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Piora saneamento para os mais pobres

FSP, Brasil, p. A8-A9
09 de Jul de 2006

Piora saneamento para os mais pobres
Domicílios com rede de esgoto ou fossa entre os 40% de menor renda no Brasil caíram de 59% para 55% de 2001 a 2004
Estudo da UFRJ mostra que, ao longo desse período, União, Estados e municípios reduziram os investimentos em saneamento básico

Antônio Góis

O governo federal aumentou, de 2001 a 2004, seus gastos sociais, especialmente em programas de transferência de renda. No entanto uma área fundamental para a melhoria das condições de vida ficou descoberta: o saneamento básico.
Um estudo da pesquisadora Lena Lavinas, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com colaboração de Marcelo Nicoll e Roberto Loureiro Filho, mostra que o gasto federal com saneamento básico e habitação caiu 45,8% nesses quatro anos. Como resultado, foi verificado na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), uma queda na proporção de domicílios entre os 40% mais pobres do país com acesso a rede de esgoto ou fossa séptica de 59%, em 2001, para 55%, em 2004.
A falta de mais recursos para o saneamento básico não pode ser creditada apenas ao governo federal. O estudo mostra que Estados e municípios também diminuíram seus gastos nesse setor. Os investimentos das prefeituras (há dados de 3.909 cidades) e dos governos estaduais em saneamento caíram na mesma proporção de 2002 a 2004: 18%.
Considerando o total de domicílios -e não somente os 40% mais pobres-, o quadro mantém-se praticamente inalterado no período, passando de 72% para 73% domicílios com rede de esgoto ou fossa séptica.
"Em quatro anos, o quadro é de estagnação patente. A pequena melhora registrada na média brasileira beneficiou a população não-pobre, uma vez que os domicílios abaixo da linha de pobreza do Bolsa-Família (R$ 100 de renda média per capita) ou aqueles situados nos quatro primeiros décimos da distribuição revelam ligeira deterioração em termos de cobertura de dois serviços públicos básicos (rede de esgoto e coleta de lixo)", afirma Lavinas.
No caso da coleta de lixo, o estudo revela que, no total da população, a proporção de domicílios com esse serviço cresceu de 83% para 85% de 2001 a 2004. Somente entre os 40% mais pobres, no entanto, houve queda de 71% para 70%.
Na avaliação de Aurea Ianni, pesquisadora do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde de São Paulo e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, os dados de diminuição ou estagnação da cobertura podem estar revelando uma incapacidade do poder público de fazer frente ao crescimento do adensamento urbano em grandes cidades.
"A rede de esgoto instalada dificilmente diminui, mas pode estar ocorrendo um aumento no número de domicílios em áreas precárias. Esse dado pode estar revelando não só a ausência de rede de esgoto em muitos domicílios, mas também um quadro de expansão populacional em áreas de saúde pública precária, como favelas e cortiços", afirma Ianni.

Transferências
O objetivo do estudo de Lavinas não era analisar especificamente a situação de saneamento entre os mais pobres. O propósito era pesquisar se o crescimento da renda dos mais pobres -em parte ocasionado pelo aumento das transferências de renda do governo federal- estava sendo acompanhado pelo aumento nos gastos em serviços sociais fundamentais no atendimento dessa população.
O estudo mostrou que, no caso da rede de esgoto e da coleta de lixo, onde o investimento público é fundamental, não houve melhoria. O mesmo não acontece, no entanto, quando se trata de acesso a bens de consumo. No caso do celular, por exemplo, houve uma expansão de 21% para 25% na proporção de domicílios que tinham esse tipo de aparelho entre os 40% mais pobres. Se forem considerados apenas os domicílios com renda inferior a R$ 100 per capita, o aumento é ainda mais expressivo: de 10% para 20%.

