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Política ambiental de Lula

Ambientebrasil
Autor: GABEIRA, Fernando
13 de Set de 2005

Política ambiental de Lula

Fernando Gabeira

Quando o Lula se candidatou, pela quarta vez, à presidência, em 2002, o Partido dos Trabalhadores já tinha uma história de luta pelo meio ambiente. Do Acre, onde o seringueiro Chico Mendes morreu, tentando evitar o desmatamento, ao extremo sul do país onde se denunciavam as plantações ilegais de soja geneticamente modificada, o PT era uma referência nacional para os que resistiam ao processo de destruição.
O conjunto dessa experiência nacional foi sistematizado num programa, lançado às vésperas da eleição, em Santo André, no interior de São Paulo. Lula chegou à cerimônia de helicóptero, fez um breve discurso de apoio e levou consigo um exemplar da proposta, amadurecida ao longo de inúmeras discussões entre os militantes.
Um dos conceitos mais importantes desse programa era o da transversalidade. Se o meio ambiente fosse tratado como um setor estanque, sem contato com os demais, pouco se poderia fazer. Era necessário superar a fase em que as questões ambientais eram tratadas depois de tudo; mais ainda, era necessário conceber um programa onde a ecologia não fosse apenas um simples enfeite, cereja do bolo. Portanto, a idéia central era empolgar todos os setores do governo com as preocupações ecológicas.
O conceito não nasceu apenas da observação de outras experiências, como a dos paises nórdicos, onde existe uma sintonia maior entre a política econômica e a ambiental. O governo anterior ao de Lula, dirigido por Fernando Henrique Cardoso, produziu um programa de crescimento em quinze frentes, intitulado Avança Brasil. Por desconsiderar a variável ambiental na fase de planejamento, muitos dos projetos foram bloqueados na Justiça, causando perda de tempo e de dinheiro.
Como naquele momento, no segundo semestre de 2002, a vitória do líder sindical parecia assegurada, esperava-se, com certeza, o início de uma nova era na política ambiental brasileira. Essa expectativa foi reforçada após a vitória eleitoral, quando ele anunciou nos Estados Unidos o nome do novo ministro para o setor: a senadora Marina Silva, do Acre, companheira de Chico Mendes nas lutas de resistência à destruição da floresta.
Marina Silva, eleita pelo PT, já havia se destacado no Senado, vinha de uma família de seringueiros, alfabetizou-se já adolescente, tornou-se um nome de respeito internacional, daí o anúncio de sua escolha ter sido feito na primeira viagem de Lula após a eleição. Ela foi contaminada por mercúrio na juventude, um tipo de contaminação comum na Amazônia, onde existem muitos grupos de garimpeiros usando mercúrio para separar o ouro no leito dos rios.
As peças se encaixavam com perfeição: uma história de lutas ambientais, um bom programa e um nome para o Ministério do Meio Ambiente aclamado por unanimidade.
Os primeiros meses de governo varreram as ilusões dos que votaram em Lula desejando algo novo na política ambiental. A primeira medida foi autorizar a importação de pneumáticos usados, do Paraguai e Uruguai. São paises que não produzem pneus. Uma única fábrica uruguaia estava em crise profunda. Todos perceberam que os dois paises do Mercosul iriam importar esses pnemáuticos usados e redirecioná-los para o Brasil. Era uma decisão negativa para o meio ambiente. De um ponto de vista de segurança aumentava o risco de desastres, pois as estradas brasileiras estão semidestruidas; do ponto de vista de saúde, aumentava o número de pneumáticos velhos jogados nas ruas, armazenando água de chuva e atraindo o mosquito que propaga a dengue. Finalmente, era péssimo para as fábricas de pneumáticos brasileiros que não abririam novos postos, no mesmo ritmo de antes.
Aquilo ainda era pouco para duvidar da política do Partido dos Trabalhadores. Afinal, uma só medida equivocada pode ser um acidente de percurso. Numa viagem à região do Pantanal de Mato Grosso, uma espécie de santuário ecológico para onde convergem turistas nacionais e estrangeiros, Lula fez um discurso defendendo a industrialização daquela área.
