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Pobre Roraima. Pobre Brasil

CB, Política, p. 4
11 de Abr de 2008

Pobre Roraima. Pobre Brasil
Enquanto Lula discursa na Holanda sobre a necessidade de produzir mais alimentos, em Roraima a polícia dele quer a todo custo tornar improdutivas terras em que a vegetação natural já foi há muito tempo removida e que há anos serve para cultivar arroz

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

Ontem, na Holanda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, admitiu finalmente que a inflação mundial nos preços dos alimentos é um problema. Corretamente, localizou a raiz do fenômeno na expansão do consumo dos emergentes planetários. Mas Lula continua se recusando a admitir o óbvio: a expansão acelerada da produção de biocombustíveis, o etanol incluído, é um forte vetor da elevação do custo da comida.

Em seu discurso europeu, o presidente repisou a tese de que o Brasil tem terras abundantes, em quantidade suficiente para plantar cana-de açúcar para o etanol, cultivar cada vez mais grãos e criar cada vez mais gado. Tudo ao mesmo tempo. E mantendo intocadas as florestas restantes. E expandindo cada vez mais as terras indígenas. É claro que poucos crêem na promessa presidencial. Aqui neste espaço vimos perguntando há meses: se a coisa é assim, por que faltam áreas para a reforma agrária, conforme reclamam os responsáveis pelos programas de distribuição de terras do governo federal?

Enquanto Lula viaja pela Europa reconhecendo parte da realidade e tentando vender o que não tem para entregar, na Amazônia a Polícia Federal procura pela enésima vez colocar em prática uma das mais desastradas decisões presidenciais desde a posse. Tenta retirar da reserva indígena Raposa/Serra do Sol produtores de arroz e índios que se negam a esvaziar propriedades que cultivam, em alguns casos, há décadas.

A PF está sozinha na empreitada, já que as Forças Armadas justificadamente se recusam a participar da operação. O Exército não tem mesmo por que ajudar a enfraquecer a presença do Estado brasileiro na fronteira norte do país nem por que se dobrar a interesses estrangeiros que operam por meio de organizações não-governamentais de fachada.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal interveio para suspender a insana operação e parou toda e qualquer ação de despejo até que sejam julgados os recursos sobre o tema na suprema corte. Ganha-se, portanto, tempo para tentar uma saída que atenda ao interesse nacional.

A crise em Roraima era perfeitamete evitável. Bastava fazer convergir as diversas demandas e aprovar a demarcação do território indígena excluindo dele as áreas já há muito tempo absorvidas pela civilização. Alguns anos atrás, os dois lados estavam próximos de um acordo. Que entretanto foi bloqueado devido às intransigências fundamentalistas encasteladas na Esplanada dos Ministérios.

Ou seja, a crise foi exportada de Brasília para Roraima. Tivéssemos um Congresso Nacional menos omisso, certamente as autoridades responsáveis pela criação do impasse já teriam sido obrigadas a prestar contas aos representantes do povo. Talvez já estivessem fora de suas cadeiras. Mas não. Num Brasil em que infelizmente o patriotismo virou palavra fora de moda, os brasileiros que lutam para manter a bandeira verde-amarela hasteada no nosso extremo norte são tratados pelo governo federal como bandidos.

É uma atitude que rende aos nossos líderes palmas no Primeiro Mundo. Infelizmente, e isso não começou neste governo, há entre nós quem prefira ouvir o aplauso do colonizador do que escutar a voz dos cidadãos que aqui lutam para proporcionar um futuro melhor aos seus filhos e ao país.

Enquanto Lula discursa na Holanda sobre a necessidade de produzir mais alimentos, aqui dentro a polícia dele quer a todo custo tornar improdutivas terras em que a vegetação natural já foi há muito tempo removida e que há anos serve para cultivar arroz. Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. Sintomaticamente, Lula nunca foi a Roraima desde que se sentou na cadeira presidencial. Não manifesta a menor vontade de colocar seu prestígio a favor de uma solução negociada para o problema. E age como se o estado fosse um estorvo. Pobre Roraima. Pobre Brasil.

CB, 11/04/2008, Política, p. 4

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