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PF tem plano para conter conflito em RR

FSP, Brasil, p.A6
03 de Mai de 2004

PF tem plano para conter conflito em RR
Polícia acredita que decisão sobre homologação da Raposa/Serra do Sol pode gerar confronto em Uiramutã

José Eduardo Rondon
Da agência Folha, em Uiramutã (RR)

A Polícia Federal de Roraima elaborou plano de contingência para evitar o que considera provável conflito entre manifestantes a favor e contra a demarcação contínua da terra indígena Raposa/ Serra do Sol, de 1,69 milhão de hectares, no nordeste do Estado.
Na avaliação da PF, o conflito pode ocorrer assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinar a homologação da área.
Se a demarcação contínua feita em 1998 for confirmada por Lula, descontentará grupos a favor da presença de não-índios, que terão de sair da área. Se Lula optar pela demarcação com "ilhas" -mantendo estradas, plantações e a cidade de Uiramutã-, descontentará grupos como CIR (Conselho Indígena de Roraima) e Funai (Fundação Nacional do Índio).
Há índios a favor e contra a demarcação contínua. De acordo com o delegado da PF em Roraima Osmar Tavares de Melo, o plano já foi enviado à direção do órgão em Brasília, pois havia a possibilidade de Lula tomar sua decisão na terça-feira passada.
No dia, Lula recebeu parecer do Congresso contrário à demarcação contínua e ouviu de ao menos sete ministros uma posição a favor da área contínua. O presidente decidiu aguardar decisão judicial sobre uma liminar que anulou a portaria que demarcou a reserva. Ele também espera um parecer jurídico sobre a situação legal de Uiramutã, que, com a homologação contínua, não terá como manter o status de município.

Reforço de agentes
Melo disse que o plano de contingência prevê o reforço de agentes da PF de outros Estados. "Temos levantamento dos principais pontos de tensão e conflito e pretendemos enviar agentes a essas áreas para que, após a decisão do governo, o processo homologatório ocorra pacificamente."
O delegado afirmou também que a estratégia foi elaborada levando-se em conta os protestos ocorridos no Estado em janeiro passado, quando manifestantes contra a demarcação contínua fecharam estradas em vários pontos do Estado, invadiram as sedes da Funai e do Incra em Boa Vista e mantiveram reféns três religiosos.
"Os protestos nos possibilitaram um levantamento das principais áreas em que pode haver conflitos entre grupos opostos."
Se ocorrer a demarcação contínua, o plano já prevê como será a retirada dos não-índios e o realojamento de arrozais e fazendas. O delegado disse não poder divulgar quais ações preventivas estão sendo realizadas, pois "o planejamento perderia o sentido".

Novos indiciamentos
Depois dos protestos de janeiro, a PF indiciou três pessoas -o arrozeiro Paulo César Quartieiro, o vice-prefeito de Pacaraima, Francisco Roberto do Nascimento, e o índio Genival Costa da Silva-, sob a suspeita de seqüestro, ameaça e danos ao patrimônio.
Segundo a PF, há indícios de que os três participaram do seqüestro dentro da terra indígena Raposa/Serra do Sol, durante os protestos de janeiro, de dois padres e um missionário da congregação chamada Consolata, que presta ajuda aos povos indígenas.
Na época, a diocese de Roraima acusou a prefeita de Uiramutã, Florany Mota (PT), de ter fornecido um caminhão da prefeitura para o grupo que fez o seqüestro.
A PF diz que não foram encontrados indícios contra Florany. Informou, no entanto, que investiga outras 36 pessoas que participaram dos protestos e podem ainda ser indiciadas.

