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A política brasileira para o clima

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
19 de Mai de 2008

A política brasileira para o clima

José Goldemberg

O embaixador Everton Vieira Vargas publicou recentemente um interessante documento, intitulado a Mudança do Clima na Perspectiva do Brasil, no qual expõe os fundamentos da posição adotada pelo País nesta importante questão. Sua leitura permite entender por que o Brasil - que tinha uma posição proativa e de liderança nas discussões internacionais quando foi sede da Conferência do Clima no Rio de Janeiro, em 1992, e na formulação do Protocolo de Kyoto, em 1997 - passou a uma posição reativa, defendendo encarniçadamente o status quo, que, na pratica, só beneficia a China e os Estados Unidos, os maiores emissores mundiais dos gases responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas resultantes.

O argumento básico do embaixador é o de que os países em desenvolvimento não devem aceitar nenhuma limitação às suas emissões, tendo em vista que as "emissões históricas" desses países são pequenas.

Sucede que a afirmação do embaixador de que "alguns países são responsáveis pela principal parcela das emissões históricas acumuladas na atmosfera desde a Revolução Industrial, as quais determinaram e continuarão a determinar o aumento da temperatura global", é simplesmente incorreta.

Só para dar um exemplo, as emissões do Brasil no ano de 2007 (incluindo o desmatamento da Amazônia) correspondem a cerca de 4% das emissões mundiais. Se calcularmos o total das emissões feitas nos últimos 50 anos, isto é, incluindo as "emissões históricas", a participação brasileira cai para cerca de 3%, ou seja, uma queda de apenas 30%. O mesmo vale para a China e para os outros grandes países em desenvolvimento. Em 1990 as emissões da China eram cerca da metade das emissões dos Estados Unidos. Hoje já ultrapassaram as emissões norte-americanas. Dentro de 10 ou 20 anos as emissões históricas dos países em desenvolvimento superarão as dos países industrializados.

Além disso, o próprio conceito de responsabilidade histórica no caso das mudanças climáticas é discutível, porque, de fato, as conseqüências da emissão dos gases de efeito estufa não eram conhecidas antes de 1980, como também era o caso do efeito nocivo dos gases que destroem a camada de ozônio.

Em seguida o embaixador argumenta que "compromissos de redução (das emissões) nos países em desenvolvimento significariam uma desacelaração drástica em seu crescimento econômico". Isso só é verdade se eles adotarem a mesma trajetória de desenvolvimento poluente e predatória que os atuais países industrializados adotaram no passado, quando se desenvolveram. A solução é adotar uma trajetória que incorpore ao processo de desenvolvimento as tecnologias mais modernas e menos poluentes, que não existiam no passado, mas existem hoje. Em outras palavras, adotar uma estratégia que lhes permita "saltar etapas". Foi assim que o Japão se industrializou, e mesmo o Brasil, cujo parque industrial é moderno em muitas áreas.

A China, neste particular (como a União Soviética no passado), está crescendo com tecnologias "sujas", que estão sufocando os próprios chineses com a poluição local (além das emissões de gases de efeito estufa). Argumentar que isso está ocorrendo porque os países desenvolvidos "não têm transferido tecnologias limpas ou recursos financeiros nos níveis requeridos" é uma visão que não só não é realista num mundo globalizado, como representa uma visão assistencialista do desenvolvimento, que se pode aplicar a certos países da África, mas certamente não se aplica à China, ao México e ao Brasil.

A visão um tanto desatualizada do embaixador se estende também a considerações de caráter ético, que ele faz quando discute a forma de tratar o "desmatamento", que é um dos grandes problemas do Brasil - uma vez que, de acordo com as palavras da própria então ministra do Meio Ambiente, "a dinâmica da devastação da floresta é mais rápida do que as medidas tomadas pelo governo federal para contê-la". A solução, segundo o diplomata, seria receber recursos do exterior para conservar as florestas, como doações filantrópicas. O embaixador é contrário ao uso de mecanismos de mercado para a conservação de florestas porque "enfraqueceria o regime da Convenção e abalaria a integridade do Protocolo de Kyoto", uma vez que, a seu ver, a inclusão de tais atividades envolveria o risco de se permitir "aos países do Anexo 1 bônus para aumentos de suas emissões na proporção do carbono estocado nas florestas e, em conseqüência, uma permissão para a inadimplência em cumprir suas metas de redução de emissões".

A rigor, o mesmo argumento se poderia aplicar ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e às novas tecnologias de captura e armazenamento de carbono, que países como a China estão sendo estimulados a utilizar para compensar as emissões das suas ineficientes usinas termoelétricas a carvão. Por este mecanismo as emissões também são reduzidas nos países em desenvolvimento e revertem em créditos para os países industrializados, mas trazem recursos e tecnologias para o desenvolvimento sustentável.

Não é verdade, portanto, que o MDL sirva apenas para resolver um problema dos países industrializados.

Finalmente, o embaixador descreve os progressos feitos pelo Brasil em reduzir voluntariamente suas emissões "sem a necessidade de metas", o que é verdade porque a produção de eletricidade no País é predominantemente hidrelétrica e o etanol, que é um combustível renovável, já substituiu cerca de metade da gasolina que seria usada sem ele. Isso, contudo, não se aplica a inúmeros outros países, como a China e os Estados Unidos, que usam exatamente os mesmos argumentos que o Brasil para não reduzirem suas emissões.

A posição do Brasil legitima esse comportamento.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

OESP, 19/05/2008, Espaço Aberto, p. A2

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