O impacto desse discurso foi grande entre os que conhecem o Pantanal de Mato Grosso (¹), um ecossistema frágil, com rios ameaçados, constantemente invadidos por caçadores de pele de jacaré. Todos imaginavam a região crescendo dentro de um projeto de desenvolvimento sustentável, adaptado a sua singularidade. Em termos de proporções foi tão forte quanto a decisão de George Bush de explorar petróleo no Alasca.
Discursos, medidas isoladas como a de importacão de pneumáticos usados ainda não eram o bastante para convencer de algo havia mudado essencialmente na trajetória do Partido dos Trabalhadores. Somente no segundo semestre de 2003 surgiu a decisão que liquidava com todas as dúvidas. O governo Lula decidiu legalizar, através de uma medida unilateral, as plantações clandestinas de soja geneticamente modificada, no sul do país.
O programa de governo previa uma moratória na plantação de transgênicos no Brasil até que se concluíssem os estudos sobre sua repercussão no meio ambiente e saúde humana. A Constituição previa que medida desse tipo, liberação de transgênicos no ecossistema, só poderia se realizar depois de um estudo de impacto ambiental.
As sementes, contrabandeadas da Argentina, davam a vitória à multinacional Monsanto, que já estava dentro do país, lutando para dominar o mercado, não apenas com suas sementes mas também com seu defensivo, na base de glifosato.
Sem estudo de impacto ambiental, sem sequer levar à prática a diretiva, aprovada no Parlamento, de rotular os produtos geneticamente modificados, o Brasil entrou numa nova e incerta fase. Tanto os produtores de soja convencional como os de soja orgânica temiam pela contaminação de seus produtos. Um estado brasileiro, o Paraná, chegou a se declarar livre de produtos geneticamente modificados, impedindo que transitassem pelo seu porto.
Lula conhecia a delicadeza do tema. Ele o discutiu inúmeras vezes, não apenas com ecologistas mas também com o Movimento dos Sem Terra. Ele conhecia tão bem a dimensão do seu recuo que resolveu sair do país no momento em que a medida provisória seria assinada. Desta forma, a responsabilidade oficial pela medida ficou com o Vice-Presidente da República, José de Alencar. Industrial do ramo têxtil, José de Alencar afirmou que se sentia um pobre homem do interior tendo de decidir um tema de tal complexidade.
Meses depois, pressionando um Congresso bastante flexível à sua orientação, o governo aprovou uma lei de biossegurança que garante a entrada dos produtos geneticamente modificados, desde que examinados por uma comissão de cientistas, de um modo geral, simpática à engenharia genética.
Para aprovar a plantação de transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto de lei a aprovação de pesquisas científicas com células tronco, mobilizando centenas de portadores de doenças graves, esperançosos de uma cura pela genética. O debate acabou sendo polarizado em torno das pesquisas com células tronco, algo distinto de alimentos geneticamente modificados. A oposição à pesquisa com células tronco estava limitada a alguns grupos religiosos, católicos e evangélicos, assim mesmo os mais radicais.
Com suas dimensões o Brasil tem condições de abrigar transgênicos, convencionais e orgânicos, em sua produção agrícola. Entretanto, assim como no nuclear, o governo não tem recursos para importar uma tecnologia mais as medidas de segurança que requer. No caso dos transgênicos, a incapacidade de rotular, de segregar, de transportar isoladamente, pode comprometer o objetivo de produzir outras modalidades de alimentos, pelo potencial de contaminação.
Quando se formou uma aliança entre os verdes de dentro e fora do PT com os líderes sindicais, o modelo que estava na cabeça de todos era uma coligação verde-vermelha, que estava no poder na Alemanha, ou mesmo a que passou pelo governo da França, durante Lionel Jospin.
Dentro desse modelo, os trabalhadores representariam o lado vermelho, a social-democracia, embora as características do PT não sejam idênticas às dos partidos europeus, exceto na sua fase mais heróica, quando conduziram países como a Suécia, na difícil fase do pós-guerra.
