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Pesquisas de biotecnologia paradas

JB, O Pais, p.A7
17 de Out de 2005

Pesquisas de biotecnologia paradas
Sem regulamentação, estudos sobre células-tronco e transgênicos não avançam há sete meses e ameaçam produção brasileira
Karla Correia
Pesquisas brasileiras no setor de biotecnologia estão paradas desde março, quando entrou em vigor a Lei de Biossegurança, após série de debates com especialistas, médicos e pesquisadores. Até agora, entretanto, sete meses depois de sua aprovação pelo Congresso, o governo não conseguiu fechar regulamentação sobre a nova lei, que libera a pesquisa de células-tronco embrionárias e o plantio e comercialização de transgênicos. Por conta disso, em vez de se beneficiar da legislação que foi considerada como uma das mais avançadas do mundo, o país enfrentará um retrocesso difícil de se contornar.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão que aprova e supervisiona os projetos de pesquisa na área, teve sua composição e estrutura alterados e deixou de funcionar logo que a lei entrou em vigor. Só voltará a operar depois que for regulamentada pelo governo. Todos os procedimentos científicos da área, desde experimentos de campo, liberações comerciais até simples autorizações para estudos de laboratório estão parados, pois não existe um órgão responsável pela sua liberação.
0 centro do imbróglio está no Ministério do Meio Ambiente, na avaliação da bancada ruralista do Congresso, uma das mais atuantes na aprovação da Lei de Biossegurança. E lá que está parada a minuta do decreto de regulamentação, enviada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia à Casa Civil em agosto.
0 entendimento entre a bancada é que a pasta quer recuperar o poder perdido com a edição da lei. Entre 2000 e 2004, todas as decisões sobre a aprovação e supervisão de projetos na área tinham que passar pela chancela da pasta, além da CTNBio. A nova legislação colocou tudo a cargo da CTNBio.
- Sabíamos que seria difícil negociar com o Meio Ambiente. 0 ministério se ressente da perda de poder sobre essa área de pesquisa e quer recuperar por meio da pressão política. É uma irresponsabilidade que parou a pesquisa brasileira e atrasou o país - analisa o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS). 0 pesquisador Francisco Aragão compartilha da avaliação.
- Uma das propostas do ministério é fazer consultas públicas antes de lançar a regulamentação da lei. Isso é impraticável. É só uma maneira de pressionar sobre uma disputa que a pasta perdeu, no Congresso afirma Aragão. 0 ministério não se pronunciou sobre o assunto.
0 primeiro prejuízo será sentido pela agricultura. 0 plantio de transgênicos para safra de 2006 terá que pagar royalties pelas sementes produzidas por multinacionais, já que o desenvolvimento de sementes no Brasil está sem regulamentação. E a situação pode ficar pior. Se a Lei de Biossegurança não for regulamentada até a próxima safra, o governo federal precisará mais uma vez usar artifícios como as Medidas Provisórias editadas nas últimas safras para permitir a plantação de soja transgênica em solo nacional.
De acordo com o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Aragão, a maioria das culturas transgênicas desenvolvidas pela instituição -como soja, milho e algodão -precisaria ser plantada até o fim de setembro deste ano. Sem a regulamentação da lei, segundo Aragão, o ano de 2006 já está perdido.
- Se o governo soltasse a regulamentação hoje, ainda teríamos que esperar a nova composição da CTNBio ea série de projetos que estão na fila para serem aprovados. Com isso, ó melhor cenário que podemos desenhar é a retomada dessa pesquisa em 2007 - lamenta Aragão.
Apesar de não depender da aprovação do CTNBio, a pesquisa com células-tronco embrionárias também está em compasso de espera. Os critérios para utilização da matéria-prima dessas pesquisas, células retiradas de embriões humanos, serão estabelecidos pela regulamentação da lei. Esta definiu apenas que os embriões utilizados seriam aqueles produzidos por fertilização in vitro, congelados há mais de três anos.
Falta ainda definir os critérios de seleção, registro e distribuição desse material pelas clínicas de fertilidade aos pesquisadores.

Trabalhos acadêmicos prejudicados
Apesar de críticas e protestos realizados por entidades como o Green Peace, feitas em frente ao Palácio do Planalto contra o uso de transgênicos no Brasil, a pesquisa acadêmica se ressente da falta de regulamentação da Lei de Biossegurança. Mesmo tendo comemorado o texto aprovado, considerado um dos mais avançados do mundo, nenhum trabalho de mestrado ou doutorado poderá ser produzido no país em 2006. Tudo porque a regulamentação não chegou a tempo de valer para os projetos apresentados neste ano. Cerca de 500 processos estão parados na CTNBio, conta a presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), Leila Oda.
- A paralisia do governo está levando rapidamente o país à dependência tecnológica. A comunidade científica acompanhou com ansiedade o andamento da Lei de Biossegurança e comemorou sua aprovação, mas agora a situação está pior do que nunca - lamenta Leila, decepcionada.

JB, 17/10/2005, p. A7

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