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Pior seca em 50 anos leva flagelo ao Nordeste

OESP, Metrópole, p. C6 e C7
11 de Nov de 2012

Pior seca em 50 anos leva flagelo ao Nordeste
Falta d'água causa perdas e sofrimento a produtores, donas de casa e trabalhadores

Angela Lacerda

"Nunca vi uma seca assim." A expressão tem sido repetida, em tom de espanto, lamento, tristeza ou desespero, pelos sertanejos afetados pela estiagem que assola o semiárido nordestino - considerada a pior em 50 anos. A afirmação surge em relatos de sofrimento que aflige agricultores, comerciantes, donas de casa, pecuaristas, trabalhadores.
Assim aconteceu em Afogados da Ingazeira, Tabira, São José do Egito e Custódia, municípios do sertão do Pajeú, em Pernambuco, visitados nesta semana pelo Estado. A realidade ali é o retrato do que vivem 10.155.849 pessoas nos 1.317 municípios em estado de emergência em dez Estados - no Nordeste e no norte de Minas.
A estiagem secou barragens, açudes e rios, devastou pastos e lavouras e provocou escassez de alimento para os rebanhos, que morrem de inanição e sede. Apenas em Pernambuco, que tem 70% do território no semiárido, estima-se a perda de 500 mil cabeças de gado, o que representa redução de 20% do rebanho, de acordo com o Comitê Integrado de Convivência com o Semiárido.
Com semblante fechado, ao lado de duas vacas magras, Jazão José de Caldas, de 69 anos, aguardou desde a madrugada de quarta-feira um comprador para seus animais na feira de gado de Tabira, a 405 km do Recife. Ninguém se interessou. Angustiado, dispunha-se a repassar as vacas para não vê-las definhar. Já perdeu mais de 30 cabeças. Ainda tem cerca de 115, mas não consegue mais dormir.
Sem dinheiro, não tem como comprar ração. Para "enganar" a fome dos animais, usa mandacaru - planta espinhosa da caatinga -, sal e ureia. Tentou um empréstimo de R$ 12 mil no Banco do Nordeste, onde é cliente antigo, para comprar milho. "Lá me mandaram para Afogados da Ingazeira, em Afogados me mandaram procurar o sindicato, no sindicato me mandaram para Tabira. Não sei até quando os bichos vão aguentar", diz ele no seu sítio Jasmim, onde alguns dos seus animais estão mortos pelo chão. Sertanejo duro, foi às lágrimas. "Nunca cheguei a uma situação dessas, nunca."
Carro-pipa. A feira do gado frequentada por Caldas costumava ser a segunda mais movimentada do Estado, só perdia para a de Caruaru, no Agreste. Agora, virou ponto de encontro de lamento. Djalma Jacinto da Silva depende de carro-pipa e já viu morrerem quatro dos seus oito animais. "Parte o coração ver os bichinhos definhando, quando um cai nem sempre levanta mais."
Pedro de Quartim conseguiu vender, na feira, uma vaca leiteira que, além de abastecer sua família, proporcionava a produção de queijo. Seu preço seria superior a R$ 1 mil. Aceitou R$ 200. "Para não ver morrer em casa."
Viúvas. Além de afetar a vida dos pequenos produtores, a seca obriga mulheres a enfrentar sozinhas o drama do dia a dia, porque seus maridos foram obrigados a buscar sustento em outras paragens. São as "viúvas da seca".
Presidente da Associação de Moradores de Macambira, na zona rural de São José do Egito, a 400 km do Recife, Luzinete da Silva Araújo, de 41 anos, é uma das viúvas. Seu marido, o agricultor José Humberto Pereira de Araújo, de 40 anos, viajou há um mês para Curitiba em busca de trabalho. "Conseguiu emprego de carpinteiro", conta ela, que ficou com os três filhos para trás.
Simone Mendes da Silva Oliveira, 24 anos, mãe de um bebê de 4 meses, é a mais triste das viúvas encontradas. Seu marido foi para Brasília há três meses e sofre com saudade do filho. Está empregado e todo mês manda dinheiro. "Quando a seca acabar, vou ganhar meu marido de volta", conforma-se.
A água usada na comunidade vem de carro-pipa, não tem boa qualidade e afeta a higiene e a vaidade.
"Aqui só se lava a cabeça uma vez por semana", conta Luzinete, abrindo um sorriso. "Fica tudo de cabelo duro."

Dificuldade
122 dos 184 municípios de Pernambuco vivem em estado de emergência. No Estado, a estiagem afeta 1,2 milhões de pessoas. O governo estima perdas de 370 mil hectares de lavoura de subsistência.

