VOLTAR

Plebiscito do gás boliviano dá vitória ao governo

OESP, Internacional, p. A12
19 de Jul de 2004

Plebiscito do gás boliviano dá vitória ao governo
Eleitores rejeitaram argumentos dos radicais que queriam estatização pura e simples do setor

LA PAZ - A maioria esmagadora da população boliviana, segundo projeção da rede de televisão ATB, optou ontem, em referendo, pela proposta do governo de um novo projeto de lei sobre hidrocarburetos. Convocado pelo presidente Carlos Mesa, o referendo pediu basicamente aos bolivianos que decidissem se desejavam ou não a estatização da exploração e comercialização dos 55 trilhões de metros cúbicos de gás do país. "Os eleitores disseram 'sim' no referendo, permitindo as exportações de gás e um aumento do controle estatal sobre as reservas", exultou Mesa.
Segundo analistas, o que o governo visou, na realidade, foi a uma nacionalização controlada. Ampliará soberania sobre reservas de gás sem ferir interesses de empresas já instaladas no setor, como a Pebrobras e a British Petroleum. Grupos radicais rejeitam essa iniciativa. Querem colocar toda a exploração e comercialização nas mãos do Estado. Outros ainda mais radicais propõem o uso do gás apenas para consumo interno, sem venda ao exterior. "As cinco questões propostas no referendo tiveram, cada uma, o 'sim' como resposta", disse Mesa. A nova lei vai se fundamentar nessas questões que, segundo a ATB, tiveram a seguinte votação:
- Revogação da atual lei dos hidrocarburetos: sim, 87,3%; não, 12,7%.
- Recuperação da propriedade dos hidrocarburetos na "boca do poço": sim, 92,4%; não, 7,6%.
- Refundação da empresa estatal de petróleo: sim, 86,9%; não, 13,1%.
- Uso do gás como recurso estratégico para negociar uma saída para o mar: sim, 60,1%; não, 39,9%.
- Exportação do gás, mediante cumprimento de algumas condições: sim, 67,6%; não, 32,4%.
Desafiando as ameaças de sabotagem e apelos de boicote desses grupos, os bolivianos compareceram em massa ao referendo, informou o ministro do Interior, Alfonso Ferrufino. Com exceção de dois incidentes, transcorreu de forma tranqüila em todo o país. Nemmesmo no sublevado subúrbio de El Alto, a população, na maioria índios aimarás, atendeu aos chamados de sabotagem do referendo e a uma greve de 72 horas da radical Federação de Juntas Vicinais (Fejuve).
Foi em El Alto que ocorreram os incidentes mais graves. Manifestantes armados de paus e pedras conseguiram interromper por alguns minutos a votação em uma sessão eleitoral do bairro de Senkata. Foram expulsos do local por forças de segurança. Pouco depois, o mesmo grupo voltou a agir ali, bloqueando as vias de acesso ao centro de La Paz e agredindo observadores da Organização dos Estados Americanos, O chefe da missão da OEA, Moisés Benamor, classificou o incidente de isolado. (AP, EFE, DPA e Reuters)

Reserva gigante trouxe consigo seus demônios
Riqueza descoberta agravou divisão de país já polarizado entre os muito ricos e os muito pobres
JUAN FORERO
The New York Times

CORPAPUTO, Bolívia - A descoberta de gás natural, montanhas dele, neste país inacessível e isolado foi festejada no final dos anos 1990 como uma bênção. Mas veio como uma maldição: as divisões que abriu poderiam servir como exemplo sobre o que acontece quando grandes tesouros são descobertos em uma sociedade atingida por profunda pobreza, nacionalismo crescente e uma polarização entre os ricos e os pobres.
A massa boliviana de indígenas pobres, temerosos de que serão deixados de lado da bonança quando o gás for exportado para os Estados Unidos e Brasil, se aproximou de um estado de rebelião. Um governo foi forçado a sair e seu sucessor tenta acalmar a desconfiança com um referendo sobre como vender gás no exterior.
Portanto, a idéia de desenvolver campos de gás para interesses estrangeiros produziu furiosos protestos em larga escala e incerteza que paralisaram a indústria, que se abriu ao investimento estrangeiro nos anos 1990 e agora é dominada por gigantes como a BP, Petrobrás e a Repsol-YPF da Espanha.
A reviravolta culminou em outubro, quando grupos indígenas se levantaram, irritados com a decisão do governo de exportar gás para os EUA por meio do Chile, um inimigo histórico que tomou a costa boliviana em uma guerra de 1879. Neste planalto, 13 mil pés acima do mar, conflitos entre manifestantes indígenas e soldados deixaram 59 mortos. O presidente Gonzalo Sanchez de Lozada logo pediu demissão.
Não é incomum que grupos indígenas tomem minas na Bolívia, exigindo que as empresas privadas saiam, e esse tipo de tática funcione. Quatro anos atrás, quando os pobres de Cochabamba, a terceira maior cidade boliviana, levantaaram-se em protesto contra uma empresa americana que havia planejado privatizar o suprimento de água da cidade, a empresa simplesmente se retirou.
Em toda a América Latina, do México à Venezuela e ao Peru, a descoberta de riqueza - seja ferro ou petróleo ou ouro - resultou na mesma coisa. Divisões e rivalidades se aprofundam; os que encontram o caminho da riqueza se confrontam com os que ficaram para trás. O nacionalismo latente emerge, às vezes, com fúria. No final, as descobertas, o desenvolvimento de culturas lucrativas como o açúcar, normalmente pouco fazem para tornar sociedades desequilibradas mais justas.
A Venezuela é o caso em questão. Sua vasta riqueza petrolífera levou alguns economistas a esperar nos anos 1970 que logo o país se juntaria aos países desenvolvidos. Ao invés disso, sucessivos governos permitiram que a corrupção e o nepotismo ditassem como os lucros eram distribuídos e as divisões sociais cresceram.

OESP, 19/07/2004, Internacional, p. A12

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.