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Polícia investiga chacina de garimpeiros

FSP, Brasil, p.A8
09 de Abr de 2004

Polícia investiga chacina de garimpeiros
Índios cinta-larga mataram pelo menos 4 pessoas em Rondônia; número de mortos pode ser maior, diz delegado

Rubens Valente
Da reportagem local

Um grupo de índios cinta-larga atacou a tiros anteontem cerca de 60 garimpeiros que extraíam clandestinamente diamantes na terra indígena Roosevelt, em Espigão d'Oeste (a 534 km de Porto Velho), deixando pelo menos quatro mortos, de acordo com seis garimpeiros ouvidos ontem pela polícia do município.
O delegado da Polícia Civil Raimundo Mendes de Souza Filho, 44, estimou, com base nos depoimentos, que o número de mortos pode chegar a 12.
Dois delegados da Polícia Federal foram deslocados da capital de Rondônia para investigar a chacina. A PF, que tem o poder de investigação em terras indígenas, não havia chegado ao local do conflito até o início da noite da ontem.
Sobrevivente da chacina, o garimpeiro Gerssi Fidelis Mendes, 34, disse ontem à Folha, em entrevista pelo telefone da delegacia de Espigão, que o ataque ocorreu por volta das 11h de anteontem na área de garimpo conhecida como Batom, às margens do rio Roosevelt, numa área de difícil acesso localizada a cerca de 140 km da cidade de Espigão. Mendes disse ter certeza de que pelo menos quatro colegas morreram.
O grupo atacado fazia garimpo manual, o mais rudimentar, com pás e picaretas e sem a ajuda de dragas, numa área perto do rio com 100 m de extensão. Segundo Mendes, aproximadamente "30 guerreiros" índios já chegaram dando tiros. Os garimpeiros correram em direção à mata e foram perseguidos pelos índios, que estariam armados de espingardas, pistolas e revólveres.
Mendes contou que corria ao lado dos amigos Francisco das Chagas Alves Saraiva, o "Baiano Doido", e de "Parasinho". Os índios gritavam "pára, garimpeiro". Segundo Mendes, Saraiva e "Parasinho" resolveram obedecer, alegando que poderiam dialogar com os índios e "ser libertados". Mendes continuou correndo e se escondeu na mata.
Passadas duas horas, Mendes retornou ao garimpo e encontrou duas covas rasas. Com a ajuda de outros garimpeiros que voltaram ao local, conseguiu desenterrar e confirmar a identidade dos corpos de Saraiva e "Parasinho".
"Eu peguei a corda, levantei [o corpo] pra cima, e [falei]: "Este é o Baiano'", contou Mendes. Voltou para o acampamento e descobriu que os índios haviam ateado fogo. Conseguiu achar uma calça e uma camisa e rumou a pé, com outros colegas, no meio da mata, por aproximadamente 36 km até uma parada de ônibus.
Mendes só chegou a Espigão no final da manhã de ontem, mais de 24 horas depois do ataque.
O garimpeiro soube que seus colegas acharam os corpos de outros dois garimpeiros. Algumas das vítimas teriam sido amarradas e raptadas, mas a informação também não havia sido confirmada pela polícia até o final da tarde de ontem. Mendes contou ter ouvido que um garimpeiro chamado "Irmão" foi morto pelos índios com um tiro nas costas.
Só angústia
Ao saber da chacina, a mulher de Saraiva, Maria da Guia Veras da Silva, 34, foi à delegacia e contou que o casal chegou a Espigão há cerca de 15 dias, vindo de Cacoal (RO). Ela disse que Saraiva, um pequeno comerciante na cidade, teria sido convidado por um índio para trabalhar no garimpo de diamantes.
Outro sobrevivente da chacina, o garimpeiro Divaldo Pinheiro Moraes, 40, passou ao delegado Raimundo de Souza Filho os nomes de outros garimpeiros que teriam morrido e que não estavam relatados no depoimento do garimpeiro Gerssi Mendes.
O delegado deu a notícia da chacina à Secretaria de Segurança Pública, que, a partir de uma determinação do governador Ivo Cassol (PSDB), criou uma força-tarefa com policiais civis e militares para dar apoio à Polícia Federal. Um helicóptero poderá ser usado na operação.
A prefeita de Espigão, Lúcia Tereza Rodrigues (PDT), disse que o número de mortes na ação de anteontem pode chegar a 20. Ela pediu que o governo federal decida "fechar ou organizar" o garimpo em Roosevelt. "Estou aqui na delegacia com dez mulheres chorando, crianças sem pai. Para nós só sobram angústia e problema social", disse a prefeita, por telefone.
A terra indígena Roosevelt, de 230.826 hectares entre os municípios de Espigão d'Oeste (RO) e Aripuanã (MT), é ocupada por 306 índios da etnia cinta-larga. Vizinhas de Roosevelt há outras áreas cinta-larga, que somam 2,7 milhões de hectares e 1.300 índios.