Na Paraíba, 70% da população vive em situação de emergência
Famílias caminham 5 km para buscar água em jumentos. Governador pede ajuda à União para minimizar efeitos da seca

Janaína Araújo

A seca prolongada já afeta 2,3 milhões de paraibanos, cerca de 70% da população em 198 dos 223 municípios do Estado. São famílias que enfrentam os efeitos da estiagem, como a fome, a sede e a perda do rebanho, há mais de três meses. Os 122 açudes monitorados pela Agência Executiva de Gestão das Águas (Aesa) já perderam 2,1 bilhões de metros cúbicos de água - a capacidade total é de 3,9 bilhões. As cidades mais prejudicadas são Triunfo, no Alto Sertão, e Cabaceiras, na região do Cariri, onde já falta água há um mês.
"Nos próximos 180 dias, vamos continuar com os carros-pipa, a recuperação de 486 poços e fornecimento de ração", afirma o secretário estadual de Infraestrutura, Efraim Morais, que coordena o Comitê Integrado de Enfrentamento à Estiagem. "A situação é crítica. Começamos a perder a água dos mananciais e fica cada vez mais distante buscar e distribuir. Doze cidades já racionam água para evitar o colapso", diz.
O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, prorrogou na terça-feira passada os decretos de situação de emergência de 170 cidades por mais 180 dias. As outras 28 cidades terão os decretos prorrogados no dia 26 deste mês. Segundo Morais, o governo já pediu mais R$ 32 milhões para mais 180 dias de estiagem ao governo federal, além dos R$ 10 milhões já liberados para os últimos 90 dias de seca.
Em Pedra Branca, a 480 km de João Pessoa, famílias caminham mais de 5 km para buscar água com jumentos. A cidade tem apenas 4 mil habitantes e fica no Vale do Piancó, no Polígono da Seca, formado por 23 municípios.
O agricultor Sebastião Silva já perdeu as cabras que tinha e é um dos que usam o jumento. "É uma situação difícil, não temos ajuda", reclama.
Fé e protesto. O padre da cidade, Djacy Brasileiro, tem celebrado missas de protesto dentro de barragens para alertar sobre a situação crítica. "Vi muito gado morrer e muita gente desesperada. A situação é dramática e existe morosidade por parte dos governos", diz o sacerdote.
No total, 684 carros-pipa abastecem áreas urbanas e rurais na Paraíba - 239 são do Estado e 445 do Exército. De acordo com o governo, a Companhia de Desenvolvimento dos Recursos Minerais (CDRM) perfurou neste ano 169 poços. A Companhia de Água e Esgotos precisou racionar a oferta de água em 15 cidades e nove distritos.
O Programa Nacional de Agricultura Familiar liberou R$ 18 milhões para o Estado. Segundo a Secretaria Executiva de Agricultura Familiar, o dinheiro já foi repassado aos produtores.
Prejuízo. A perda chega a 40% do rebanho animal e a 90% da safra agrícola, de acordo com o governo. A falta de chuva afeta cerca de 60 mil produtores e causa prejuízos. Alimentos e água tiveram quase 50% de aumento nas áreas de seca.

Só carros-pipa matam sede em cidades do Piauí

Luciano Coelho

São 215 dias sem chuva e 200 municípios em estado de emergência ou calamidade no Piauí. O nível dos reservatórios de água do Estado está abaixo de 30%. Segundo o governo, serão construídas 189 barragens no semiárido para amenizar os efeitos da estiagem, que deverá durar mais três meses. A solução é a compra de água de carros-pipa.
Com os poços secos, 8 mil litros de água chegam a custar até R$ 300 - muito dinheiro até para quem tem condições de pagar. Em Jaicós, na região de Picos, apenas dois poços abastecem 18 mil habitantes; em Queimada Nova, resta só um poço para 8,5 mil pessoas.
Em Queimada, a maioria da população compra água da Serra da Umburana, a 40 quilômetros. Os carros-pipa cadastrados não podem comercializar mais do que 2 mil litros d'água por dia, o que compromete o abastecimento até mesmo para quem quer pagar. "Aqui saímos a procura dos donos dos carros e negociamos. Só que geralmente eles já estão com a cota de 2 mil litros comprometida por cinco dias", diz o aposentado José Neto.
Nas fazendas. A seca tem afetado também os moradores da zona rural. Segundo o presidente da Federação da Agricultura do Piauí, Carlos Augusto Carneiro, mais de 550 mil cabeças de gado já morreram por causa da estiagem - um terço do rebanho.
Carneiro disse que os criadores vendem o patrimônio para conseguir recursos para comprar alimento para os rebanhos. "Estamos sem saber o que fazer, porque não temos condições de manter os animais assim. Vendi uns terrenos para comprar milho e algodão para dar aos bichos para eles não morrerem", conta Carneiro, que tem uma fazenda com mil cabeças de gado e mil de caprinos.
A Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado suspendeu a vacinação contra febre aftosa porque o rebanho estava muito debilitado e poderia não resistir à vacina. Para socorrer os criadores, o governo do Piauí anunciou a distribuição de milho com preço subsidiado para tentar salvar os rebanhos.

OESP, 11/11/2012, Metrópole, p. C6 e C7

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