VOLTAR

Policia do PA prende Fogoio, suspeito de matar Dorothy

FSP, Brasil, p.A4-A5
21 de Fev de 2005

Polícia do PA prende Fogoió, suspeito de matar Dorothy
Acusado caminhava pela Transamazônica e não resistiu à prisão
Kátia BrasilDa Agência Folha, em Altamira (PA)
A Polícia Civil do Pará prendeu na noite de ontem o goiano Rayfran das Neves Sales, 27, conhecido como Fogoió, apontado como um dos supostos autores dos disparos que mataram a missionária Dorothy Stang. Ele estava foragido havia sete dias.Sales foi capturado por volta das 19h de ontem, numa ação da Polícia Civil com o apoio de soldados do Exército, enviados pelo governo federal para patrulhar a região sudoeste do Pará após o assassinato da freira, em Anapu.Ele foi levado para a delegacia de Polícia de Anapu (cerca de 520 km a sudoeste de Belém), onde aguardava transferência para Altamira. Ele seria escoltado por 36 soldados do Exército, além de carros das polícias Militar e Civil. Até o fechamento desta edição, o detido permanecia em Anapu.Em Altamira, que fica a 140 km de Anapu, Sales ficará na cadeia pública da cidade. Hoje ele deve prestar depoimento.Os policiais localizaram Sales na rodovia Transamazônica, próximo da comunidade de Pau Furado, entre Anapu e Altamira.A operação para capturar Sales começou no início da tarde de ontem, a partir da denúncia de Geraldo Magela Filho, 33, técnico da Associação Solidária Ecológica de Frutas da Amazônia, fundada por Dorothy Stang no PDS Esperança. Antes, os policiais já percorriam casas e revistavam ônibus exibindo fotos do acusado.Magela identificou Sales quando passava pelo km 100 da Transamazônica numa motocicleta, no sentido Belo Monte, por volta das 18h, a 35 km de Anapu. Sales andava no sentido oposto, estava descalço e usava bermudas e uma camiseta azul."Eu desconfiei pelo andar arqueado do homem", disse Magela, que costuma usar capacete e óculos escuros para não ser reconhecido, pois ele é ameaçado de morte na região.Na seqüência, o técnico da associação avistou um amigo, o qual pediu que subisse na garupa para "conferir". Ao notar que a moto se aproximava novamente, Sales ainda pediu carona.Magela então acelerou e pediu que o amigo se embrenhasse na selva para vigiar Sales enquanto ele se dirigia ao comando do Exército montado na cidade.Foi formada uma equipe de busca, que partiu para a área e deteve o foragido, que não resistiu.De acordo com o técnico, no primeiro contato, a polícia reconheceu Sales pela tatuagem de um escorpião que ele possui no braço direito.Com a captura de Rayfran Sales, Uilquelano de Souza Pinto, o Eduardo, e Vitalmiro Bastos de Moura -suposto mandante do crime- seguem foragidos. O crime, segundo a polícia, foi intermediado por Amair Feijoli da Cunha, o Tato, que foi indiciado ontem. Cunha está preso desde sábado e negou em depoimento à polícia participação no crime.Ainda de acordo com relato de Magela, ao ser capturado, Sales informou que Uilquelano de Souza estava embrenhado na selva seguindo a rede de fios de baixa tensão em direção a Pacajá (a cerca de 100 km de Anapu)."Não sei qual vai ser o resultado disso, estou muito preocupado com a minha vida, mas é preciso fazer justiça com a morte da irmã Dothy [como a religiosa era chamada pelos assentados]", disse.
Primeiro acusado preso é indiciado
A Polícia Civil do Pará indiciou ontem o agricultor Amair Feijoli da Cunha, 37, conhecido como Tato, acusado de co-autoria no assassinato da freira Dorothy Stang, na cidade de Anapu. Ele foi o primeiro dos suspeitos de envolvimento no crime a ser preso.Cunha foi indiciado (ato do delegado que qualifica uma pessoa como suspeita de crime durante o inquérito policial) por homicídio qualificado. O crime de homicídio qualificado prevê pena de 12 a 30 anos de reclusão.Em depoimento à Polícia Civil de Altamira (777 km de Belém), ontem, Cunha negou a participação na morte da freira. Como é investigado em dois inquéritos (polícias Civil e Federal), a PF também acolheu o depoimento. Ambas trabalham com a hipótese de crime "encomendado". Mas, para a PF o assassinato é decorrente de conflito agrário.Cunha é suspeito de ter contratado, a mando do fazendeiro Vitalmiro de Moura Bastos, dois supostos pistoleiros -Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, preso ontem, e Uilquelano de Souza Pinto, o Eduardo- para matar Dorothy Stang. Fogoió e Eduardo (ainda foragido) trabalhavam plantando sementes de capim para Cunha.O delegado da Polícia Civil Waldir Freire, responsável pelas investigações, disse "ter certeza" da participação de Cunha no crime. "Se não tivéssemos a certeza da participação dele e dos demais, não teríamos pedido as prisões preventivas", disse Freire.O depoimento à Polícia Civil foi conduzido pelo delegado Marcelo de Souza Luz, de Anapu, durou duas horas e 40 minutos e foi acompanhado pelo advogado do agricultor, Oscar