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Autor: Wérica Lima
15 de Jan de 2025
Manaus (AM) - A ocupação dos indígenas na sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) segue sem diálogo com autoridades do estado e com ameaça de reintegração de posse. Na manhã de quarta-feira (15), a chegada de um efetivo de policiais de choque deixou em alerta as mais de 300 pessoas, a maioria indígenas, que ocupam a sede do órgão, em Belém. Os indígenas querem a revogação da lei que alterou a metodologia de educação escolar indígena no Pará. Até a publicação desta reportagem, a operação de uma possível reintegração de posse ainda não havia sido executada, mas os indígenas prometem continuar no local.
A liderança Alessandra Korap Munduruku, uma das indígenas à frente do protesto, relatou à Amazônia Real que ela estava na expectativa da reintegração na calada da noite desta quarta. Uma de suas preocupações é com a falta de comunicação, pois a energia e o fornecimento de água foram cortados no prédio da Seduc como forma de forçar a saída dos indígenas. Ela gravou um vídeo relatando que hoje (16) integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Pará, foram barrados pela polícia.
"Está chegando um monte de polícia, mas a gente não vai sair, a não ser que carreguem a gente com toda a violência que eles fazem aí a gente sai, mas como os nossos parentes falaram, se sairmos daqui, vamos para outra [secretaria], porque a gente não vai sair de Belém. Parece que vão querer entrar a noite, não tenho certeza", afirmou Alessandra.
Em vídeo nas suas redes sociais, o cacique Dadá Borari questionou o fato de o governador Helder Barbalho (MDB) mandar a polícia para reprimir os manifestantes ao invés de atender as reivindicações dos indígenas.
"Aqui atrás, dá para vocês observarem, está aí a polícia, a força, que ele [Helder] mandou para tentar haver uma negociação. Só que a polícia não sabe o que é educação, não sabe os princípios da educação escolar indígena e nem o princípio de um modo de ensinar e de viver a uma nação indígena que preza pela sua autonomia e sua sabedoria", disse o cacique, em sua rede social.
"Então esse é o governo do estado do Pará que tanto diz que é amigo de indígena. Assim? Mandando a polícia? Isso está tudo errado", complementou.
A Seduc não respondeu até a publicação desta reportagem se pediu a reintegração e se haveria ações para evitar algum conflito entre indígenas e os policiais.
A liderança Auricélia Arapiuns, da região do Baixo Tapajós, contou à Amazônia Real sobre a pressão que está sendo feita. "No início da manhã teve uma movimentação aqui com a chegada da Tropa de Choque da Polícia Militar e começaram a rodear o prédio, falaram que alguém disse que ia ter reintegração de posse, nós viemos conversar com a polícia e falaram que não é reintegração de posse, que estão aqui para garantir a segurança", disse.
Jornalistas barrados pela polícia
O clima ficou tenso no início da tarde, quando uma coletiva que estava marcada para acontecer às 15h foi cancelada. Os policiais, segundo os indígenas, impediram de ela acontecer dentro da Seduc. Eles também bloquearam a entrada de jornalistas para ouvir os indígenas sobre seu protesto.
Com o som dos maracás e gritando em conjunto "Deixa a imprensa entrar, deixa a imprensa entrar", e "Fora Rossieli", entre os discursos, a coletiva de imprensa da ocupação indígena contra o fim do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua substituição por aulas on-line do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemap), precisou acontecer do lado de fora da sede da Seduc do Pará, após a Rocam, da Polícia Militar, impedir a entrada dos jornalistas. Rossieli Soares da Silva é o secretário da Educação do Pará.
"Nós queremos saber qual é o problema da imprensa entrar aqui conosco e vir conversar de uma forma mais digna, com os povos indígenas que estão aqui neste momento, é uma forma de retaliação contra a imprensa e também uma forma de impedir que a imprensa divulgue realmente o que está acontecendo aqui dentro", disse em entrevista à Amazônia Real Auricélia Arapiuns, no momento em que a imprensa era barrada.