Estados diminuem investimento social

Estudo mostra que caiu o gasto com assistência social, educação, urbanismo, habitação, saneamento e gestão ambiental
Redução aconteceu quase no mesmo período em que o governo federal aumentou seu gasto com programas sociais como o Bolsa-Família

De 2002 a 2004, os Estados diminuíram seus investimentos em gastos sociais como assistência social, educação, urbanismo, habitação, saneamento e gestão ambiental. Essa redução aconteceu quase no mesmo período em que o governo federal aumentou seu gasto direto na área social, especialmente com programas de transferência de renda como o Bolsa Família ou as aposentadorias rurais.
Essas constatações, do estudo da pesquisadora Lena Lavinas (UFRJ), indicam que o aumento dos gastos do governo federal com programas de transferências de renda tem contribuído nos últimos anos para diminuir a pobreza e a desigualdade, mas isso não está sendo acompanhado da expansão de gastos em investimentos sociais indispensáveis para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade, como o acesso a bons serviços de educação e saneamento, por exemplo.
No caso do governo federal, Lavinas mostra que houve aumento dos gastos federais com saúde e educação, mas diminuição nos gastos em saneamento básico e habitação.
Já nos Estados, os setores mais afetados com a queda no investimento foram as áreas de assistência social (-28%), saneamento e gestão ambiental (-18%), habitação (-14%) e educação (-12%). As despesas em saúde, em compensação, aumentaram 20%. No total dos gastos sociais analisados, houve queda de 3%.
Entre os municípios, a tendência foi semelhante, com quedas principalmente nas áreas de direitos da cidadania (-19%), saneamento (-18%) e habitação (-14%). Houve um ligeiro aumento nos investimentos em educação (1,5%), quase igual ao aumento da população com menos de 16 anos (de 1,2%). O aumento mais significativo foi na saúde (7,6%). No total, o gasto social municipal teve crescimento de 2.6%.
Lavinas diz que o crescimento dos investimentos na saúde em Estados e municípios está relacionado à aprovação da emenda constitucional 29/ 2000, que estabelece patamares mínimos obrigatórios de investimentos no setor para Estados (15% das receitas correntes e transferências constitucionais) e municípios (13%).
Para a pesquisadora, o fato de o investimento em áreas essenciais, como saneamento e educação, não acompanhar a mesma tendência de aumento dos gastos federais com transferência de renda mostra que "não houve no período um esforço coordenado por parte das instâncias federal e sub-nacionais na provisão de serviços públicos indispensáveis à redução das desigualdades".
Ela cita como exemplo a educação, já que boa parte dos programas de transferência de renda do governo federal condiciona o recebimento do benefício à freqüência escolar.
"Por que usar da freqüência obrigatória à escola como contrapartida de programas que não se constituem em direitos quando o Estado não faz minimamente a sua parte, gerando incentivos e outros mecanismos de inclusão?"

Outro lado

Governo vê problemas em estudo

O Ministério das Cidades, por meio de sua assessoria de imprensa, contestou os dados sobre a queda nos investimentos federais em saneamento básico argumentando que o estudo da UFRJ considera apenas os dados do orçamento da União.
"A função saneamento do orçamento da União não reúne todos os gastos federais em saneamento realizados pelo governo federal. A principal fonte de recursos não onerosos da União em saneamento, por exemplo, está classificada na função Saúde (45% do total), pois são recursos aplicados pela Fundação Nacional de Saúde", informa o texto de carta enviada à Folha.
O ministério diz também que não foram contabilizados investimentos feitos pela União por meio de empréstimos do FGTS e do FAT entre 2003 e 2005, que corresponderiam a 54% do total de recursos Federais aplicados em saneamento básico. Levando em conta esses itens, os recursos federais desembolsados teriam aumentado de R$ 739 milhões em 2003 para R$ 1,4 bilhões em 2005.
Sobre a queda no número de domicílios mais pobres com rede de esgoto ou fossa séptica, o ministério ressalva que não tem como avaliar esse dado sem uma análise mais criteriosa do estudo.
No entanto, ele afirma que, como boa parte dos recursos para a área de saneamento é feita por meio de empréstimos da União aos Estados, as empresas de saneamento dos governos estaduais e municipais "podem estar priorizando o atendimento de segmentos com maior retorno econômico de investimentos, não obstante os esforços deste e de outros governos para minimizar este procedimento".
Por fim, o ministério diz ainda que não se pode deixar de lado na análise específica da questão do saneamento o processo de favelização. "A população mais pobre apresenta maior mobilidade espacial, portanto, torna-se mais difícil garantir saneamento a esta parte da sociedade, mesmo investindo em áreas carentes fixas e identificáveis".

FSP, 09/07/2006, Brasil, p. A8-A9

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