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Pobreza como agente poluidor preocupa a ONU

JB, País, p. A2
07 de Dez de 2003

Pobreza como agente poluidor preocupa a ONU
Gerente de programas de meio ambiente sugere políticas específicas

Israel Tabak

O americano Walt Reid, gerente de programas de meio ambiente das Nações Unidas, não tem ilusões: no Brasil, como em outros países com grandes carências sociais, é muito forte o impacto da pobreza sobre os ecossistemas. Por isso - enfatiza - são necessárias políticas específicas para evitar situações como a ocupação predatória das margens dos rios e das encostas, nas áreas urbanas, para moradia.
PhD em ecologia, Reid explica que os pobres são a camada da população mais dependente do ecossistema. Dá um exemplo:
- Se um solo se esgotar, por mau uso, o pobre não tem condições de torná-lo novamente produtivo, para que volte a render. A terra, simplesmente, se tornará imprestável, sem remédio.
Qualquer eventual preocupação ecológica das camadas mais pobres é sufocada pela necessidade de sobrevivência tornando prioritárias ações governamentais e de toda a sociedade - analisa Reid.
O especialista americano veio ao Rio participar de um workshop sobre o programa da ONUAvaliação do Ecossistema do Milênio, do qual é diretor, e ouviu de outros participantes análises que convergem para o mesmo ponto.
Quando Olavo Carneiro, assessor técnico da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca fala sobre a importância do seguro-defeso ou quando o presidente para a América Latina da multinacional Du Pont, Henrique Ubrig, se refere à dívida social, os dois estão abordando um só problema.
- O seguro-defeso, que garante renda ao pescador, em épocas de pesca proibida, é, na realidade, uma política de desenvolvimento sustentável, porque evita que, por desespero, ele trabalhe em sua atividade nesse período, ameaçando espécies em extinção - explica Olavo Carneiro.
Henrique Ubrig, conselheiro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - organizador do workshop -, afirma que a dívida social leva a tensões, com repercussões ambientais:
- A sociedade não aceita mais irresponsabilidade nesta área e o setor privado precisa ficar muito atento, ajudando a incluir uma parcela maior de brasileiros no setor produtivo. O Brasil tem que crescer e se tornar mais justo, sem tirar da natureza mais do que ela pode dar.
A natureza dos regimes políticos também tem relação com o grau de poluição - alerta Walt Reid. Nos regimes fechados costuma ser maior a devastação. Nas democracias, quando existe a vigilância social sobre as decisões de governo, cresce o cuidado dos administradores e burocratas. Mas existe um complicador:
- As medidas para corrigir ou evitar fatores de poluição ou devastação costumam ter efeito lento. E as populações ficam impacientes, querendo que os resultados apareçam logo, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.
Walt Reid diz que Avaliação Ecossistêmica do Milênio é um programa que tem como principal enfoque a ênfase no desenvolvimento sustentável, aquele que usa racionalmente os recursos naturais. Cientistas estão estudando diversas regiões do planeta para nortear a tomada de decisões dos governos e de toda a sociedade:
- É importante que autoridades e o setor privado trabalhem em conjunto, evitando barreiras e polarizações, como a discussão sobre priorizar o desenvolvimento ou a proteção dos ecossistemas. Todos devem se conscientizar de que é possível conciliar as duas situações.
O documento com as conclusões dos estudiosos deve ficar pronto em fevereiro de 2005, mas uma primeira versão será pública a partir do início do ano que vem.
- A ótica é a de considerar os ecossistemas como provedores de serviços de toda sorte para o bem-estar das sociedades. Para preservar esses serviços e ajudar na tomada de decisões racionais é que foi idealizado o programa - afirma Reid.

A consciência que vem das catástrofes

Apesar do susto e das vítimas, catástrofes como as que castigaram há dias a França e Austrália tendem a produzir um efeito paradoxalmente positivo, na avaliação de Walt Reid:
- Essas ocorrências estão cada vez mais freqüentes e atingindo maior número de pessoas. Quando um esquiador não consegue praticar o esporte porque a área degelou, sente na pele o que está por vir. O lado bom é que fatos como este podem levar um número maior de pessoas a pressionar os governos para que sejam combatidas as causas das catástrofes.
Reid comenta que o setor empresarial, pelo volume de atividades, é o que tem maior responsabilidade no esforço para mudar o quadro:
- Nós, consumidores, também temos culpa. Reclamamos mas continuamos comprando das indústrias que produzem sem respeitar os limites da natureza.
Para aumentar a apreensão sobre novas catástrofes previstas pelos cientistas, o presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento (CEBDS), Fernando Almeida, dá mais exemplos: se a economia mundial crescer a uma taxa média de 3%, em 2050 o planeta já não terá mais recursos naturais para atender a sociedade. Para a Amazônia, o vaticínio também é sombrio: "Se for explorada para colocar gado, simplesmente acaba."
Por falar em extinção, Almeida lembra um fenômeno bem mais próximo dos cariocas: a pesca predatória, na costa do Estado do Rio, praticamente acabou com as sardinhas e com as indústrias que beneficiavam o produto. O presidente do CEBDS não vê meio-termo:
- As grandes empresas que não se ajustarem, insistindo em desprezar o princípio da sustentabilidade, vão quebrar. A dimensão ambiental hoje é inerente à produção.
Fernando Almeida explica que quem segue os princípios do desenvolvimento sustentável é mais competitivo e econômico.
- Quando alguém aprende a usar racionalmente os recursos naturais, sem desperdícios, barateia a produção. Sem falar na melhoria da reputação da empresa, que hoje representa em torno de 70 a 80% de um negócio.
O efeito esponja é um bom exemplo de como a natureza presta serviços ao homens - continua Almeida. Quando as florestas e matas não são devastadas, funcionam absorvendo a água das chuvas e evitando as enchentes. Quando isso não ocorre - e o Brasil é pródigo nesse tipo de evento - as catástrofes aumentam.
Uma das principais funções da Avaliação Ecossistêmica do Milênio - diz o presidente da CEBDS - é de indicar meios eficientes de preservar ao máximo esses serviços, o que pressupõe também o uso de novos processos tecnológicos.
- No Brasil, há um grupo de elite do empresariado brasileiro consciente de que é possível produzir com eficiência, sem forçar os limites da natureza - afirma Almeida. (I.T.)

JB, 07/12/2003, País, p. A2

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