A coletiva, organizada por 14 povos indígenas com o objetivo de esclarecer à sociedade o motivo da ocupação e as reivindicações, precisou acontecer com os indígenas dentro da Seduc e os jornalistas do lado de fora. Os microfones foram colocados entre as grades e houve aglomeração devido o espaço inadequado.
Auricélia enxerga o impedimento como uma violação profissional e da própria Constituição Federal de 1988. "É uma violação dos direitos humanos, inclusive como aconteceu ontem no início da nossa ocupação aqui do nosso movimento e desde esse momento também essa violação constitucional livre da Imprensa", afirma.
A liderança afirma que houve toda uma negociação para a coletiva acontecer e que a polícia havia concordado em receber a imprensa dentro da sede.
"Nós conversamos com o coronel para que às 15 horas fizéssemos uma coletiva de imprensa e acionamos a imprensa, organizamos o local, organizamos as lideranças que vão pra coletiva, e agora na hora que a imprensa chegou para fazer a coletiva a polícia não deixou entrar", contou.
Segundo nota divulgada pelo Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor), a ordem veio da Casa Civil do Governo do Estado. "A Polícia Militar do Pará impede neste momento que trabalhadores da imprensa acessem o prédio da Seduc, para participar de entrevista coletiva com indígenas que ocupam o local. A proibição é do Coronel Mariuba que alega cumprir ordens do comandante da PM e da Casa Civil do Governo do Estado. Sinjor tenta acionar o secretário de segurança Ualame Machado, que não atende telefonema", diz a nota.
A ocupação
Desde ontem (14), indígenas de 14 povos do Pará ocupam a sede da Seduc no Pará pedindo que o Governo do Estado volte atrás na revogação da Lei 10.820/2024, que substitui professores, do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) por aulas gravadas e repassadas em TV's nas aldeias. Em 42 anos de Some, essa foi a primeira vez que o Sistema teve o capítulo 2 da Lei, que regulamenta o Ensino Modular Indígena, excluído.
O fim das aulas presenciais deve dar espaço às aulas do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemap), se o Governo do Pará não voltar atrás na medida.
Os indígenas pedem, além da revogação da medida, pela exoneração imediata do atual secretário da educação da Seduc do Pará, Rossieli Soares da Silva. O secretário já foi condenado por improbidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), por omissão em fornecer quatro documentos necessários a processo investigatório do Ministério Público, na época em que ocupou o mesmo cargo no estado. Ele também foi processado por dispensa ilegal de licitação.
Em vídeo publicado no perfil do Conselho Indigena Tapajós e Arapiuns (Cita), Alessandra Munduruku reafirmou a permanência dos povos na sede e que a reivindicação se estende agora até a BR-222, com ajuda dos parentes Gavião que fecharam a avenida, que liga Fortaleza (CE) a Marabá (PA), em apoio.
"Essa turma que está aqui é de lideranças, caciques, têm educadores e também tem alunos. Mexeu com a educação e com a saúde, mexeu com todo o povo do Pará, e vai mexer com todo o povo da Amazônia e do Brasil porque quando se tira direito está violando todo mundo, não é só Arapium, não é só Borari, não é só com os Tembé, são todos, porque nós, estado do Pará, somos mais de 50 povos indígenas".
Alessandra mandou um recado para Helder Barbalho. "Governador, se você não vir, vai piorar para o senhor", disse.
Sem diálogo com o governo do Pará, indígenas de diversas etnias bloquearam hoje (16) um trecho da BR 163, que ligada a cidade paraense de Santarém e Cuiabá, a capital do Mato Grosso, exigindo a revogação da Lei 10.820/2024 e reivindicando a educação presencial nas aldeias. O movimento de trabalhadores da Educação e dos povos da Amazônia já é o maior deste ano no Pará, que vai sediar a COP 30.
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