O Globo, O Pais, p.13
05 de Nov de 2004
Pobreza sustenta o alto índice de reciclagem
Cássia Almeida
O Brasil está no primeiro mundo na reciclagem de lixo, chegando a quase 89% de reaproveitamento das latas de alumínio, mas a consciência ecológica ainda está longe de atingir os níveis dos países desenvolvidos, segundo os dados reunidos pelo IBGE nos Indicadores de desenvolvimento sustentável, divulgados ontem. A pesquisa expõe a distância entre a reciclagem e a coleta seletiva de lixo. Enquanto a quase totalidade das latas de alumínio é reciclada, apenas 1,9% do lixo é coletado de forma seletiva. O IBGE, na publicação, relaciona o alto índice de reciclagem à pobreza e ao desemprego no Brasil:
A situação não é tão confortável como os dados parecem indicar. Esse índice alto reflete, em parte, a miséria no qual uma parcela da população brasileira vive afirma Judicael Clevelário Júnior, coordenador dos indicadores ambientais da pesquisa.
Segundo o técnico do instituto, o Brasil não repete o padrão observado no Japão e na Europa, onde há separação do lixo e coleta seletiva, práticas que sustentam a reciclagem. No Brasil, apenas 451 cidades recolhem o lixo separadamente, o que representa apenas 8,2% do total de municípios. Na parcela de residências, o percentual não chega a dois dígitos: são apenas 6%.
Se a economia melhorar e esse exército de catadores conseguir emprego, esse índice de reciclagem pode baixar avisa Clevelário.
Garrafas pet têm os piores indicadores
Na outra ponta, os percentuais de material reciclado só fazem subir. Em 1993, 50% das latas eram reaproveitadas, no ano passado, a taxa já alcançou 89%. O preço mais compensador (R$ 4,40 por quilo) faz esse produto ostentar a taxa mais alta. Já as garrafas pet, ainda de baixo valor de mercado, alcança 35%, a menor na comparação com o vidro (42%), latas de aço (49,5%) e papel (43,9%):
Se houver uma taxação mais forte do pet na saída da fábrica, a empresa será pressionada a recolher o plástico. O ganho será ambiental e de imagem afirma o técnico.
Wanderson Soares da Silva, coordenador do projeto Reciclar, que funciona na Igreja São Sebastião, em Olaria, concorda com o Clevelário. A cooperativa reúne 890 catadores que trocam as latas, vidro, papelão e plástico por cestas básicas:
Acabou o emprego e só sobrou revirar o lixo para gerar alguma renda. Não está ligado à consciência ecológica. Mas, se essa população conseguir emprego, larga o lixo.
Sonia Regina da Conceição Santana há quatro anos vive do lixo. Trabalhava como costureira quando a confecção fechou. Com a mãe doente e sem emprego partiu para catar qualquer tipo de lixo em busca das cestas básicas oferecidas pelo projeto. Ela passou, então, a separar o material recolhido e, hoje, tem um emprego no projeto, no qual ganha R$ 480 por mês.
Acabei gostando da reciclagem. Acho que não largo o emprego. Ainda recolho latas de amigos para trocar por cestas básicas afirma.
Vera Chevalier, da ONG Ecomarapendi, que já estimulou a criação de 72 cooperativas de reciclagem que reúnem cerca de 1.500, não vê risco de a atividade perder força:
Mesmo sem a coleta seletiva patrocinada pelo poder público, a sociedade começa a se organizar e separar o lixo.
País caminha devagar para desenvolvimento sustentável
Lydia Medeiros
O Brasil caminha em velocidade muito lenta rumo ao desenvolvimento sustentável. Há avanços para aliar crescimento da economia, preservação ambiental e combate à miséria, mas as desigualdades persistem, a violência é um entrave e o saneamento básico ainda é precário. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mapeou essa trajetória rumo ao desenvolvimento consistente, amparado em 59 indicadores sociais, econômicos, ambientais e dos esforços institucionais.