A grande surpresa foi constatar que os dirigentes do PT, uma vez instalados no poder, não se comportavam diante da questão ambiental como social-democratas. Sua visão de mundo, nesse aspecto particular, assemelhava-se mais a dos partidos comunistas do leste europeu, que pregavam um crescimento a todo vapor, independente de suas conseqüências.
De uma certa forma, isto era compreensível. Um partido forjado nas lutas por emprego e crescimento econômico teria uma tendência natural a enfatizar o desenvolvimento. Mas o que ninguém esperava era que fossem subestimar a variável ambiental.
Um argumento importante para suavizar o desempenho do Partido dos Trabalhadores é se afastar desses episódios isolados, e examinar, com frieza, como se comportou diante de dois grandes problemas ambientais no Brasil: o desmatamento na  Amazônia e falta de saneamento básico nos grandes centros urbanos do país.
Também nesses dois campos, não foram registrados avanços. Os índices de desmatamento anuais rondam os 26 mil quilômetros quadrados, uma extensão que o próprio governo considera intolerável e que tende a crescer com o próprio ritmo da economia brasileira.
O saneamento básico, cuja ausência repercute na vida de nove milhões de crianças brasileiras, iria ser regulamentado por lei. Mas o governo não conseguiu, em quase três anos, formular uma proposta definitiva ao Parlamento. As últimas pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica), realizadas em 5500 municípios brasileiros, indicam que o problema foi considerado o mais grave de todos, por 53 por cento dos prefeitos.
A hesitação do governo diante do tema deriva também das contradições entre as diferentes correntes de governo. Há dúvidas se o serviço de saneamento deve ser particular ou estatal. Há dúvidas também sobre quem se encarregará dele, se o Estado da Federação, se são os Municípios ou consórcios de Municípios.
Considerando que este é um problema que a Inglaterra resolveu no curso de sua revolução industrial, o Brasil, equacionando-se a partir de agora, já estará muito atrasado.
Cerca de 70 por cento das doenças atendidas em hospitais brasileiros derivam de contaminação hídrica. A própria Organização Mundial de Saúde já teria advertido o país de que cada dólar investido em saneamento público representa uma economia de quatro dólares nos gastos com saúde.
Nessa questão nacional, portanto, estagnou-se perigosamente. Na internacional, isto é, no maior problema ecológico do planeta, as mudanças climáticas, houve um retrocesso. O Brasil, que teve um importante papel no debate que levou ao Protocolo de Quioto, desfez sua equipe de negociadores. E isto no momento em que poderia aproveitar de sua intervenção, criando oportunidades para o mecanismo de desenvolvimento limpo. Este instrumento do Protocolo foi uma sugestão da equipe brasileira e pressupõe a possibilidade de os países mais avançados reduzirem suas cotas de emissão, através de projetos nos países emergentes.
O mecanismo de desenvolvimento limpo foi aprovado por interesssar às partes. Os países emergentes se beneficiariam de capitais para seus projetos, e os mais ricos reduziriam suas emissões a um preço menor por tonelada de CO2.
As hesitações entre uma nova linha e o programa de governo, hoje quase totalmente abandonado, estendem-se também à questão nuclear. O primeiro ministro de Ciência de Tecnologia do governo Lula, um representante do pequeno Partido Socialista, defendeu o direito do país a construir uma bomba atômica.
Isso entrou em choque violento com as promessas de campanha, que defendiam uma auditoria no programa nuclear brasileiro, para calcular os prejuízos causados pela construção de duas usinas nucleares, em Angra dos Reis, um balneário situado entre Rio e São Paulo. Estas usinas custaram muito ao Brasil e funcionam com precários mecanismos de segurança, principalmente as estradas, que não permitem uma efetiva saída da população em caso de acidente. A estrada BR 101, durante o verão, tem mais de 100 pontos de bloqueio potencial, por causa das chuvas e de quedas de barreiras.
