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PF cerca reserva e começa a retirar garimpeiros

OESP, Nacional, p.A6
21 de Abr de 2004

PF cerca reserva e começa a retirar garimpeiros

EDSON LUIZ. Enviado especial

PORTO VELHO. A Polícia Federal começou ontem uma megaoperação na reserva indígena Roosevelt, na região de Pimenta Bueno, no sul de Rondônia, para retirar todos os garimpeiros do local e decretar o fim da extração de diamantes, motivo do conflito que deixou 29 mineradores mortos. A área possui uma das maiores jazidas de diamantes do mundo.
Mais de 400 homens da PF e do Exército cercaram várias partes da reserva, enquanto integrantes de outros 22 órgãos estaduais e federais começaram levantamentos estratégicos. A ação foi a primeira da Operação Mamoré, que prevê mais nove missões, para combater o crime organizado no Estado.
Um trabalho da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) constatou um alto índice de criminalidade no Estado, principalmente na fronteira com a Bolívia. A PF está agindo em diversas incursões, enquanto o Exército e a Força Aérea Brasileira (FAB) estão baseando as ações em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, e Vilhena, na divisa com Mato Grosso”, contou o superintendente da PF no Estado, Marco Aurélio Moura. Estamos fiscalizando tudo.”
Um dos principais objetivos da operação é levantar novos indícios sobre o massacre dos 29 garimpeiros. A determinação é pela retirada de todos os mineradores, se preciso, presos. Podem ser brancos ou índios, serão impedidos de garimpar”, assegurou Moura.
Guerra – Os garimpeiros foram mortos dentro da reserva por cem guerreiros da tribo cinta-larga. Três foram executados por vingança, enquanto outros 26 foram mortos quando eram levados para um posto da Fundação Nacional do Índio (Funai), dentro da Roosevelt.
As informações foram repassadas pelos próprios índios ao coordenador da força-tarefa na região, Walter Blós, retirado da reserva sob ameaças de morte. Ele hoje está vivendo na sede da PF em Porto Velho. O fato coincide com relatos de pelo menos dois sobreviventes.
Segundo Blós, os índios descobriram, depois de prender 15 garimpeiros, que outros 150 estavam explorando uma mina numa área conhecida como Grota do Sossego. Cerca de cem guerreiros foram ao local e depararam com um minerador conhecido como Baiano Doido, que teria ameaçado os índios.
Mesmo preso, o Baiano provocou os guerreiros e foi morto junto com duas pessoas”, contou Blós. Outros estavam sendo levados para o posto de vigilância quando um deles falou, em voz baixa, que não seriam presos e fariam uma emboscada para os índios. Por isso, foram mortos a flechadas ou com bordunas e armas de fogo.”
Parecia uma guerra. Em 11 anos de garimpo nunca vi uma coisa dessa. Tive muito medo de morrer”, relatou a sobrevivente Marlene Pereira Dutra.
Segundo ela, cerca de 200 pessoas estavam na Grota do Sossego quando os índios chegaram, atirando. A gente só ouvia gritos e pancadas. Quando voltamos, já encontramos três corpos enterrados.”
Identificação – Ontem, 3 dos 26 corpos que estão sendo examinados em Porto Velho foram reconhecidos. São os garimpeiros Odail José Malheiros de Souza, Antônio Ribeiro e outro conhecido apenas por Piauí.
Meu marido saiu de São Paulo com esperança de vencer na vida. Mas conseguiu muito pouco. Ele não tinha estudo e não sabia fazer outra coisa”, desabafou a professora Solange Ribeiro, mulher de Ribeiro, reconhecido pelas roupas e pela arcada dentária.
Desempregado, Souza aceitou o convite para ir para o garimpo com dois amigos. Foi a primeira vez e a última”, contou a mãe, Socorro, a mais abalada dos familiares presentes. Ele foi reconhecido por uma tatuagem no braço.

Jurista defende mudança na legislação
Incidentes envolvendo tribos como a dos cintas-largas, que segundo apurações preliminares podem ter cometido uma chacina em Rondônia, chamam a atenção para a necessidade de leis mais claras sobre os deveres dos índios no País.
A opinião é do professor de Direito Público da PUC de São Paulo Carlos Ari Sundfeld. "Vamos viver uma situação de tensão que fará com que a legislação seja menos complacente", afirma ele. "A relação que muitos índios têm atualmente com a terra não é mais aquela primitiva, é uma relação de proprietário."
Sundfeld lembra que os índios são protegidos por um regime legal especial, de semi-responsabilidade civil, como os menores de idade. No caso criminal, como o do possível massacre de Rondônia, eles podem, sim, ser processados e condenados por homicídio. "A sociedade não aceita casos assim como não aceita que fazendeiros matem os sem-terra", afirma ele.
Professor de Direito Constitucional da USP, Sérgio Resende de Barros diz que "nada justifica a não instauração de inquérito" no caso dos cintas-largas.
"A semi-responsabilidade civil não implica necessariamente na inimputabilidade penal", afirma ele, ressaltando que é preciso apurar "realmente o que ocorreu em Rondônia. (Conrado Corsalette)

OESP, 21/04/2004, p. A6

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