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Poder local

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: LEITÃO, Sérgio
05 de Ago de 2008

Poder local

Sérgio Leitão

A areia do Deserto do Saara que cai sobre os automóveis em Roma e a chuva da Amazônia que rega as flores do jardim da nossa casa - esteja ela construída em Alter do Chão (PR), no Jardim Ângela (SP) ou no Leblon (RJ) - apontam para a necessidade de uma participação cidadã na proteção do meio ambiente em escala planetária e no universo particular de cada um de nós. Vivemos a era do encontro do local com o global. É preciso não só pensar globalmente e agir localmente, mas praticar também a lógica reversa. A maratona de eleições municipais é uma excelente oportunidade para o debate de soluções ambientais que tramem a articulação do local com o global.
0 debate sobre mudanças climáticas, por exemplo, trava-se nos salões da ONU. 0 estado da Califórnia e a cidade de Nova York, no entanto, conseguiram quebrar o monolitismo do governo Bush de se negar a implementar o Protocolo de Kioto com políticas ambientais locais eficientes. Podemos fazer o mesmo e melhor. Estabelecer Planos Municipais sobre Mudanças Climáticas, com metas de redução de emissões de gases do efeito estufa e eficiência energética, ancorados em um Código Ecológico de Construções Sustentáveis, pode ajudar a suprir a falta de vontade do governo Lula de adotar medidas concretas para resolver a crise.
0 presidente alega que adotar medidas como o fim do desmatamento na Amazônia e a fixação de metas nacionais de emissões de gases de efeito estufa irá travar o crescimento. As prefeituras podem provar o contrário.
Outro tema global que deve ser tratado em nível local é a má distribuição de renda e seus efeitos para o meio ambiente. As diferenças no padrão de vida entre os pobres e os ricos de qualquer das nossas cidades são muito mais acentuadas do que entre brasileiros e europeus. Muita gente boa por aqui já consome como um americano bem nutrido, basta olhar a quantidade de lixo que produzimos. De acordo com o IBGE, são recolhidos diariamente 230 milhões de quilos de lixo domiciliar e comercial. Quase 60% desse total é jogado em lixões a céu aberto.
Prever nas leis municipais que cada um responda pelos custos do lixo que gera preenche a lacuna deixada pelo Congresso Nacional, que desde 1999 discute o projeto de lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Os municípios estariam assim liderando as discussões sobre lixo e consumo.
Podemos começar a discutir nas cidades a nossa dificuldade de reduzir o nosso conforto, porque, como diz Umberto Eco, os resíduos "nascem do bem-estar que ninguém quer mais perder".

Sérgio Leitão é diretor de políticas públicas do Greenpeace.

O Globo, 05/08/2008, Opinião, p. 7

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