Uma comissão da Câmara dos Deputados, criada para avaliar o exercício de simulação de fuga, em caso de desastre, concluiu que as usinas nucleares brasileiras sequer tinham, no fim de 1999, uma sirene de alarme forte o bastante para ser ouvida pelos vizinhos. Este sinal de alarme inadequado estava ali desde o início da década e não foi mudado por falta de recursos.
Assim como na situação das estradas, este detalhe revela a dramaticidade do nuclear em países que conhecem apenas os recursos para erguer usinas, mas não têm fôlego financeiro para criar as medidas de segurança, freqüentes em países mais avançados e ainda assim questionáveis, dada à natureza do nuclear.
No momento, trava-se uma luta dentro do governo para se construir uma terceira usina, no mesmo lugar. Pressionado pelo Partido Verde, o governo da Alemanha decidiu concluir o acordo nuclear com o Brasil, retirando a possibilidade de financiar a terceira usina. A impressão que se tem é de que, obtido financiamento em outro lugar, a usina será concluída. Com a desistência alemã, as esperanças dos que querem construir a nova usina voltam-se para financiadores franceses.
No ano passado, o Brasil anunciou que detinha a técnica de enriquecimento de urânio e que estava se preparando para exportar o minério nos próximos anos. Ignorando a conjuntura internacional no pós 11 de setembro, o país atraiu o interesse da Agência Atômica Internacional.
Além da exportação de urânio enriquecida ser perigosa num momento em que terroristas podem construir bombas sujas, com material radioativo, o Brasil passou a confrontar as autoridades de Viena, pois não queria mostrar seu reator aos inspetores, argumentando que fez descobertas tecnológicas preciosas e temia que fossem passadas aos seus concorrentes.
Depois de abandonar seu reator a grafite desenvolvido durante o período militar, o Brasil construiu outro, desta vez com técnicos da Marinha, com o objetivo de mover um submarino de propulsão nuclear, projeto semi-paralisado por falta de recursos. Os avanços feitos nesse campo devem-se ao trabalho dos técnicos que se dedicam ao projeto do submarino. A tese de que a tecnologia brasileira contém segredos preciosos foi contestada pelo físico José Goldenberg, um dos críticos do programa.
De qualquer maneira, a distância entre discurso de campanha e prática de governo é abissal quando se trata do nuclear. O propósito programático era fazer uma auditoria nas usinas já construídas para enfatizar não apenas sua fragilidade em termos de segurança, mas sua péssima relação custo-benefício.
Esse conjunto de decisões que revelaram um outro PT, diferente do que fez a campanha eleitoral, ficou mais agravado ainda com a política indigenista. Durante os primeiros anos, o governo recusou-se a demarcar a terra dos índios. Só em maio de 2005, tomou uma decisão positiva, demarcando uma área de 1,7 milhão de hectares no Estado de Roraima, na Amazônia, área habitada por quatro etnias.
Para que chegasse a esta decisão foi preciso uma tragédia. Por incompetência no trabalho de assistência aos índios, 29 crianças morreram de desnutrição na região do Mato Grosso do Sul. Pertenciam a etnia guarani-caiuá, 11 mil pessoas vivendo uma área de apenas 2,5 mil hectares, ao lado da cidade de Dourados.
O escândalo da morte das crianças indígenas revelou a degradação da própria política indigenista. Uma comissão especial de deputados visitou a área constatando que os índios são acossados por plantadores de soja que envenenam seu ambiente, são explorados pelos comerciantes e, em grande parte, se refugiam no alcoolismo e no suícidio para enfrentar a decadência de sua cultura. Só este ano, 15 guarani-caiuás se enforcaram, protestando contra as condições em que vivem.
No meio de 2005, o governo esboçou uma reação, retomando a iniciativa da política ambiental. Assim como a demarcação das terras indígenas foi resultado do desgaste da subnutrição infantil em etnias como os guaranis-caiuás e xavantes, estava guardada na sua gaveta uma outra bomba: os índices de desmatamento na Amazônia, em 2004.
