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Pesquisar e nao vender e rasgar dinheiro publico

OESP, Geral, p.A16
08 de Fev de 2004

'Pesquisar e não vender é rasgar dinheiro público' Para Eduardo Romano, da Embrapa, pesquisa só beneficia a sociedade quando gera produtos
HERTON ESCOBAR
Pesquisar e depois não conseguir pôr um produto no mercado "é rasgar dinheiro público", diz o biólogo molecular Eduardo Romano, do Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Embrapa, que trabalha com o desenvolvimento de plantas transgênicas resistentes a seca.
Uma das principais figuras científicas no debate político sobre a regulamentação dos transgênicos, ele critica alguns dos pontos-chave do projeto da Lei de Biossegurança que será analisado pelo Senado. O texto determina que os pareceres da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) - órgão que reunirá representantes da comunidade científica, da sociedade e dos ministérios - para liberação comercial de transgênicos terão de ser aprovados também pelos ministérios.
Estado - Como o senhor avalia o projeto de lei aprovado pela Câmara, se comparado à Lei de Biossegurança atual?
Eduardo Romano - Traz avanços, mas o parecer do dr. Aldo Rebelo (ex-relator do projeto, atual ministro-chefe da Articulação Política) era muito melhor.
Estado - O projeto facilita a pesquisa?
Romano - A sociedade só é atingida pelos benefícios da pesquisa quando esta gera produtos. Poder pesquisar e não comercializar é rasgar dinheiro público.
Estado - É justo que a CTNBio tivesse poder absoluto também para liberação comercial? Por que os ministérios não teriam o direito de fazer exigências também?
Romano - Todos os ministérios estão representados na CTNBio e, portanto, não faz sentido haver redundância de órgãos para apreciar a mesma matéria. Além disto, a transgenia é um campo da ciência no qual as inovações acontecem com alta velocidade. Com a CTNBio, o Estado pode indicar a cada dois anos os melhores cientistas do País para fazer avaliações. Por outro lado, o Ibama, órgão extremamente competente, mas não na área de transgenia, não possui quadros na área. E, mesmo contratando doutores, seria um órgão que, longe da academia, em menos de dois anos (os doutores) estariam completamente desatualizados. Isto não significa que a CTNBio deva ter poder absoluto para liberações comerciais. A partir do parecer técnico da CTNBio, o Estado deve decidir o que vai ser comercializado levando em consideração se é interessante para o País do ponto de vista socioeconômico.
Estado - Se o produto for mesmo seguro, não haverá motivo lógico para que o Ministério do Meio Ambiente impeça sua liberação. Por que o problema, então?
Romano - Nossa experiência na Embrapa demonstra que autorizações do Ibama para liberação de experimentos de pesquisa de 100 metros quadrados levam mais de três anos. O que esperar de um pedido de liberação comercial de 1 milhão de hectares?
Estado - Qual deve ser o papel do Conselho Nacional de Biossegurança (pelo projeto, o CNBS terá 15 ministros e será a última instância para a liberação de um produto)?
Romano - Um OGM (organismo geneticamente modificado) pode ser seguro, mas sua comercialização (pode) não ser interessante do ponto de vista socioeconômico. Portanto, é absolutamente necessário um controle do Estado na comercialização de qualquer OGM. Após um parecer técnico da CTNBio de que um produto é seguro, o papel do CNBS é dar a palavra final se o produto será comercializado ou não.
Estado - O que muda na CTNBio com a nova composição? Seu caráter científico fica comprometido? A sociedade civil não deve estar representada na comissão?
Romano - A sociedade civil precisa de seu espaço na CTNBio, é uma questão de transparência. No entanto, o caráter científico pode ficar comprometido já que, dos 27 membros, 12 são especialistas e 15 são representantes do governo ou da sociedade civil. Ou seja, a maioria pode ter um vínculo político ou ideológico.
Estado - Os ambientalistas dizem que há riscos nos transgênicos. Mas os cientistas dizem que não há prova de qualquer malefício. Em quem acreditar?
Romano - Riscos de biossegurança são questões absolutamente técnicas e, portanto, a opinião que deve ser considerada é a de cientistas. Os ambientalistas examinam a questão de forma ideológica.
Estado - Qual seria o modelo mais simples, seguro e eficaz para regulamentar as pesquisas e liberação comercial de OGMs?
Romano - O proposto pelo dr. Aldo Rebelo. Um único órgão técnico com especialistas, representantes da sociedade civil e do governo para dar exclusivamente pareceres técnicos. Após este parecer técnico, o Estado, por meio de um conselho de ministros, deve decidir se um produto deve ou não ser comercializado levando em consideração questões socioeconômicas.

OESP, 08/02/2004, p.A16

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