o atendimento de empresas eletrointensivas voltadas à exportação. "As obras das hidrelétricas atendem essa demandam e não a demanda da sociedade brasileira. As usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio (RO) representam a irresponsabilidade desse governo de resolver demandas de seis setores industriais."

Ventura defendeu a construção das grandes hidrelétricas na Amazônia, em especial Belo Monte sob o argumento de que investimentos em eficiência energética e nas energias alternativas não serão suficientes para atender toda a demanda por energia do país.

Segundo o secretário, a economia brasileira precisaria de mais 70 mil megawatts nos próximos dez anos para continuar crescendo a uma taxa média em torno de 4,5% ao ano. No planejamento do governo, as hidrelétricas responderão por 50% desse total. Hoje, o Brasil tem 120 mil MW instalados.

O secretário afirmou que o objetivo do governo é fazer com que a energia eólica seja responsável por mais de 4% da matriz nacional nos próximos dez anos. Ele afirmou, no entanto, que a geração de energia solar em escala ainda seria inviável economicamente por causa do alto custo. Ventura disse que esses custos estão caindo em todo mundo e que o governo avalia o melhor momento para dar impulso a uma política de incentivo à energia solar.

"Se não tivermos escala, não conseguiremos atrair fábricas e muito menos dominar tecnologia. Temos de ter cuidado para não nos tornarmos importadores de painéis solares chineses", defendeu o secretário.

O diretor executivo do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado, também questionou a destinação dos investimentos feitos em energia no País. "A questão energética é uma questão política e, sendo política, é econômica", afirmou. "Precisamos perguntar: energia para quê e para quem?".

Furtado defendeu investimentos no desenvolvimento de tecnologias renováveis e insistiu na necessidade de se investir em eficiência energética para atender a demanda de energia nacional. E apontou que o crescimento econômico não significa necessariamente sempre o crescimento da demanda energética.

Em entrevista ao ISA, Altino Ventura negou que os custos socioambientais das grandes hidrelétricas não sejam incluídos em seus orçamentos, disse que o setor elétrico ouve a sociedade civil, por meio de audiências públicas e da divulgação de seus planejamentos, mas admitiu que há demanda por mais participação no setor.

Alternativas

O segundo painel do simpósio discutiu "Alternativas para a geração de energia elétrica no Brasil: políticas públicas, investimentos e estudos de caso internacionais" e contou com a participação de representantes de empresas ligadas às energias renováveis.

"O Brasil tem a energia mais barata do mundo e paga pela mais cara", criticou Élbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. Ela informou que cerca de 50% da taxa de energia no Brasil é composta de impostos e encargos e criticou os subsídios as energias convencionais.

Élbia disse que a questão do acesso a energia não é um problema no Brasil é que a diversificação da matriz energética poderia baratear ainda mais a conta de luz. "A energia eólica é muito promissora e vai continuar crescendo no país. A única coisa que pode limitá-la é a definição [prévia] de sua participação na matriz", afirmou ela.

"Há muitas concepções equivocadas sobre o preço da energia solar e como controlar isso", apontou Dany Kennedy, fundador e presidente da empresa Sungevity, dos EUA. Ele falou sobre a ampliação crescente do mercado de energia solar norte-americano. Disse que o financiamento foi fundamental para isso e que um processo semelhante seria possível no Brasil.

"Hoje temos mais carros no Brasil porque há muito financiamento para comprá-los. Poderia haver financiamento para as placas solares", apontou o norte-americano. A empresa de Kennedy instala gratuitamente painéis solares e compra os excedentes de energia dos "consumidores-produtores".

A defesa da geração descentralizada e de sistemas de distribuição inteligentes (em que é possível receber e enviar energia) foi também defendida por vários dos participantes do segundo painel do simpósio como forma de baratear e diversificar a matriz energética.

Belo Monte

No terceiro painel do simpósio, sobre os próximos passos para ampliar a participação das energias alternativas na matriz brasileira, a indígena Sheila Juruna emocionou-se ao criticar a construção da usina de Belo Monte. Ela perguntou se era justo que um governo que se diz democrático não consulte as populações indígenas para executar a obra. Disse que falava em nome dos povos atingidos pela obra e que a região de Altamira está sendo destruída.

"Nós indígenas não somos contra a geração de energia, contra o desenvolvimento. Mas há outras formas de fazer isso, com menos impactos", pontuou. "Que sustentabilidade é essa que o governo brasileiro prega ao mundo? Vim denunciar o que o governo está fazendo. Belo Monte é um processo mentiroso, que não constrói, que destrói."

http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3591

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