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'Petrobrás tende a não ser uma das primeiras a deixar de produzir petróleo' diz novo conselheiro

Valor Econômico - https://valor.globo.com
14 de Mai de 2024

'Petrobrás tende a não ser uma das primeiras a deixar de produzir petróleo' diz novo conselheiro
Rafael Dubeux diz que população está mais sensível ao clima após tragédia no RS

Murillo Camarotto
Jéssica Sant'Ana

14/05/2024

Colocado no conselho de administração da Petrobras em meio à disputa em torno do pagamento dos dividendos extraordinários, o secretário-executivo-adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, chega ao colegiado como representante maior da agenda de transição ecológica do governo. Sua atuação, contudo, terá a marca do pragmatismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não está disposto a abrir mão das reservas de petróleo e gás do país.

Na primeira entrevista desde que foi aprovado para o conselho, há 20 dias, ele disse que a Petrobras será uma das últimas petroleiras do mundo a abandonar a produção de combustíveis fósseis. "Aquelas que têm um petróleo a um custo menor e com a intensidade de carbono por barril produzido menor tendem a ser as que vão ficar por mais tempo produzindo", disse ele sobre a estatal.

Sobre a catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, Dubeux afirmou que o governo deve anunciar em algumas semanas iniciativas concretas para uma política mais efetiva de prevenção e adaptação às mudanças climáticas. "Este é um debate que está sendo feito neste momento, para que, além da resposta imediata, a gente consiga ter no ciclo pré-desastre uma capacidade de ação mais efetiva", disse.

O novo conselheiro da Petrobras também deu detalhes sobre a estruturação de um fundo permanente para conservação de florestas, desenhado com o Banco Mundial, e que poderá receber bilhões de dólares para viabilizar o pagamento por serviços florestais, visto como uma saída promissora para a meta de desmatamento zero.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor.

Valor: Como a catástrofe do Rio Grande do Sul pode moldar a visão e o comportamento da classe política em Brasília no tratamento da pauta ambiental?

Rafael Dubeux: Quem vem acompanhando esse assunto há anos alerta que a mudança do clima ia trazer fenômenos extremos com mais frequência e com maior intensidade, e tinha gente que não acreditava nisso. A tragédia aumentou a sensibilização da população e da política quanto à gravidade do problema e à necessidade de enfrentá-lo. Nesse sentido, a pauta assume um protagonismo ainda maior do que o que vinha tendo e abre espaço para um debate sobre o tema da adaptação, porque, historicamente, a maior parte do debate fica na mitigação e tratamos pouco da adaptação.

Valor: Sobre o impacto econômico, foi anunciado um pacote de curto prazo para o Rio Grande do Sul. Como o governo está vendo esse roteiro para a retomada do ponto de vista econômico para o Estado?

Dubeux: De imediato medidas são como socorrer, fazer a assistência humanitária, o restabelecimento dos serviços públicos e uma série de medidas para viabilizar que o sistema econômico e social volte a funcionar minimamente. Já foi anunciado um pacote com várias medidas, com antecipação de pagamento de vários benefícios, linhas de crédito, uma série de repasses para retomar a atividade econômica. O momento agora é de mapear e ter clareza da dimensão dos danos, porque está claro que são muito grandes, mas ninguém sabe ainda qual é o número.

Valor: Em médio e longo prazos, o que o governo federal pode fazer para reduzir os riscos e os danos causados por enchentes e secas?

Dubeux: O presidente Lula já deu uma ordem clara, e a ministra Marina Silva vem liderando uma discussão sobre isso, de que uma estrutura nova ou uma governança nova precisa ser criada no Brasil para termos capacidade de uma prevenção mais estruturada. Acredito que em poucas semanas devemos ter uma resposta mais clara sobre o assunto. Debatendo a possibilidade de termos uma capacidade de planejamento maior para prevenção e mitigação de riscos. Esse é um debate que está sendo feito nesse momento, para que para além da resposta imediata, para a qual o governo está inteiramente engajado, a gente consiga ter nesse ciclo pré-desastre uma capacidade de ação mais efetiva no Brasil. O próprio Conselho Interministerial sobre Mudança do Clima tem grupos criando políticas de adaptação, trabalhando com os diferentes eixos de adaptação. Há medidas já ocorrendo, mas a tragédia agora do Rio Grande do Sul traz ainda uma urgência específica para focarmos no tema da prevenção, mitigação e preparação para o desastre.

Valor: O sr. é um dos principais nomes do governo para o Plano de Transformação Ecológica. Como a sua indicação para o conselho de administração da Petrobras dialoga com esse seu papel no governo?

Dubeux: A indicação tem a ver com parte da agenda com a qual eu vinha lidando aqui no Ministério da Fazenda, mas estou chegando ainda na empresa, não participei de nenhuma das reuniões do conselho, então estou chegando com total humildade para conhecer a dimensão da empresa e quais são as possibilidades de atuação.

Valor: Como a Petrobras pode colaborar com a agenda de transição energética?

Dubeux: O Brasil caminha claramente para avançar na agenda da transição energética, mas é um país que dispõe de recursos naturais fósseis em abundância. Mesmo países ricos continuam produzindo e investindo em recursos fósseis, então é difícil para um país em desenvolvimento abrir mão dos recursos no longo prazo. Mesmo em cenários de longo prazo, de carbono zero, [os países] continuam trabalhando com alguma produção de combustíveis fósseis. O Brasil tem que buscar algum equilíbrio nessa agenda de, ao mesmo tempo, trazer fontes de recursos para uma população que ainda tem aspirações sociais legítimas, para as quais a renda oriunda dos combustíveis fósseis pode contribuir, mas ao mesmo tempo preparar o país para a transição energética.