Terra indígena possui ouro e diamantes

Da agência Folha, em Uiramutã (RR)

Índios e "brancos" mantêm uma pequena atividade de garimpo dentro da terra indígena Raposa/Serra do Sol, onde estudos do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) afirmam haver ouro e diamantes.
O ouro extraído é, em geral, trocado por mercadorias no município de Uiramutã.
Para o ex-garimpeiro Francisco Gomes Vieira, 58, a região viveu o ápice da garimpagem entre 1977 e 1988. "Aqui se achava muito ouro e até diamantes, mas agora a retirada é pequena."
Vieira confirmou a existência de jazidas de minério na região, mas disse que as áreas relevantes de ouro e diamante estão na Guiana, do outro lado do rio Maú.
O grama do ouro em Uiramutã é comercializado por cerca de R$ 30. Chega a Boa Vista valendo R$ 38, de acordo com relato do comerciante Tomé Gomes, 48.
Gomes, que tem uma mercearia na cidade há cerca de dez anos, disse que o ouro é trocado pelos garimpeiros para a "sobrevivência". Segundo ele, "quem garimpa é porque está sem trabalho".
O comerciante disse ainda que, se a homologação contínua for concretizada, ele, que não é índio, pretende resistir e permanecer na área. "Criei minha família aqui, tenho direitos também", afirma ele.
A reportagem localizou um ponto de garimpagem à margem do rio Maú, entre Uiramutã e a comunidade indígena do Flexau.
Manualmente, os garimpeiros da região retiram cerca de 30 gramas por semana, de acordo com um deles.
A Funai teme que, com a existência de minérios na área da reserva, ocorra uma corrida de garimpeiros à região. (JER)

Uiramutã pode deixar de existir

Da agência Folha, em Uiramutã (RR)

Uma das áreas com maior potencial de conflito em Roraima é a região de Uiramutã (334 km de Boa Vista), município que pode ser extinto caso a área vire uma reserva indígena contínua.
A cidade é cortada por um igarapé. Ao lado de uma margem, fica o núcleo urbano, com ruas iluminadas, uma agência do correio, uma escola estadual e uma municipal (veja quadro nesta página). De outro, a menos de 1 km, fica a maloca (comunidade indígena) do Uiramutã, sem luz elétrica, com construções rústicas e uma escola com instrução apenas na língua macuxi.
No núcleo urbano, a prefeita da cidade, Florany Mota (PT), e os índios ouvidos pela Agência Folha são contrários à demarcação contínua da terra Raposa/Serra do Sol, pois isso pode causar a extinção do município. Na maloca, os índios têm posição oposta.
A proximidade entre as duas comunidades aponta para um possível conflito na área a partir da decisão do governo federal sobre a questão. A reportagem ouviu ameaças feitas pelos dois lados.
No total, o município tem 5.802 habitantes, entre eles 1.505 não-índios, segundo o Censo 2000 do IBGE. Esse número não inclui a maloca do Maturuca, onde os recenseadores foram impedidos de trabalhar pelos índios, que não aceitam a presença de "brancos".
No núcleo urbano, há casas com televisores, computadores e aparelhos de CD. Duas escolas bilíngües -em português e macuxi- são freqüentadas por mais de 700 crianças, moradoras da cidade e de vilas próximas ao município.
Para a prefeita, a homologação contínua inviabilizará o município. "Também somos índios, mas não queremos viver isolados."
Já do outro lado do igarapé, o índio macuxi Leonardo Pereira da Silva defende a proposta da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do CIR (Conselho Indígena de Roraima) e exige a homologação contínua da área.
"A terra é do índio e é para ser usada pelo índio. Já fomos humilhados e escravizados por décadas pelo homem "branco". Agora queremos o que é nosso por direito." Ele também defende a retirada dos não-índios da área da reserva.
Na estrada que liga Uiramutã a Boa Vista há uma barreira montada por índios contrários à homologação contínua. Daquele trecho em diante, estrangeiros e pessoas ligadas à Funai têm dificuldade em seguir viagem. Índios acreditam que estrangeiros financiam ONGs a favor da demarcação contínua.
A 2 km do núcleo urbano, funciona desde 2002 o 6o Pelotão Especial de Fronteira do Exército, que monitora uma extensão de 324,5 km de fronteira. Dos 48 militares, 4 são índios macuxis da região. (JER)

FSP, 03/05/2005, Brasil, p. A6

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