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PIB verde so na China?

OESP, Espaco Aberto, p.A2
Autor: NOVAES, Washington
05 de Nov de 2004

PIB verde só na China?
Washington Novaes
Anuncia o diretor de Projetos Especiais da Eletrobrás (Estado, 25/10) que uma missão da China vem cuidar de seu interesse em investir na implantação da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, prevista - segundo ele - para ter 5,6 mil MW na primeira etapa e 11 mil MW na segunda. Não mencionou que o projeto não está licenciado e ainda enfrenta forte resistência, por se tratar, ainda uma vez, de gerar energia para produzir na Amazônia mais eletrointensivos destinados à exportação - processo que até aqui tem exigido fortes subsídios do Tesouro Nacional, pagos por toda a sociedade brasileira (e sem compensação pelos custos ambientais e sociais). Em Tucuruí, esses subsídios custaram, num contrato de 20 anos, alguns bilhões de reais. E ainda continuam, menores.
Aos poucos, avoluma-se o noticiário sobre as relações comerciais do Brasil com a China - o que é natural e até desejável, já que se trata da nação mais populosa do planeta, de interesse estratégico. Além da área do minério de ferro e do aço, estão na pauta uma termoelétrica a carvão no Sul (no país com maior possibilidade de ter uma matriz energética limpa e renovável) e o aumento da exportação de commodities, principalmente soja. Com uma evolução tão rápida e forte que o embaixador Peter Allgeier, do US Tarde Representative, observou que "o crescimento desproporcional das exportações brasileiras se deve a um único país, a China, e consiste em um conjunto relativamente pequeno de commodities e de matérias-primas".
Descontadas as preocupações estratégicas de quem representa pontos de vista específicos dos Estados Unidos, ainda assim vale a pena perguntar se será o caso de o Brasil simplesmente repetir com a China o papel que vem desempenhando na maior parte de suas relações com os países industrializados - o de grande fornecedor de commodities, matérias-primas e mais alguns produtos primários, sem compensação pelos altos custos ambientais e sociais e sem controle dos mecanismos de formação de preços. Tal cuidado é indispensável, ainda mais levando em conta que se trata de parceiro comercial de porte avantajado.
Estudo recente do Instituto de Ciências do Solo de Nanjing, citado por publicações científicas, afirma que em breve a China não poderá alimentar toda a sua população (mais de um quinto do total mundial). Além dos graves problemas de desertificação em seu território e da escassez de recursos hídricos, o país está pagando alto preço pela conversão de vastas áreas antes dedicadas ao arroz a cultivos de frutas e vegetais, com forte utilização de insumos químicos (o dobro da média dos EUA) - 13 milhões de hectares (equivalentes a mais de metade do Estado de São Paulo) já foram convertidos. Em cinco anos, quase todo o solo se acidificou e parte se esterilizou, com altos níveis de nitrogênio e fósforo (e infiltração de nitratos e fosfatos nas águas subterrâneas), além da perda de bactérias do solo e disseminação de epidemias de fungos.
Com a redução de 15% na produção de grãos, o consumo este ano supera a oferta interna em 37 milhões de toneladas e provocou alta de 30% nos preços. É um processo que se vai acentuar, pois 500 milhões de pessoas já moram em áreas urbanas e deverão ser 800 milhões em 2020. Muitas áreas estão sendo subtraídas à agricultura por essa expansão urbana. E todos esses fatores levam estudiosos a perguntar: quem alimentará a China?
Será o Brasil? Se for, além da velha questão de fornecedor de produtos primários sem compensações, haverá muitas perguntas a fazer. E a primeira é sobre a viabilidade dos nossos caminhos, no momento em que mais um relatório (WWF) diagnostica a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo planetários, com uma demanda de recursos e serviços naturais já acima da capacidade de reposição da biosfera terrestre (problema apontado pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, como o "mais grave" do mundo, ao lado das mudanças climáticas). O Brasil não escapa a esse quadro, com um uso já acima da disponibilidade.
A expansão da produção de commodities no País tem levantado complicadas questões, como as da Amazônia. Em 40 anos, diz o relatório do WWF, a área ocupada pela soja no Brasil passou de 240 mil hectares para 14 milhões, 60 vezes mais. Tal expansão, além dos custos não contabilizados, não tem contribuído para reduzir os problemas na área da fome - diz a professora Lena Lavinas, da UFRJ. Em cinco anos, o nível de nutrição das faixas mais pobres da população brasileira pioraram: 21% da população nacional, mais de 35 milhões de pessoas, tiveram alimentação insuficiente, juntamente com a queda de rendimentos reais.
Não é só. Conseguirá a China manter os altos índices de crescimento econômico e de demanda de produtos brasileiros? Muitos especialistas acham que não. O FMI recomenda uma "aterrissagem" na economia chinesa, preocupado com sua participação de mais de 30% no aumento da demanda mundial de petróleo, com as conseqüências sabidas na alta de preços e na inflação. Especialistas em desenvolvimento sustentável também se preocupam com o sobreuso de recursos. O próprio governo chinês começa, por isso, a testar em seis regiões um indicador econômico - o "PIB verde", para avaliar o custo dos danos ambientais e descontá-los do PIB que só mede crescimento econômico.
Triste será se, no momento em que os chineses começam a preocupar-se com um PIB verde, por aqui sigamos nas velhas trilhas de nada avaliar por esse critério nas transações comerciais. Inclusive com os chineses.
Washington Novaes é jornalista

OESP, 05/11/2004, p. A2

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