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Petrobrás poderá discutir o caso Yasuni com sociedade civil no Equador

Adital
Autor: Julianna Malerba *
22 de Fev de 2005

Integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e de organizações equatorianas visitaram, na última segunda-feira, 14 de fevereiro, a unidade produtiva da Petrobrás em Urucu, na Amazônia brasileira, para discutirem os impactos das atividades da empresa no Equador em uma área ainda intocada com uma das maiores biodiversidades do planeta.

Em novembro do ano passado a estatal brasileira já havia se reunido com representantes da RBJA e da Ong equatoriana Acción Ecológica para discutir o caso, após uma denúncia feita conjuntamente por ambas organizações sobre o duplo padrão utilizado pela Petrobrás ao se instalar em uma área de proteção ambiental no coração da Amazônia equatoriana, já que no Brasil não é permitido explorar petróleo em Parques Nacionais. Nessa reunião ficou definido que a Petrobrás realizaria uma reunião no Equador, com representantes da Petrobrás Energia do Equador e convidou a delegação da sociedade civil para conhecer sua unidade produtiva no Amazonas, onde opera dentro da floresta, com a finalidade de apresentar o padrão produtivo da empresa.

A razão que motivou o convite foram os resultados apresentados pela missão internacional que em agosto de 2004 esteve no Parque Nacional Yasuni (Equador) em áreas atualmente exploradas por outras companhias petrolíferas e da qual participaram membros da RBJA conjuntamente com representantes de organizações do Brasil, Espanha, Colômbia, Canadá e Equador. Os representantes da RBJA que lá estiveram, puderam observar os enormes impactos socioambientais que estão sendo produzidos pelas empresas REPSOL YPF (Espanha) e ENCANA (Canadá). Eles acreditam, a exemplo do que viram nas áreas operadas por outras empresas, que as atividades da estatal brasileira possivelmente degradará o que resta de floresta preservada e dos grupos indígenas não contatados que nessa área vivem.

Diferenças

Em Manaus, a delegação da sociedade civil (composta por Jean Pierre Leroy, coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático-FASE e Relator para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DHESC Brasil, Julianna Malerba, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e técnica da FASE, por Jeffer Castelo Branco, da Associação de combate aos POPs, Alexandra Almeida, da Accion Ecologia e OILWATCH (Equador), Marcos Amaral, representante do Sindicato dos Petroleiros de Caxias e Simão Zanardi, representando a Federação Única dos Petroleiros) após ter conhecido a unidade de Urucu, se reuniu com Milas Evangelista, gerente de segurança, meio ambiente, saúde e qualidade da área de negócios internacionais.

Apesar da delegação ter constatado os esforços da Petrobrás em controlar os impactos de sua atividade na Amazônia, durante a reunião foram levantados uma série de pontos que fazem com que a exploração em Urucu seja diversa daquela que pretende ser iniciada em Yasuni. Segundo os técnicos da Petrobrás não há populações ribeirinhas próximas à unidade produtiva em Urucu (o centro populacional mais próximo - Coari - está distante mais de 200km e ainda assim teve um acréscimo de 7000 habitantes desde que Urucu foi construído) e a devastação que os 350 hectares de poços, estradas e demais infra-estruturas representa é relativamente pequena em meio à área total da porção brasileira de floresta amazônica. Somente esses dois aspectos já apresentam pontos radicalmente diversos do projeto para Yasuni.

A começar, a área a ser explorada no Equador além de Parque Nacional é território indígena, tradicionalmente habitado por povos da etnia Huaorani, sendo uma parte dela constituída por grupos ainda não contatados (os Tagaeri). Atualmente inúmeras empresas petrolíferas estão explorando petróleo na região, estando 80% do território Huaorani sob concessão dessas empresas, cujas atividades têm causado sérios impactos sócioambientais aos povos indígenas Huaorani. A missão realizada em agosto do ano passado, e que deu origem ao processo de diálogo com a Petrobrás, registrou uma série de impactos à população indígena que indicam um quadro de relações de dependência com as empresas. Após a entrada do dinheiro na região e de relações mercantis baseadas no seu uso, os indígenas passaram a ter de construir relações de trabalho com a empresa (que freqüentemente usa mão de obra indígena e, infelizmente paga por ela um valor até seis vezes menor que pela mão de obra branca) ou aceitar a tutela através da doação de alimentos e construção de casas. As conseqüências disso têm sido uma mudança estrutural na forma de reprodução do grupo que vem ocorrendo à revelia de seu próprio controle ou escolha, resultando na perda de identidade e, sobretudo, de soberania sobre suas vidas. Ainda que a Petrobrás se comprometa em controlar a colonização ao redor da sua unidade produtiva e da estrada que construirá, não é possível impedir os próprios indígenas de livre acesso ao território que por tradição e lei é seu. Não se trata, portanto de uma área sem populações próximas, como em Urucu.

Um segundo ponto se refere à área devastada. A Amazônia equatoriana corresponde a 2% da área total dessa floresta. Por conter petróleo no seu subsolo uma boa parte dela está devastada, sendo o Parque Nacional Yasuni uma das áreas ainda praticamente intacta. A Petrobrás está prestes a construir uma estrada que cortará o Parque em quase 30 km. Duas plataformas, com 24 poços e uma Estação Central de Processamento serão instaladas no interior do Parque, além de oleodutos e outras infra-estruturas necessárias (como alojamentos, estação de tratamento e processamento de resíduos). Segundo o próprio estudo de impacto ambiental feito pela empresa a área devastada corresponde a 140 hectares. Se um pouco mais que o dobro disso representa uma parcela muito pequena dos 5 milhões de km2 que possui a Amazônia brasileira o mesmo não pode ser dito com relação ao Equador. Devastar 140 hectares e ter controle sobre 200 mil hectares, quando se trata de uma exploração tão impactante quanto as atividades petroleiras pode representar uma grande ameaça ao que resta de área preservada do país.

Tanto é verdade que a construção da estrada tem despertado protestos no mundo todo. No final do ano passado, dezenas de cientistas de diversos países encaminharam uma carta aos governos equatorianos e brasileiros, e à própria direção da Petrobrás, pedindo à empresa brasileira que saísse da área devido à ameaça à biodiversidade que suas atividades poderiam causar. Nessa semana, dois dias depois que a delegação equatoriana/brasileira alertava novamente a Petrobrás, nove cientistas de diversas universidades americanas e o Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical no Panamá enviavam simultaneamente seus protestos contra o empreendimento.

Próximos passos

O passo seguinte do processo de diálogo iniciado entre a empresa e a sociedade civil será a realização de uma reunião ampla no Equador. A pedido da delegação que esteve em Urucu, a Petrobrás prometeu que tentaria viabilizar a realização de uma visita de membros da sociedade civil brasileira e equatoriana ao Bloco 18, onde já opera no Equador, e em seguida, uma reunião aberta em Quito, onde todos os interessados na discussão possam estar presentes.

A abertura da Petrobrás ao debate tem significado um avanço importante em direção à demanda dos movimentos, ao mesmo tempo em que representa uma postura democrática da empresa, que opera em um setor onde, historicamente, o respeito aos direitos dos grupos afetados não são considerados. A reunião no Equador deverá acontecer no início de abril.

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