Damasceno Filho, pelos promotores do Ministério Público Estadual Sávio Brabo e Edmilson Leroy e a advogada da Comissão Pastoral da Terra Antonia Santos. O advogado Augusto Septimio, que defende o fazendeiro Vitalmiro de Moura Bastos, também estava presente.Na delegacia da Polícia Civil, Cunha respondeu a 70 perguntas e foi levado à sede da PF. Após 30 minutos, retornou à Cadeia Pública de Altamira, escoltado por policiais do Comando Tático da PM. Usava as mesmas roupas que trajava quando se apresentou à polícia (bermudas, camiseta e chinelo) e um colete à prova de balas.Na porta da delegacia, a mulher do agricultor, Elizabeth Cunha, 33, disse que Cunha comprou três lotes de Vitalmiro de Moura Bastos e se mudou para Anapu.Segundo o advogado de Cunha, o agricultor comprou um lote nos fundos do PDS Esperança. O fazendeiro diz ser o dono.Cunha apresentou contradições entre seu depoimento à Polícia Civil e o das testemunhas. Uma delas foi ter negado que discutiu e falou palavrões para a vítima às 11h do dia 11, véspera do crime.Em depoimento, ele disse só ter visto a freira por volta das 15h, quando ela conduzia uma reunião, e que ficou assistindo.O agricultor também disse ter se escondido na mata desde o dia do crime, mas, por sua boa aparência, a polícia trabalha com a hipótese de que ele recebeu suporte enquanto esteve foragido. (KÁTIA BRASIL)
Inteligência da PF já atuava na área
Iuri DantasEduardo Scolese Da Sucursal de BrasíliaA Polícia Federal vem realizando ações de inteligência desde o início de 2003 na região onde foi morta a freira Dorothy Mae Stang, mapeando a ação de pistoleiros, grileiros e madeireiros, identificando quadrilhas de criminosos e apurando denúncias de movimentos sociais. Uma delas, da própria religiosa.O assunto não é divulgado pelo governo, por dois motivos simples: em primeiro lugar, o Palácio do Planalto e o Ministério da Justiça querem evitar a impressão de que já sabiam da tensão na região e da possibilidade do assassinato de Dorothy Stang, morta a tiros numa estrada de terra de Anapu.O segundo ponto diz respeito a restrições orçamentárias. No fim de 2003, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, chegou a anunciar a criação de uma delegacia da PF em Altamira, a cerca de 60 km de Anapu. Não saiu por falta de dinheiro.Na terça-feira da semana passada, a Folha divulgou cartas da missionária nas quais ela solicita auxílio do governo federal desde 2004. Numa delas, irmã Dorothy pede R$ 1.000 para a compra de gasolina para os carros da PF.Ao receber a notícia do assassinato da missionária no dia 12, o ministro da Justiça solicitou um relatório sobre as ações da PF na região. O levantamento, obtido pela Folha, foi transmitido três dias depois pelo superintendente da PF no Pará, delegado José Sales, para Brasília.Em novembro de 2003, a irmã Dorothy procurou a PF para denunciar que seguranças privados vinham atuando na região a soldo de fazendeiros. Uma equipe da PF foi enviada a Anapu, mas não realizou prisões, apenas apurou como atuavam os seguranças e a organização do grupo.As atividades de inteligência policial passam a ocorrer sistematicamente a partir da abertura de um posto avançado da PF em Altamira, em junho de 2004. A ênfase do trabalho visa identificar os grupos responsáveis por grilagem de terras e crimes ambientais.Os crimes ambientais são monitorados por via aérea. Um perito deslocado para Altamira tem a responsabilidade de fazer um levantamento fotográfico da região e apontar os locais de mais incidência do desmatamento.PF e Incra realizam em julho uma operação de combate ao trabalho escravo. A PF apreende dois caminhões com madeira, motosserras e revólveres.
Fazendeiro quer filial da UDR em Altamira
Principal entidade não-sindical de fazendeiros, a UDR (União Democrática Ruralista) está estudando criar uma filial da organização em Altamira (PA), onde, na semana passada, o Exército instalou uma base para tentar sufocar uma onda de assassinatos."Fazendeiros estão me ligando todos os dias para isso [criar uma sede no PA]. Eles reclamam a falta de uma liderança que possa lutar pelos interesses da classe", disse o presidente nacional da entidade, Luiz Antonio Nabhan Garcia.Segundo ele, os fazendeiros estão temerosos em relação ao pacote ambiental do governo, que criou unidades de preservação no Estado e interditou, por pelo menos seis meses, 8 milhões de hectares na margem esquerda da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163)."Há uma preocupação grande de os fazendeiros serem retirados de suas terras. O pessoal da região não pode sofrer as conseqüências de um ato isolado [morte da freira], disse. Atualmente, a sede nacional da UDR funciona em Presidente Prudente, no Pontal do Paranapanema (oeste de SP). (EDS)

FSP, 21/02/2005, p.A4-A5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.