Apesar do governo de centro-esquerda, apesar de uma ministra que veio da própria floresta, o desmatamento, em 2004, como já indicado acima, foi de  26 mil km2, registrando um acréscimo e aproximando-se do recorde histórico, 29 mil km2 em 1999.
Diante desta situação, só restava a ofensiva, para atenuar o desgaste. O governo enviou, então, para o Congresso um projeto de lei regulamentando a concessão de florestas públicas para uso sustentável por madeireiras nacionais e estrangeiras. As concessões serão autorizadas por um prazo de até 60 anos e o argumento do governo é de que, sem elas, o processo de desmatamento vai prosseguir, sem vantagens para o país e, sobretudo, de forma não sustentável.
O projeto foi bem recebido por entidades não governamentais e tudo indica que sua aprovação ainda será feita, antes do final de 2005.  Não há garantia de êxito, pois em outros países a mesma proposta fracassou. No entanto, com os recursos tecnológicos para monitoramento, o Brasil tem condições de garantir o êxito das concessões.
O país dispõe, além de controle de satélites, um sistema de vigilância da Amazônia (SIVAM), aparato que custou US$ 1,4 bilhão, contendo aviões próprios, supercomputadores, radares. Esse aparato, potencialmente, é hoje o instrumento mais poderoso para monitorar a região e está disponível para outros países que compartilham a Amazônia.
Se considerarmos o fato de que o governo entra agora numa fase eleitoral e deve se submeter às urnas em 2006, é muito possível que exista uma tentativa de recuperar a confiança de ecologistas e simpatizantes que votaram no Partido dos Trabalhadores esperando uma mudança.
O grande problema é que promessas foram feitas em 2002. É possível que novas promessas enfrentem um certo ceticismo, mas a verdade é que, com um novo  mandato de quatro anos, caso eleito, Lula terá chance de começar de novo.
A tendência, a julgar pelo momento, é usar a questão ambiental para ganhar votos, não necessariamente dos ambientalistas ou simpatizantes. Um dos principais temas de campanha será o projeto de Lula de transpor as águas do Rio São Fancisco para levar água ao semiárido nordestino.
Este projeto tem a oposição do movimento ecológico, divide os técnicos e inclusive os estados por onde passa o rio. O São Francisco, que nasce em Minas Gerais, na Serra da Canastra, e desemboca no oceano, já no estado de Alagoas, no nordeste do país, percorre 2.800 quilômetros, com uma bacia de 640 mil km2.
Considerada a maior obra do governo, se realizada, a transposição do Rio São Francisco, rio da unidade nacional, pode, dependendo do curso dos debates, transformar-se no grande tema da campanha da reeleição de Lula. Só que, quatro anos depois de ter se apresentado com um programa ecologicamente correto, o tema reaparece no seu discurso de forma simetricamente oposta. Agora, o significado é o de suplantar os obstáculos ambientais, garantir água  e progresso para uma região semiárida.
O conjunto de seus pronunciamentos revela um presidente focado no crescimento econômico e no comércio internacional. Assim como se mostrou disposto a abrir mão de seu programa ambiental, no plano interno, reduziu também suas aspirações de direitos humanos em escala internacional.
Tanto a questão ambiental como a de direitos humanos tendem a ocupar um lugar modesto diante da tarefa de atrair capitais e aumentar a exportação dos produtos brasileiros. Daí a tolerância com o avanço de plantação de soja na Amazônia, ameaçando ecossistemas e poluindo importantes bacias fluviais, como a do Xingu; daí a decisão de considerar a China uma economia de mercado.
A relação com a China é decisiva para o Brasil, pois foi o desastre ambiental nas províncias do norte, provocado pelo superbombeamento da água disponível, que reduziu sua produção de grãos e a forçou a buscar mais ainda o mercado internacional. Estimulados pelos preços internacionais e pelas necessidades da China, os produtores brasileiros avançam pela Amazônia, ameaçando não apenas a biodiversidade das matas, mas também as etnias que ocupam a floresta.
