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Pistoleiro confessa ter matado freira

JB, Pais, p.A7
22 de Fev de 2005

Pistoleiro confessa ter matado freira
Rayfran Sales assume autoria dos disparos e tenta incriminar aliado de Dorothy como mandante. Investigação corre sob sigilo

ALTAMIRA, PA - O pistoleiro Rayfran das Neves Sales, de 27 anos, conhecido como Fogoió, confessou ontem em depoimento oficial que matou a missionária Dorothy Stang. Indiciado por homicídio duplamente qualificado – pena de 12 a 30 anos – ele assumiu a autoria dos disparos e afirmou que o foragido Uilquelano de Souza Pinto, conhecido como Eduardo, também atirou na freira, morta no dia 12 em Anapu.
O juiz substituto da comarca de Pacajá (PA), Lauro Alexandrino, decretou ontem segredo de Justiça no inquérito que investiga o crime.

O depoimento de Rayfran, que chegou à delegacia algemado nas mãos e nos pés, não foi acompanhado por nenhum advogado. Estava presente C.B.C., de 49 anos, testemunha do crime, que acusou Fogoió da autoria dos disparos. C.B.C. chegou a Altamira, ontem pela manhã, no mesmo helicóptero Black Hawk da Aeronáutica usado pela Polícia Civil para deslocar o pistoleiro até o local onde prestaria seu depoimento.

Exército e polícia formaram um forte aparato de segurança com mais de 60 homens na operação de transferência.

Rayfran foi preso na noite de domingo a 35 quilômetros de Anapu, após sete dias como foragido. Foi capturado por volta das 19h, numa ação da Polícia Civil que contou com o apoio de soldados do Exército, enviados pelo governo federal para patrulhar a região sudoeste do Pará após o assassinato da freira. O bandido estava desarmado, escondido numa barraca de náilon à beira da rodovia Transamazônica. Ele não resistiu à prisão. A polícia chegou até ele por intermédio de uma informação passada pela testmunha que o reconheceu a partir do retrato falado divuilgado na semana passada.

Após o depoimento na Polícia Civil, Rayfran foi submetido a um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e levado para prestar depoimento na sede da Polícia Federal. Um grupo de cerca de 50 pessoas disputava espaço em frente ao prédio da PF em Altamira.

Os policiais informaram que o pistoleiro passaria a noite na cadeia pública de Altamira, na qual também está preso Amair Feijoli Cunha, acusado de co-autoria no assassinato.

Na manhã de ontem, Rayfran das Neves Sales chegou a afirmar que o mandante do crime era o presidente do Sindicato Rural de Anapu, Francisco de Assis de Souza, conhecido como Chiquinho, ex-vice prefeito da cidade, filiado ao PT e considerado um dos principais aliados de Dorothy. Chiquinho disputou e perdeu as eleições do ano passado como vice-prefeito na chapa petista.

Citando políticos influentes na região, o pistoleiro tentou inocentar o fazendeiro Vitalmiro Gonçalves de Moura, conhecido como Bida, suposto mandante do assassinato da missionária, que desde sábado negocia sua apresentação à polícia.

Além de Bida, também continua foragido Uilquelano de Souza Pinto, acusado de também ter atirado contra a freira. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada.

O advogado Augusto Septimio, que defende Vitalmiro de Moura Bastos, descartou ontem a possibilidade de o fazendeiro se apresentar à polícia antes da conclusão dos inquéritos. O caso é investigado paralelamente pelas polícias Civil e Federal.

– Ele não vai se entregar enquanto não estiverem concluídos os inquéritos. Não vejo essa perspectiva – afirmou o advogado.

Segundo Septimio, Bastos não se entregará para evitar ser exposto, como todo o inquérito vem sendo exposto”.

O advogado disse ainda que a decisão da Justiça de determinar sigilo das investigações – tomada à tarde e revogada horas depois – prejudicaria a defesa, mas por outro lado facilita, porque vinham sendo veiculadas informações conflitantes, inclusive de depoimentos à Polícia Civil”. Afirmou também que a Polícia Civil tem sido prematura acusando A ou B, prejudicando o andamento do inquérito”.

Sobre seu cliente, informou que o último contato que teve foi na sexta-feira pela manhã.

Sigilo polêmico

BRASÍLIA - A decisão do juiz Lauro Alexandrino, da comarca de Pacajá, no Pará, de que corra em segredo de justiça o inquérito sobre o assassinato da missionária Dorothy Stang foi considerada um desserviço e um retrocesso” pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato. A decisão de Alexandrino foi tomada à tarde. No início da noite, contudo, o juiz decidiu revogá-la.

A morte encomendada da religiosa foi o assunto mais comentado, com indignação geral, durante a reunião mensal do Conselho Federal da OAB, ontem realizada em Brasília.

De acordo com Roberto Busato, o segredo de justiça foi decretado depois do depoimento de Rayfran, que não seria o único responsável direto pela execução sumária da Irmã Dorothy. O preso teria informado que um candidato a prefeito na região de Anapu, ligado ao PT, teria sido o mandante do crime.

– Se o fato foi esse, só temos a lamentar, porque um processo dessa natureza, com a grande repercussão internacional que está tendo, devia ser o mais transparente possível – acrescentou Busato.

A decretação de segredo de justiça para o caso foi também severamente criticado pelo presidente da seccional da OAB no Pará, Ophir Cavalcante Junior, e pelo presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Edísio Souto.

Ophir Cavalcante Junior estendeu suas apreciações críticas ao governo que, segundo ele, está agindo apenas em função da pressões internacionais, ao tomar decisões relativas às investigações do assassinato da religiosa.

Lula analisa violência

BRASÍLIA - O assassinato da missionária Dorothy Stang e as ações do governo para conter a violência no Pará foram dois dos assuntos mais explorados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no programa de rádio Café com o Presidente.
Lula reiterou a análise de que a escalada da violência no Pará se deve à ação do governo federal na regularização fundiária e na preservação ambiental da região, e afirmou que o governo vai manter os programas já implementados.

A situação de conflito acabou por acelerar o envio ao Congresso do projeto de lei que regulamenta a exploração de áreas florestais, publicado na edição de ontem do Diário Oficial da União, juntamente com uma medida provisória que cria a figura jurídica da intervenção federal em áreas ameaçadas de desmatamento, com o objetivo de evitar a intensificação do corte de árvores, enquanto o projeto de lei não for aprovado, segundo explicou Lula.

- Esse projeto é uma revolução na proteção da Amazônia. Atingimos a maioridade na política ambiental, nós atingimos a maioridade no controle da Amazônia e de nossas florestas - afirmou o presidente.

Lula ainda enfatizou o esforço dos governos federal e do Pará na investigação do assassinato da missionária americana Dorothy Stang.

- Não descansaremos enquanto não prendermos os assassinos (...) e os mandantes para que a gente mostre, claramente, que no nosso governo não tem impunidade - disse Lula.

JB, 22/02/2005, País, p.A7

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