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Polêmica verde chega às prateleiras dos cosméticos

O Globo, Ciência, p. 42
01 de Nov de 2009

Polêmica verde chega às prateleiras dos cosméticos
Produtos orgânicos ganham adeptos, embora falta de regulamentação e reações alérgicas causem desconfiança na comunidade científica

Maria Vianna e Renato Grandelle

Uma nova indústria ganha adeptos, acumula lucros, mas ainda não conta com respaldo médico. Os cosméticos orgânicos, com produtos até cinco vezes mais caros do que os convencionais, apóiam-se no marketing verde para anunciar suas vantagens. As ditas benesses, porém, não são reconhecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e vistas com ressalvas por dermatologistas. De acordo com cientistas ouvidos pelo GLOBO, a composição baseada em vegetais nem sempre traz bons resultados. As plantas têm substâncias químicas que podem causar alergia, irritação ocular e até fototoxicidade - uma espécie de queimadura quando a pele é exposta ao sol.

A Anvisa cogitou criar uma regulamentação própria para os cosméticos orgânicos, mas a discussão não foi adiante. O posicionamento oficial da agência é de que as empresas que divulgam seus produtos como naturais o fazem apenas por marketing. Já o Centro de Pesquisas Químicas da Unicamp alerta para a falta de pesquisas provando a eficácia dos ingredientes naturais.

- Nunca recebemos uma fundamentação técnica suficiente para definir um cosmético como orgânico - ressalta Josineire Sallum, gerente-geral de cosméticos da Anvisa. - Como um produto dessa natureza vai garantir sua preservação sem o uso de conservantes químicos?
A falta de regulamentação que servisse como um referencial aos cosméticos orgânicos atentaria contra a segurança dos produtos. Prova disso é o registro de reações alérgicas em alguns consumidores. São fenômenos explicados pela presença de certas substâncias químicas em vegetais, mesmo naqueles cultivados sem uso de herbicidas ou agrotóxicos.

Para o professor João Ernesto de Carvalho, do Centro de Pesquisas Químicas da Unicamp, o controle de qualidade dos cosméticos orgânicos ainda precisa de ajustes.

- É obrigação do produto não ter resíduos de herbicidas, seja ele orgânico ou convencional - alerta. - Divulgar só essa informação, como se fosse um diferencial, não passa de uma estratégia para atrair o consumidor. O ponto fraco dos cosméticos orgânicos é a falta de estudos clínicos que comprovem a sua eficácia.

A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também desconhece estudos que mostrem a superioridade dos cosméticos orgânicos sobre os demais.

- É um mito dizer que esses cosméticos são mais seguros - afirma Flávia Addor, do Departamento de Cosmiatria da SBD. - Faltam estudos sobre as propriedades biológicas dos produtos orgânicos.

Eles podem trazer danos à pele da mesma forma e proporção que os artigos convencionais.

A falta de reconhecimento não inibe o mercado, que reserva novidades para os próximos anos.

Uma delas é a expansão dos cosmecêuticos, cápsulas que, além de proteger a pele, fazem as vezes de suplemento alimentar. Os próprios fabricantes, porém, alertam que o uso de filtro solar não pode ser dispensado.

Fabricantes apostam em cosméticos comestíveis
A boca é mesmo a maior aposta do mercado de cosméticos. Algumas empresas estrangeiras, como as americanas Intelligent Nutrients e Yes to Carrots, investem em produtos comestíveis, como o batom feito com manteiga de cupuaçu e o spray de cabelo, composto por óleo de buriti e açaí, que pode ser bebido.

Por trás do exotismo que move vaidosos (e gulosos) lá fora estão empresas brasileiras. Fornecedora de matériasprimas para quase 50 países, a Beraca inaugurou, no ano passado, uma nova fábrica na Amazônia - além de uma filial em Paris.

- Enquanto a pele absorve tudo, o sistema digestivo tem muitas formas de filtrar substâncias danosas. Por isso há empresas que, agora, só investem em cosméticos que podem ser ingeridos - explica Filipe Sabará, diretor de negócios da Beraca.

Dois anos atrás, 18% do faturamento da empresa vinha de exportações para fabricantes de cosméticos. No ano que vem, este setor responderá por metade do lucro computado por Sabará. Para atender à demanda, a Beraca capacitou cooperativas e associações na Amazônia, garantindo a entrega de produtos de regiões onde só é possível chegar de barco - e, ainda assim, depois de três semanas de viagem.

A Beraca não é a única a usufruir do sucesso dos produtos verdes. Uma das líderes do mercado nacional, a Weleda usa o respeito aos ciclos naturais como porta-bandeira de suas ações. Segundo a diretora-executiva da empresa, Mara Pezzotti, as representantes nacionais do setor podem compensar a falta de regulamentação governamental criando um padrão único de qualidade - uma iniciativa bemsucedida na Europa.

- Há muitos produtos que só anunciam a presença de um ingrediente natural. Se criarmos uma associação e um selo de qualidade, vamos conscientizar o consumidor - opina.

- Mesmo havendo eventuais reações alérgicas, é melhor usar no corpo o composto de uma planta do que um derivado do petróleo.

O Globo, 01/11/2009, Ciência, p. 42

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