O país progride em praticamente todos os aspectos. O brasileiro vive mais. Quem nascia em 1992 esperava viver até 67,3 anos. Os nascidos em 2003 podem chegar a 71,3 anos. A mortalidade infantil caiu no país, mas as desigualdades regionais ainda tornam o problema grave. Alagoas é destaque negativo nesse indicador. A taxa de mortalidade no estado é de 57,7 por mil nascidos vivos. A média nacional é de 27,8. Os alagoanos também são os que morrem mais cedo a esperança de vida ao nascer é de 64 anos, a menor do país.
Segundo o IBGE, o maior problema é a velocidade na solução dos problemas. É baixa, afirmam os técnicos.
O presidente Lula vem saudando a melhora dos indicadores da economia como um passo importante para o desenvolvimento sustentável. Mas, além dos aspectos econômicos, há problemas sociais e ambientais a atacar. A escolaridade no país ainda é baixa: em média o brasileiro passa 6,1 anos na escola, menos que os oito anos do ensino fundamental. Brancos e negros não têm as mesmas chances, e o analfabetismo não foi erradicado.
Nesse ritmo, nem em dez anos vamos acabar com o analfabetismo afirma a geógrafa Denise Kronemberger, que avaliou os indicadores sociais da síntese apresentada pelo IBGE.
Mais uma vez, as disparidades entre os estados são gritantes: no Distrito Federal, uma pessoa branca consegue ficar 9,6 anos na escola. Já para um negro alagoano, a vida escolar é de 3,3 anos.
Racionamento muda uso de energia
Aos poucos, a energia começa a mudar de cara no Brasil. O racionamento ajudou a incrementar o uso de gás natural e as fontes não-renováveis (petróleo e gás) ganharam espaço: em 1992, representavam 52,4% do que era ofertado no país; em 2002, essa taxa subiu para 59%. Enquanto as fontes renováveis (hidrelétricas) que eram responsáveis por 47,6% da oferta em 1992, em 2002, viu sua participação cair para 41%, de acordo com os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável.
O racionamento e a instalação das termelétricas, movidas principalmente por gás natural, fizeram esse tipo de energia aumentar a participação afirmou Flávio Bolliger, da diretoria de Geociência do IBGE.
Consumo per capita é inferior ao da AL
E os indicadores de consumo de energia per capita também refletem a pobreza no país. A taxa brasileira, de 41,6 gigajoules (unidade que condensa todas as formas de energia), é inferior à média dos países da América Latina, de 52. Segundo Bolliger, a pobreza afasta a população de certos bens, como carro e eletrodomésticos, por isso a taxa mais baixa aqui. Nos Estados Unidos, esse consumo chega a 361 e, na Argentina, a 72. Na comparação com a China, o Brasil se aproxima. Lá a taxa é de 40 gigajoules:
Nosso clima também ajuda a consumirmos menos energia. (Cássia Almeida)
Saneamento é problema grave
Destino do lixo acumulado que sai do Rio, o Aterro Sanitário de Gramacho, em Duque de Caxias, deve acabar em 2005. Criado em 1978, o Lixão é um exemplo do problemas que o país enfrenta com o saneamento básico. No próximo ano, o lixo carioca vai para a um aterro sanitário em Paciência, bairro da Zona Oeste.
A Síntese de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, apresentada ontem pelo IBGE, mostra que entre 1992 e 2002 o acesso à coleta de lixo foi um serviço que cresceu em todo o país. No Sul e Sudeste, já atinge 98% dos domicílios nas regiões metropolitanas. No Norte e Nordeste, a situação é pior e não chegam a 90% os domicílios atendidos.
Hélio Porto, coordenador da Fase, organização não governamental que estuda os problemas da Baixada Fluminense, afirma que os números apresentados pelo IBGE sobre a coleta do lixo, indicando melhoria, ainda não são a realidade dos municípios da Baixada.
Segundo o biólogo Judicael Clevelario, responsável pela análise dos indicadores ambientais apresentados pelo IBGE, nem a metade do lixo coletado no país tem destinação adequada, ou seja, é disposto em aterros sanitários, vai para estações de triagem, reciclagem e compostagem. Em Roraima todo o lixo tem tratamento inadequado: é deixado a céu aberto, em áreas alagadas, ou queimado sem nenhum tipo de proteção ou controle. Já no Nordeste, o Ceará é um destaque positivo: 72% do lixo recebe tratamento correto.
O Globo, 05/11/2004, p. 13 (O País)
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