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Planeta febril

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: MERCADANTE, Aloizio
16 de Mar de 2007

Planeta febril

Aloizio Mercadante

Nosso planeta está doente e febril. A sua temperatura média, de acordo com as últimas pesquisas, aumentou 0,74oC nos últimos cem anos. Parece pouco, mas essa taxa de crescimento supera em muito as variações naturais do clima no período pré-industrial. As geleiras encolhem e a calotas polares minguam. Algo vai mal, muito mal.
Dessa vez, não se trata de previsões apocalípticas sem fundamento. O aquecimento global, mais do que "verdade inconveniente", é uma triste realidade. Os seus efeitos já se fazem sentir na crescente imprevisibilidade climática, caracterizada pelo aumento do número de furacões, secas prolongadas, inundações severas, invernos sem neve em muitas partes da Europa e da América do Norte etc.
O incremento do nível dos oceanos, causado pelo derretimento das geleiras, é também outra conseqüência do aquecimento global que ameaça varrer do mapa, no sentido literal, países situados em ilhas coralinas.
O pior, contudo, é que essa doença planetária é causada pelo homem. O recém-divulgado relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), da Organização das Nações Unidas, afirma, com "quase certeza", que o aquecimento global verificado nos últimos 250 anos é antropogênico.
Esse relatório da ONU traça quadro sombrio. O cenário mais provável prevê um aumento da temperatura média da Terra entre 1,7oC e 4,4oC até o final deste século, o que seria suficiente para causar secas e inundações em escala inaudita, quebra de colheitas e fome (especialmente nos países mais pobres), incremento das taxas de derretimento de geleiras e calotas polares e aumento de até 40 cm nos níveis dos oceanos, além da óbvia perda acelerada da biodiversidade.
Outro documento recente, o "Relatório Stern", prevê que o efeito estufa deverá reduzir em cerca de 5% o PIB mundial.
No Brasil, estudos realizados com apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) demonstram que o aquecimento global ocasionará erosão de centenas de quilômetros do litoral, desaparecimento dos manguezais, aumento das secas no Nordeste e inundações no Sudeste. No Estado de São Paulo, a cultura do café poderá desaparecer.
Felizmente, calcula-se que investimentos anuais da ordem de apenas 1% do PIB mundial poderiam conter esse fenômeno. Ou seja: o custo do combate ao aquecimento global é bastante menor que o custo da tentativa de conviver com ele. Mas os mecanismos existentes para esse combate ainda são frágeis.
O Protocolo de Kyoto e o mercado do carbono, embora imprescindíveis, têm-se mostrado insuficientes. A recém-anunciada decisão da União Européia de reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 20% até 2020 é digna de aplauso, porém se circunscreve àquele bloco regional.
Precisamos, portanto, de medidas mais ousadas e abrangentes. Por isso, apresentei no Senado a proposta de criação de um Fundo Mundial Ambiental (FMA), com recursos provenientes de taxações de até 1% sobre as importações globais, para financiar programas destinados ao combate ao aquecimento global.
Com potencial arrecadador de US$ 100 bilhões/ano, tal fundo, que poderia ser gerido pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), transformado em agência especializada da ONU, como propõe a França, daria enorme contribuição para o desenvolvimento sustentável.
O Brasil deve colocar-se na vanguarda dessa luta. Temos matriz energética limpa e uma das maiores biodiversidades do planeta.
Estamos à frente no uso de energias renováveis e, como aponta o recente memorando de entendimento firmado com os EUA, temos condições de estimular o uso mundial de biocombustíveis, tomando o devido cuidado de não prejudicar a produção de alimentos e a preservação dos biomas.
Porém, mesmo aplaudindo o notável esforço da ministra Marina à frente do MMA, é forçoso reconhecer que necessitamos de compromisso mais firme com a redução do desmatamento na Amazônia, nosso calcanhar-de-aquiles nas discussões sobre meio ambiente no cenário internacional.
Não temos alternativas. O destino do planeta é o nosso destino. Estamos presos à Terra, e ela já passou por cinco eventos de quase extinção total da vida. Precisamos evitar o sexto -e talvez definitivo evento-, que nos incluiria a todos.

Aloizio Mercadante, 52, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.

FSP, 16/03/2007, Tendências/Debates, p. A3

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