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PF investiga quem armou índios do Pará

FSP, Brasil, p. A10
22 de Mai de 2008

PF investiga quem armou índios do Pará
Polícia quer descobrir quem comprou os mais de cem facões entregues aos caiapós que agrediram engenheiro da Eletrobrás
Delegado responsável pelo inquérito diz ter provas de que ao menos sete facões foram adquiridos antes de encontro que reuniu ONGs

Kátia Brasil
Da agência Folha, em Manaus
Sílvia Freire
Da agência Folha

A Polícia Federal em Altamira (PA) investiga os responsáveis pela compra de pelo menos cem facões entregues aos índios caiapós que agrediram o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende, coordenador do estudo do rio Xingu -onde deve ser construída a hidrelétrica de Belo Monte.
Anteontem, Rezende sofreu um corte profundo no braço direito e foi espancado pelos índios quando apresentava o projeto e defendia sua instalação. "Hoje o inquérito está seguindo outra linha, não para identificar exatamente quem desferiu golpes com facão. Mas, como os facões são novos e foram comprados recentemente dentro da cidade [Altamira], estamos investigando quem os forneceu aos índios", disse o delegado Jorge Eduardo Ferreira de Oliveira, coordenador do inquérito que apura crime de lesão corporal contra o engenheiro.
Ele disse ter provas de que sete dos cerca de cem facões foram comprados em estabelecimentos comerciais de Altamira antes do encontro "Xingu Vivo para Sempre", que desde anteontem reúne 2.500 pessoas -das quais de 600 a 800 indígenas- num ginásio da cidade. O encontro terminará amanhã.
Segundo o delegado da PF, é importante saber se houve participação da organização do evento, da Arquidiocese de Altamira, do ISA (Instituto Socioambiental), da Fundação Viver, Produzir e Preservar, além de dezenas de outras ONGs: "Se houve, seria uma incitação à violência. Colocar facões novos nas mãos dos índios é extrapolar o caráter do movimento".
A organização do encontro negou que tenha comprado os facões ou incitado os índios à agressão: "A organização não patrocinou, não comprou nem orientou os caiapós sobre o uso dos facões ou outro artefato", disse Ana Paula Souza, coordenadora-geral da Fundação Viver, Produzir e Preservar.
Segundo ela, não é novidade o uso de facões pelos caiapós nem o fato de eles comprarem os artefatos no comércio local. De acordo com ela, uma nota condenando a agressão foi divulgada logo após o fato: "Foi uma atitude abominável".
O delegado da PF disse que o órgão está estudando as imagens das agressões contra Rezende -que foi ouvido em Altamira antes de ir para o Rio.
O procurador da República Felício Pontes, que participou do encontro, afirmou que Rezende foi inábil e provocador ao se dirigir ao público: "Ele [Rezende] dizia: "Olha, eu moro no Rio de Janeiro. Quem vai ficar sem luz são vocês". Ele foi muito inábil", afirmou Pontes. A reportagem enviou e-mail a Rezende. Segundo a Eletrobrás, ficaria a critério do engenheiro responder ou não aos questionamentos, o que não ocorreu.
Uma das participantes do encontro foi a índia Tuíra, que repetiu com Rezende o mesmo gesto de advertência que fez em 1989 com o hoje presidente da Eletronorte.
O 16o Batalhão da Polícia Militar do Xingu, de Altamira, disse que dez PMs estavam no evento na hora da agressão. Ontem passou a ter 30 policiais.
Cerca de cem índios, de várias etnias, fizerem uma manifestação ontem às 15h, no entorno da sede da Justiça Federal, em Altamira, contra a construção da usina. Alguns estavam armados com bordunas.

Índia repete a ameaça que fez a diretor de Eletronorte em 1989

Em 21 de fevereiro de 1989, num encontro em Altamira para debater a construção da usina de Belo Monte (então chamada de Cararaô), a índia caiapó Tuíra encostou seu facão no rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, atual presidente da estatal, num gesto de ameaça. A repercussão do protesto levou o Banco Mundial a suspender o financiamento para a usina. Anteontem, Tuíra repetiu o gesto com o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende antes de ele ser agredido pelos índios.

Usina enfrenta resistências há cerca de 20 anos

Da agência Folha

O projeto para construir a usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA), começou há cerca de 20 anos e sempre encontrou resistências de ambientalistas, indígenas e população da região. A usina é considerada peça-chave para atender à demanda futura de energia elétrica do país.
Em 2007, Belo Monte foi incluída no PAC como obra prioritária. O leilão de concessão está previsto para ocorrer em 2009. A usina, que prevê gerar 11,18 mil MW, tem custo previsto em US$ 7 bilhões (R$ 11,2 bilhões). Se construída, será a segunda maior hidrelétrica do país -Itaipu gera 12 mil MW.
Índios e pequenos agricultores criticam a instalação da usina devido aos impactos que ela acarretará. Cerca de 15 mil pessoas deverão ser deslocadas.
Em artigo de 2007 para a revista "Brasil Energia", o engenheiro Paulo Fernando Rezende, coordenador dos estudos de Belo Monte, ferido por índios anteontem, disse que a cota de alagamento provocada pelo reservatório será semelhante às cheias que ocorrem anualmente no Xingu e que nenhuma terra indígena será alagada.
Para o professor da Unicamp Oswaldo Sevá, que participou anteontem da mesa de discussão com Rezende, os impactos ambiental, social e econômico da usina serão "enormes" e prejudicarão o Xingu. Para Sevá, será preciso abrir a mata e construir estradas para transportar material e construir linhas de transmissão. "Barrar o trecho do rio onde está prevista a instalação da usina equivale a barrar as cataratas do Iguaçu."

FSP, 22/05/2008, Brasil, p. A10

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