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Petroleo verde transforma sertao

JB, Economia & Negocios, p.A35
28 de Mar de 2004

'Petróleo verde' transforma sertão
Mamona para produção de combustível alternativo gera empregos no interior do Piauí

Nícia Ribas
CANTO DO BURITI, PI - Uma boa idéia surgida num bate-papo de amigos num bar do Leblon está mudando a vida do povo do sertão do Piauí. Inaugurado esta semana, o primeiro núcleo de plantio de mamona voltado para a produção de biodiesel leva a região a uma nova era de colonização. A inspiração para o projeto do empresário Daniel Birmann, dono da Brasil Biodiesel, veio da história de seu avô judeu-russo, Pedro Birmann, que chegou ao Brasil, fugindo do regime czarista, em 1909, e recebeu 50 hectares de terra e uma parelha de bois para começar a vida.
O projeto todo prevê 16 agrovilas com 35 casas cada uma, construídas em terras inadequadas para outras culturas, exceto a mamona, planta oleaginosa que resiste à mecanização, exigindo mão-de-obra. É aí que entra a inclusão social, pois a organização da agricultura familiar é o primeiro estágio do programa.
Os primeiros casais colonizadores do semi-árido já estão chegando a Canto do Buriti para habitar a nova Fazenda Santa Clara. Raimunda e Antônio Vieira dos Santos vieram de Malhada Bonita, com o filho e um irmão dela, animados a recomeçar a vida a partir do impulso que receberam: um lote agrícola já semeado; uma casa de alvenaria com água encanada, rede de esgoto e energia elétrica; e um salário de R$ 250 durante os primeiros seis meses, como adiantamento de safra. Além disso, terão ensinamentos técnicos e toda a infra-estrutura necessária para levar uma vida digna. Ao chefe da família, cabe o cultivo da mamona, intercalada com feijão-de-corda. À esposa, cabe o cuidado com a horta semeada diante da casa.
Toda a safra será comprada pela Brasil Biodiesel, que vai, numa primeira etapa, exportar óleo de mamona, e futuramente, produzir biodiesel a partir da agricultura brasileira. ''É o petróleo verde extraído num país cheio de sol e de terra'', como diz a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. E quem vai extrair esse petróleo é o trabalhador rural, que passa a ter o emprego na porta de sua casa.
No Centro Comunitário das agrovilas, é comum ver pai e filho sentados lado a lado, nas classes do primeiro grau. Diariamente, o jovem casal Miriam e Generval Pereira dos Santos, quando termina o trabalho na roça, veste a camisa verde do uniforme e vai para a escola. Seus amigos e vizinhos, Robson Pereira da Costa e Marineide Torres da Silva, já tinham uma filha de dois anos quando vieram para a agrovila e no dia 9 de fevereiro tiveram Poliana, a primeira agrovilense, nascida praticamente junto com o projeto.
Graças a um sistema de reaproveitamento do lixo, instalado pela equipe de técnicos da produção agrícola, sob a coordenação de Ulda Petersen, da Brasil Biodiesel, no lugar não há moscas, nem mau cheiro. Mosquitos, só quando chove e mesmo assim são inofensivos. O que assusta os moradores é a papa-pimenta, um inseto que solta uns pelinhos sobre a pele, provocando inflamações.
Josilene Lima da Silva, 23 anos e três filhos, sempre trabalhou na roça e já decorou a casa nova com figuras das imagens dos seus santos preferidos: ''Quando morava acolá, já gostava de plantar''. Ela acorda antes das cinco para dar de comer aos meninos e sair para o trabalho, em seu próprio quintal.
Maria Guiomar e Durval Sobreira tiveram que quebrar a cabeça para acomodar os oito filhos na casa de dois quartos. Dois deles dormem em redes que são estendidas na sala. Ela está satisfeita, lamentando apenas a falta da televisão, enquanto não pode comprar a parabólica dos seus sonhos. Nos fins de semana, a rapaziada vai de bicicleta atrás de diversão, mas ela e Durval ficam por ali mesmo, conversando com os novos vizinhos, que já se tornaram amigos.
O ex-sem-terra Aglésio Pereira da Costa, liderança do MST do Piauí, instalou-se na agrovila há dois meses com a mulher, Zélia, e a filha Darliene. Ele calcula que umas 10 famílias de companheiros do movimento também já vieram. Ao final de 10 anos, as famílias receberão o título definitivo de propriedade da terra. Isso é um jeito diferente e pacífico de fazer a reforma agrária. Só resta torcer para que dê certo.

JB, 28/03/2004, p. A35

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