A eleição de Lula significou um esforço para a colocação dos trabalhadores no governo. Sua perspectiva está ancorada nas aspirações dos operários fabris, principalmente daqueles da indústria automobilística, para quem a grande ameaça é queda de produção e fechamento de postos de trabalho.
Os trabalhadores intelectuais, que se juntaram ao PT numa esperança de convergência em torno da justiça social e da preservação do meio ambiente, foram lançados ao mar, nessa travessia em busca da aprovação de credores internacionais e crescimento físico da base produtiva.
O acúmulo de três décadas de debates sobre o meio ambiente, inclusive com a grande conferência da ONU, em 92, no Rio, não foi perdido para o Brasil. Embora relegado a segundo plano pelo governo Lula, continua vivo na sociedade.
Movimentos sociais, às vezes, consomem algum tempo para compreender que o aliado de ontem pode se tornar o adversário de agora. Era tão grande o desejo de evolução linear que muitos parecem ainda sonhar, como na frase do escritor brasileiro Fernando Sabino: no final tudo dá certo; se não deu, é porque ainda não chegamos ao final.”
São as incertezas do próprio processo econômico que podem conduzir, principalmente, o governo a uma revisão de sua prática ambiental. Isto já acontece no campo energético, onde a exemplo da Alemanha, foi aprovada uma lei de estímulo às fontes alternativas renováveis, principalmente a solar em algumas de suas modalidades, como a eólica e uso da biomassa.
O Presidente Lula interpretou o problema do aquecimento global e altos custos do petróleo como uma possibilidade para a biomassa brasileira. Daí um programa de incentivo à produção de biodiesel (na base do óleo da mamona), mas também um grande esforço para colocar o álcool no mercado internacional, seja para carros com motor flexível, seja para a mistura do etanol com a gasolina.
Nesse movimento rumo à energia solar, ele revelou a verdadeira natureza de seu governo. Não há nenhuma hostilidade ao meio ambiente. Toda vez que servir aos propósitos de abrir empregos e ampliar a exportação será levado em conta. Quando for um obstáculo ao crescimento econômico, só com muita pressão social seus defensores conseguirão demover o governo.
Nesse sentido, as possibilidades estão abertas. Embora tenha tido algumas tentações autoritárias de controlar a mídia, através de uma lei de imprensa; a televisão, através de normas para o audiovisual; e a linguagem cotidiana, através de uma cartilha politicamente correta, o governo é permeável às pressões, tem recuado quando não consegue sustentar seus erros. Isto quer dizer que está muito longe de ser uma novidade, mas significa uma continuidade no processo democrático brasileiro, iniciado com a queda da ditadura militar.
As promessas de mudança ao cabo dos primeiros anos começam a ser reavaliadas com serenidade. Eram promessas de uma esquerda que passou muito tempo longe do poder e trabalhava com uma idéia do Estado superior à sua realidade. Não se contabilizou, na campanha eleitoral, a redução do Estado nacional, sua perda de importância no mundo globalizado, nem a escassa autonomia do político no momento em que o grande esforço é sempre para tranqüilizar os mercados.
Isto não reduz a responsabilidade dos políticos, mas significa também que todos exageram um pouco quando sonharam em mudar o Brasil, mudando uma coligação no governo. Os que lutaram 25 anos para colocar uma nova composição à frente do país têm de se resignar a considerar, no mínimo, uma atualização de seus sonhos.
(1) O Pantanal  do Mato Grosso é uma região de 200 mil km2 e cerca de meio milhão de habitantes. A Unesco reconheceu a região, um das mais exuberantes do planeta, como Reserva da Biosfera, em 2000. De um ponto de vista hidrográfico faz parte da Bacia do Paraguai, constituindo-se numa planície de áreas alagadas, um mar interior como o descreve a denominação nativa: Xaraés. Só de aves, há 650 espécies catalogadas, perfazendo mais de 30 por cento das espécies registradas no Brasil.

Fernando Gabeira é deputado federal pelo Partido Verde

Ambientebrasil, 13/09/2005

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