JB, País, p. A3
01 de Mar de 2005
Pistoleiros acusam prefeito de Anapu
Executores da missionária Dorothy Stang afirmam que Luiz dos Reis Carvalho, do PTB, ajudaria a pagar advogado
Em depoimento à comissão de senadores que investiga o assassinato da missionária Dorothy Stang, dois pistoleiros envolveram no caso o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB). Segundo Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, Carvalho ajudaria na coleta de dinheiro para a contratação de um advogado após o crime.
A suposta participação do prefeito confirma a preocupação de ambientalistas ouvidos pelo JB em reportagem publicada ontem. Eles alertaram para a possibilidade de haver outros mandantes soltos.
Além de Carvalho, que negou a acusação e disse não ter qualquer envolvimento com crime, os pistoleiros também citaram o fazendeiro Laudelino Délio Fernandes Neto. As polícias Federal e Civil investigam as novas informações e convocarão os dois novos citados para depor nos próximos dias.
Rayfran, executor confesso dos seis disparos que mataram a missionária no dia 12, disse à comissão do Senado, em uma sala na delegacia de Altamira, que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, afirmou que faria ''uma coletinha'' para pagar um advogado.
O magistrado defenderia os pistoleiros caso algum deles fosse preso. Para coletar o dinheiro, Bida teria dito que procuraria o prefeito. Segundo Fogoió, Bida também disse que pediria um avião a Laudelino Délio Fernandes Neto para fugir da região.
Conhecido em Altamira, Délio é um dos maiores fazendeiros da região, apontado pelo Ministério Público Federal como fraudador de projetos da extinta Sudam.
Além dele, a PF e Polícia Civil investigarão também o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, que vendeu a fazenda em Anapu para Bida e tornou-se réu no mesmo processo que apura desvio de verbas da Sudam. A CPI da Terra pediu na semana passada, em Brasília, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Bida, Délio e Taradão.
Na acareação feita pelos senadores na manhã de ontem, Fogoió relatou o que Bida lhe teria dito: ''Vocês livram a nossa cara. Vou arrumar um advogado e vou fazer uma coletinha com o prefeito. Vou pedir um avião ao Délio para sair''.
Fogoió chorou durante o depoimento e disse estar arrependido. Segundo ele, Bida mandou que eles saíssem da fazenda dele porque a polícia iria para o local.
Amair Feijoli da Cunha, o Tato, negou diante dos senadores que tenha sido o intermediário entre o mandante e os pistoleiros.
- Não posso assumir uma coisa que não fiz.
Ele disse ainda ter percorrido a pé 120km em uma semana de fuga na mata se alimentando apenas de farinha. O relato não convenceu os senadores e os delegados.
O depoimento de Fogoió reforça a tese de que haveria um ''consórcio'' de pessoas na região para arrecadar verbas para pagar os matadores, o intermediário e - caso alguém fosse preso - o advogado. As declarações de Fogoió foram confirmadas por Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, indiciado como co-autor do assassinato.
Além de Fogoió e de Eduardo, as Polícia Federal e Civil indiciaram ontem por crime hediondo Tato, como co-autor, e Bida, como co-autor e mandante.
O inquérito foi entregue à Justiça de Pacajá, cidade vizinha a Altamira. As polícias também indiciaram dois vaqueiros de Bida que ajudaram na fuga dos quatro acusados e foram presos neste fim de semana pela PF.
Com Folhapress
Consórcio para matar
Paulo Celso Pereira
A acusação de que o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), teria envolvimento no assassinato da Irmã Dorothy Stang reforça a tese da existência de um consórcio para financiar o crime. Para o padre Amaro, da coordenação regional da Comissão Pastoral da Terra, que trabalhava há 15 anos com a irmã Dorothy, a acusação sobre a participação do prefeito, pode ser o indício da existência de um grupo maior:
- Tem mais gente. Não é só aquele grupo, que foi usado como laranja. Esse inquérito está apenas começando, porque se há o consórcio, esse inquérito vai ter que se abrir mais ainda. A denúncia do prefeito pode dar resultado, pela presença de senadores, da Polícia Federal, do Exército e pela repercussão nacional e internacional do caso. Mas esse grupo é forte e poderoso, por isso é preciso fazer algo bem concreto - avaliou.
O sociólogo Lucio Flávio Pinto, autor de 10 livros sobre a região, acredita que a acusação deva ser tratada com cuidado. Segundo ele, Luiz dos Reis Carvalho sempre adotou posições contrárias às de Irmã Dorothy, mas são necessárias provas.
- Há evidências contra o prefeito pelas posições cada vez mais fortes que ele vinha assumindo. Ele tem uma posição clara contra todos aqueles que não querem a exploração de madeira. Inclusive, são os madeireiros que dão o dinheiro da campanha. Poderia-se chegar a esse consórcio, mas ainda não há provas. Há apenas evidências e elas podem ser falsas. É preciso encontrar conexões objetivas - cobrou.
O delegado da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil paraense, Valdir Freire, que até domingo não acreditava na participação de outras pessoas, se mostrou desconfiado com as acusações.
- Apenas dois dos três interrogados falaram sobre isso. Eles tiveram quatro oportunidades de contar. Por que só vieram falar disso agora? Será que eles só se lembraram disso agora? - desdenhou.
O encerramento do inquérito preliminar, que foi entregue na tarde de ontem a um juiz de Pacajá, aponta para um esquema restrito.
- O que a investigação policial tentou induzir é que se trata de um crime localizado entre pequenos grupos de fazendeiros, diretamente prejudicado pela atuação da Dorothy, sem uma raiz mais profunda. A polícia encerrou a investigação com os executores, o intermediário e o mandante. Pode ter acertado, porque é uma história completa, mas pode ser inconsistente - advertiu Lucio Flávio.
JB, 01/03/2005, País, p. A3
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