"Tragédia no Rio Grande do Sul traz uma urgência para focar mais na preparação para o desastre"

Valor: Mas qual o papel da Petrobras na transição de longo prazo?

Dubeux: A Petrobras é a principal empresa de energia do país e, evidentemente, tem uma atuação hoje ainda muito focada na produção de petróleo. Mas a própria empresa já vem expandindo muito, não só as atividades de pesquisa, mas também de investimentos em energias de baixo carbono, em soluções como captura estocada de carbono, fazendo pesquisa sobre hidrogênio, sobre biocombustíveis.

Valor: Ambientalistas argumentam que a vida útil de um poço de petróleo é de décadas e que se a Petrobras for explorar a foz do Amazonas, por exemplo, vai ficar 30 anos lá e que isso não seria transição energética. Qual a sua opinião?

Dubeux: Nos cenários da Agência Internacional de Energia, para o mundo chegar ao "net zero" no meio do século, mesmo nesse cenário, ainda tem uma produção relevante de petróleo. Uma discussão colocada internacionalmente é sobre quem são os produtores que vão continuar produzindo, mesmo que haja uma queda significativa da demanda para o petróleo no mundo. E, naturalmente, aquelas produtoras que têm um petróleo a um custo menor, e com a intensidade de carbono por barril produzido menor, tendem a ser as que vão ficar por mais tempo produzindo. Hoje, a Petrobras tem um custo menor do que a média mundial e uma intensidade de carbono por barril produzido menor do que a média internacional. Então, ela é uma candidata a seguir como uma das produtoras por um período mais alongado, tende a não ser uma das primeiras que vão deixar de produzir.

Valor: Mas e a transição?

Dubeux: O que achamos central é trabalhar com a redução da demanda. Porque, no fundo, se algumas pessoas acham que a Petrobras e que o Brasil deveriam parar de investir em petróleo, a consequência automática é que a nossa demanda de petróleo vai continuar existindo. [Ou seja], o Brasil simplesmente vai importar petróleo de outros países. Então, o ganho do ponto de vista ambiental vai ser nenhum, na verdade tende a ser um prejuízo não apenas econômico para o Brasil no curto prazo, mas um prejuízo inclusive do ponto de vista climático, porque vamos trazer um petróleo mais intensivo em carbono e ainda vamos ter que transportar. Um cenário que claramente não é melhor.

Valor: Quais seriam políticas para reduzir a demanda por petróleo?

Dubeux: Eu destacaria a criação de um mercado regulado de carbono, num modelo que se chama de "cap and trade", que é tido como o modelo mais eficiente para descarbonizar a economia ao menor custo possível para a sociedade. Em paralelo, enviamos também o PL do Combustível do Futuro, aumentando a mistura obrigatória de etanol, de biodiesel, trazendo o diesel verde para o Brasil, o biogás e o SAF [combustível sustentável de aviação], uma série de alternativas para diminuir a demanda por combustíveis fósseis.

Valor: O presidente da França veio ao Brasil e anunciou de €1 bilhão para bioeconomia. Depois disso, nenhum detalhe foi dado. O que há de concreto?

Dubeux: Não estou a par dos detalhes da parceria com a França, mas vou lhe falar sobre o que estamos acompanhando no Plano de Transformação Ecológica. A bioeconomia, que para os outros países é uma pauta secundária nesse debate do clima, para nós é uma pauta central. Porque para reduzir as emissões do desmatamento e do agronegócio, eu preciso dela. Para ser duradouro o combate ao desmatamento, é preciso criar um modelo econômico alternativo para todos os biomas, em particular para a Amazônia, onde há cerca 20 milhões de pessoas vivendo.

Valor: O pagamento por serviços florestais pode ser um exemplo?

Dubeux: Lançamos esse debate internacionalmente na COP do ano passado, com a ideia do "Tropical Forest Forever Fund". É um fundo internacional para a preservação das florestas tropicais, justamente para a gente compartilhar com o mundo o custo do serviço ambiental. Essa ideia tem sido muito bem recebida internacionalmente por vários países. Não será um fundo de doação. A ideia é que seja um fundo de "endowment", em que você tem um aporte de capital e esse capital gera um rendimento. Esse rendimento vai servir para fazer o pagamento do serviço ambiental.

Valor: Mas como funcionaria?

Dubeux: Ainda está sendo amadurecido o desenho exato, mas o arranjo está sendo estruturado da seguinte maneira: fundos soberanos fariam um aporte, ou os países utilizariam reservas internacionais, ou filantropias, nesse fundo. O fundo remunera quem fez o aporte, então, em vez de uma pessoa comprar um título público do governo americano, por exemplo, ela compraria uma cota desse fundo, continuaria recebendo um rendimento de 3% ou 4% de juros ao ano. Esse dinheiro seria gerido por uma instituição internacional, mas qualquer um desses organismos multilaterais pode fazer esse papel. Emprestaria esse dinheiro, por exemplo, a 7% ou 8% para projetos verdes no mundo inteiro, a diferença disso para os 3% ou 4% que mencionei serviria justamente para pagar os países que estão preservando floresta.

Valor: Quando será lançado?

Dubeux: Vai depender do quão rapidamente avançam as discussões internacionais. Já houve uma série de reuniões com países, com fundos. Em abril, durante o encontro do FMI, houve várias discussões, com uma recepção muito boa, vários países querendo entrar. O funcionamento neste ano eu acho improvável, mas podemos ter o arcabouço.

Valor: Vocês já projetaram qual o aporte será necessário?

Dubeux: É um fundo para dezenas de bilhões de dólares.

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