33 corpos foram tirados da área em três anos
Pelo menos 33 corpos foram resgatados da terra indígena Roosevelt nos últimos três anos, segundo o delegado da Polícia Civil de Espigão d'Oeste (RO), Raimundo Mendes de Souza Filho, 44.
De acordo com o delegado, as 33 pessoas foram assassinadas nos vários conflitos registrados nesse período na área. Pelo menos cinco eram índios.
O funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio) Walter Blós, 40, responsável pelo grupo-tarefa encarregado de evitar invasões na terra indígena, esteve anteontem na área e não foi informado pelos caciques João Cinta-Larga e Nacoça Piu sobre o confronto. Mesmo assim, avaliou ontem que é "possível ter ocorrido". Segundo ele, aumentou o número de invasões de garimpeiros na área. "Eles têm afrontado os índios", relatou Blós. "Recentemente, rasgaram o estofamento da camionete do cacique Ita Cinta-Larga dentro da aldeia."
Os vereadores de Espigão Walter Gonçalves (PPS), 27, e Cícero Sampaio (PSDB), 33, disseram que o governo federal "nada faz" para conter a violência na terra indígena.
A chefe de gabinete do governador Ivo Cassol (PSDB), Leandra Fátima Vivian, disse que o governo estuda entrar com uma ação na Justiça para obrigar a União a legalizar o garimpo ou mandar o Exército para a área com objetivo de evitar os confrontos. "Não acredito que os índios tenham matado garimpeiros. Acho que foi uma ação do crime organizado ligado aos contrabandistas de diamantes." Funcionário do governo na área de mineração, Thiago Fajardo disse que "existe um garimpo clandestino com a conivência da Funai". A Funai nega. (RV e HC)

Garimpo foi reativado por índios em 2003
Hudson Corrêa
Da agência Folha, em Campo Grande
Desde agosto do ano passado, os índios da etnia cinta-larga reativaram o garimpo de diamantes localizado numa região chamada Baixão do Laje, dentro da terra indígena Parque Aripuanã, em Pimenta Bueno (a 700 km de Porto Velho), Rondônia.
Em dezembro passado, a Agência Folha foi a primeira equipe de reportagem a receber permissão dos líderes do cinta-larga para entrar no garimpo. Os caciques João Bravo e Nacoça Piu e o gerente do garimpo Pandere Cinta-Larga disseram que apenas índios exploram diamantes e que a entrada de "brancos" é proibida.
A extração do diamante ocorre a 36 km da aldeia Roosevelt. Os índios usam camionetes Toyota Hilux e Bandeirantes, com tração nas quatro rodas, para vencer o atoleiro na estrada.
O local do suposto confronto ocorrido anteontem entre índios e garimpeiros (leia texto nesta página) está a poucos quilômetros do garimpo dos índios.
É uma clareira na mata onde ainda podem ser vistos restos dos acampamentos usados na época em que garimpeiros brancos dominavam a extração. Em janeiro de 2003, a Funai e a Polícia Federal retiraram cerca de 5.000 garimpeiros da área. Desde 1999, eles tinham permissão dos índios para explorar os diamantes.
Os garimpeiros voltaram para as cidades de Pimenta Bueno, Cacoal e Espigão d'Oeste, vizinhos à reserva dos cinta-larga.
Os índios aproveitaram os 25 motores deixados pelos garimpeiros. Essas máquinas são usadas para lançar água em buracos (três metros de profundidade) e sugar o cascalho no meio do qual estão as pedras preciosas.
Sem trabalho, parte dos garimpeiros passou a invadir a terra indígena "varando a mata".
Os cinta-larga afirmam que ativaram o garimpo para sustentar as aldeias na falta de recursos da Funai e pedem que o governo federal legalize a extração dos diamantes. Pretendem deixar de vender as pedras para contrabandistas e passar a vendê-las para a Caixa Econômica Federal.
Garimpo em terra indígena é ilegal porque a Constituição Federal determina que a mineração depende de lei ainda a ser aprovada no Congresso Nacional.
Conflitos entre os cinta-larga e brancos existem desde os anos 60. Em 1963, uma aldeia inteira em Mato Grosso foi destruída por garimpeiros e seringueiros.

FSP, 09/04/2004, p. A8

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