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Pior do que a chuva é o manda-chuva

OESP, Vida, p. A19
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
10 de Dez de 2008

Pior do que a chuva é o manda-chuva

Marcos Sá Corrêa*

As chuvas parecem de volta ao normal em Santa Catarina. Quem continua a se comportar de maneira estranha é o governador Luís Henrique da Silveira. Ele é tricampeão nacional de derrubada da mata atlântica e propagandista de um projeto de Código Ambiental que revoga todas as disposições contrárias a suas idéias.

E agora empurra a Assembléia Legislativa para votar, na semana que vem, a liquidação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. O parque é o melhor remédio para evitar o desmanche de seus morros, quando os céus desabam sobre a imprevidência humana aqui na terra. Tem 90 mil hectares. Um porcento do Estado. E quem não o reconhece pelo nome, mas andou um dia pelo litoral, mesmo distraído, há de ter percebido sua existência.

É a paisagem que liga o mar ao planalto, com mata atlântica, restingas verdes, florestas de araucária e campos de altitude. Engloba os mananciais que abastecem Florianópolis, canalizando para as torneiras de 1 milhão de pessoas, em perfeitas condições de uso, a água serrana dos Rios Vargem do Braço e Cubatão. É nisso que o governador resolveu mexer, para estragar.

O parque está ali desde 1975. Vive há 33 anos sob ataque. O resto ficou sendo de quem pegou primeiro. Como a Baixada do Maciambu, vítima do decreto que lhe amputou uma faixa de 500 metros da costa, em Palhoça, para dar ao município um balneário.

Alegou-se, na ocasião, a urgência de regularizar 6 mil lotes - todos generosamente distribuídos pela prefeitura em área pública, confiada à administração local em 1904 e protegida contra todo tipo de ocupação pelo Código Florestal de 1965. Isso foi em 1979, quando o parque tinha apenas quatro anos. Abriu o atalho para desmembrá-lo. E não parou mais, segundo o geógrafo Leonardo Carvalho, que viu a pressão subir como gerente de Unidades de Conservação da Fundação de Meio Ambiente de SC e diretor de Estudos Ambientais de Palhoça.

Quatro anos atrás, havia 12 mil propriedades na Baixada do Maciambu. A prefeitura de Palhoça cobrava-lhes IPTU em dobro, oficializando lotes que ficavam dentro de outros, ou mesmo em ruas e rios. É essa multiplicação de títulos nulos que se pretende arrumar às custas do parque.

Sob o cerco de nove municípios, ele recebeu no começo da década uma transfusão de créditos externos para programas de salvação da mata atlântica. A Serra do Tabuleiro é seu maior retalho no Sul do Brasil. E o parque ganhou por isso um financiamento para o plano de manejo, que pagou a avaliação técnica de seu passivo fundiário. O resultado foi uma proposta que tirava de suas bordas cerca de mil hectares "irremediavelmente comprometidos" e encaminhava aos deputados estaduais uma proposta de regularização definitiva. Nada a ver com o projeto que tramita a toque de caixa na Assembléia, tangido por políticos e proprietários, via gabinete do governador.

Propõe, sem tirar nem pôr, o desmonte do parque, dissolvido no Mosaico de Unidades de Conservação na Serra do Tabuleiro e no Maciambu, esfarelando-se em Áreas de Proteção Ambiental - o regime mais frouxo - aos cuidados das prefeituras que tradicionalmente lhe foram hostis. Depois o governador reclama da "tragédia ambiental". Se pelo menos fosse autocrítica...

* É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 10/12/2008, Vida, p. A19

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