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Pesquisadores da UFMG revelam ancestralidade dos Uros, indígenas habitantes dos Andes no Peru e na Bolívia

Ufmg - https://www.ufmg.br
Autor: Luciana Macieira
12 de Set de 2013

Os Uros, povos indígenas que habitam regiões dos Andes no Peru e na Bolívia, despertam já há algum tempo o interesse de especialistas que investigam sua misteriosa origem. Por meio de análises de DNA, um grupo de pesquisadores fez nova descoberta sobre os antepassados dos Uros: eles possuem ancestralidade paterna e materna bem diferente dos Aimarás e Quéchuas, etnias indígenas predominantes nos Andes.

A descoberta, descrita no artigo The Genetic History of Indigenous Populations of the Peruvian and Bolivian Altiplano: The Legacy of the Uros, foi feita por equipe internacional de pesquisadores, coordenada pelo professor Fabrício Rodrigues Santos, do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

"Essa ancestralidade peculiar ocorre porque os atuais Uros do Peru e da Bolívia são descendentes de povos diferentes dos que originaram a maioria das outras comunidades da região, que são de etnia Aimará ou Quéchua. É muito interessante a constatação de que povos parecidos e que habitam o mesmo local há tanto tempo têm origens tão diferentes", explica Santos.

A descoberta ocorreu por meio da análise de amostras de DNA coletadas em 388 indivíduos, entre os Uros das ilhas flutuantes do lago Titicaca, no Peru, e os Uru-Chipaya e Uru-Poopó, que habitam a Bolívia. O material foi obtido da saliva dos indivíduos e as amostras foram encaminhadas para o laboratório da UFMG, onde foram analisados trechos de DNA específicos sobre ancestralidade.

"Analisamos os marcadores de linhagem paterna do cromossomo Y e de linhagem materna do DNA mitocondrial, comparando os Uros com as outras comunidades da região, incluindo os povos Aimarás e Quéchuas", explica Fabrício.

O trabalho envolveu, além da parte feita em laboratório, processos que incluem autorizações dos governos das regiões habitadas pelos Uros e dos líderes indígenas. Para Fabrício Santos, pesquisas que unem genética e história para analisar a ancestralidade indígena são muito importantes para a investigação científica sobre a origem dos povos. "Tentamos resgatar parte da história de um povo por meio da análise de seu DNA, que nos permite reconstruir seu passado desconhecido. Nosso objetivo é acrescentar dados e hipóteses que não existem nos livros de história oficial."

Conhecendo os Uros

No Peru, os Uros são cerca de dois mil indígenas, que habitam as margens e as ilhas flutuantes do Lago Titicaca. Já na Bolívia, são cerca de 2.600 indivíduos, vivendo nas margens de rios e lagos. Enquanto os Uros bolivianos são reconhecidos pelo governo daquele país, os habitantes do Peru, que vivem de artesanato e turismo, ainda lutam por direitos e por reconhecimento legal, apesar de manter costumes de mais de 3 mil anos atrás. Segundo o pesquisador Fabrício Santos, a pesquisa sobre ancestralidade, somada aos esforços de outros pesquisadores e antropólogos, é mais uma passo para que a etnia seja devidamente reconhecida.

"Os Uros são também conhecidos como Qhas Qut suñi, que significa 'povos do lago' no idioma uruquilla, original desse povo. Os Uros do Peru não falam mais essa língua porque eles assimilaram o aimará e o espanhol, idiomas falados na região pelos grupos dominantes. No período pré-colombiano, eles foram dominados e reprimidos pelos Aimarás e Quéchua, depois pelos Incas, e isto continuou durante a conquista espanhola. Durante o período colonial no Peru, Uro foi também sinônimo de uma classe social composta por pescadores, mas quando viravam agricultores e utilizavam o idioma Aimará, mudavam de classe", aponta.

O pesquisador acrescenta que algumas pessoas consideram que a etnia dos Uros do Titicaca se extinguiu na década de 1950, quando os últimos falantes da língua original (uruquilla) morreram, e que os atuais habitantes das ilhas flutuantes teriam inventado uma história de descendência destes povos antigos para continuarem lucrando com o turismo naquela região.

"Nossa pesquisa com o DNA mostra que os Uros atuais têm uma história peculiar de ancestralidade, apoiando a reivindicação deles como uma etnia única do Altiplano andino. Os Uros peruanos podem ter perdido a língua, mas identidade étnica é mais do que língua, pode ser observada também na cultura peculiar deste povo, nos costumes e em diversos outros comportamentos que os Uros mantêm até hoje, além de sua ancestralidade genética indígena."

Projeto Genográfico

O estudo com os Uros integra projeto financiado pela National Geographic e pela IBM, que visa, por meio de análises de DNA, reconstruir a história do povoamento do planeta pela nossa espécie. São dez centros de pesquisa espalhados pelo mundo - um deles, o Centro de Pesquisa da América do Sul, está localizado na UFMG, sob a coordenação do professor Fabrício Santos.

"Nosso centro fica por conta de estudar os povos indígenas da América Latina. Mas como o Projeto Genográfico tem caráter global, as pesquisas são feitas de forma sinérgica nos quatro cantos do mundo", conta o professor.

Atualmente, o grupo da UFMG trabalha com amostras de participantes indígenas voluntários do Peru, Equador, Bolívia e Brasil, em colaboração estreita com grupos de pesquisa em cada um desses países. Segundo o pesquisador Ricardo Fujita, colaborador da pesquisa pela Universidade de San Martín de Porres, no Peru, as comunidades indígenas têm demonstrado muito interesse em participar do projeto que busca conhecer parte da história dos povos que habitaram a América na época pré-colombiana. "Quando compartilhamos estes resultados com os Uros, eles ficaram muito entusiasmados", conta.

Para os indígenas que se interessam pela pesquisa, é muito importante ter suas origens investigadas pela genética. "Como não são reconhecidos oficialmente como etnia pelo governo do Peru, os Uros do Lago Titicaca, por exemplo, requisitam o apoio de antropólogos, arqueólogos, etnólogos, linguistas e geneticistas para buscarem evidências que possam ajudar a reconstruir a conexão com seu passado indígena desconhecido. Com os resultados de nossa pesquisa, esperamos ajudá-los de alguma forma", conclui Santos.

https://www.ufmg.br/online/arquivos/029872.shtml

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