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Pesquisa sobre conservação na Amazônia 5: escolhas planejadas de reservas

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br
Autor: FEARNSIDE, Philip M.
27 de Abr de 2015

Pesquisa sobre conservação na Amazônia 5: escolhas planejadas de reservas

PHILIP M. FEARNSIDE

Em 1999, foi convocada uma reunião em Macapá (AP) que reuniu 220 pesquisadores, ambientalistas e outros profissionais para sugerir prioridades para áreas protegidas [1, 2]. Mapas de prioridades foram preparados para diferentes grupos taxonômicos. A falta de conhecimento a respeito de grandes áreas geográficas para alguns grupos resultou em áreas pouco estudadas sendo atribuídas prioridade como medida de precaução. O problema da densidade de coleta muito desigual para amostragem da biodiversidade, como refletido, por exemplo, por exsicatas botânicas, é um artefato persistente no mapeamento da biodiversidade, com locais pertos de importantes centros de pesquisa, como Manaus e Belém, inevitavelmente sendo identificados como altamente biodiversos, enquanto áreas mal coletadas em outros lugares são indicadas como menos biodiversas [3].
Atribuir prioridade para áreas mal conhecidas representa uma tentativa de combater esse viés. O número de áreas identificadas na reunião de Macapá foi muito grande em comparação com recursos financeiros e vontade política para a criação das reservas: 265 áreas de "prioridade extrema" e 105 áreas de "prioridade muito alta" foram identificadas. As "prioridades de Macapá" se tornaram a base para o Programa Nacional de Diversidade Biológica (PRONABIO) [4, 5].
Em 2000, um trabalho realizado por Norman Myers e colegas propôs os "hotspots" ("pontos quentes") como uma base para o estabelecimento de prioridades de conservação global [6]. Assim como na classificação de Dinerstein et al. [7], foi dada prioridade extra aos ecossistemas com base no grau de ameaça. O Cerrado e a Mata Atlântica do Brasil foram classificados como hotspots, mas a Amazônia não.
Uma análise da vegetação no Bioma Amazônia feita por Leandro Ferreira usando GIS [8-10] tem sido fundamental para prover justificativa para a criação de áreas protegidas, especialmente aquelas sob proteção integral. Este foi um argumento chave levando à criação do Parque Nacional Tumucumaque em 2002 no Estado do Pará, na fronteira do Brasil com o Suriname. Com 38.874 km2 é hoje o maior do Brasil. Algoritmos de priorização de conservação desenvolvidos na Austrália por Robert Pressey (por exemplo, [11]) foram aplicados para a várzea no Pará por Albernaz et al.[12].
Um anúncio presidencial em 1998 divulgou a criação do projeto Áreas Protegidos da Amazônia-ARPA, que inicialmente era conhecido como PROAPAM (Programa para expansão das Áreas de Proteção Ambiental)[13]. O programa estabeleceu uma meta de proporcionar proteção integral para 10% de cada ecossistema, esta percentagem incluindo "áreas núcleo" delimitadas nos planos de gestão para unidades de conservação na categoria de uso sustentável.
O anúncio presidencial de uma meta de 10% foi uma resposta a uma chamada para esse objetivo pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Internacional) e o Banco Mundial como parte da campanha "Florestas para a Vida". O programa foi importante em estimular a criação de reservas, e os objetivos de porcentagem foram cumpridos em grande parte na Amazônia. As áreas protegidas no programa ARPA foram importantes na redução da perda de floresta [14-16].

NOTAS
[1] ISA (Instituto Socioambiental), IMAZON (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia); IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia); ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza); GTA (Grupo de Trabalho Amazônico) & CI (Conservation International). 1999. Seminário Consulta de Macapá 99: Avaliação e identificação das ações prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade da Amazônia. ISA, São Paulo, SP. Disponível em: http://www.isa.org.br/bio/index.htm.
[2] Capobianco, J.P.R.; Veríssimo, A.; Moreira, A.; dos Santos, I.; Pinto, L.P. & Sawyer, D. (Eds.). 2001. Biodiversidade na Amazônia brasileira. Editora Estação Liberdade & Instituto Socioambiental, São Paulo, SP. Disponível em: http://www.isa.org.br/bio/index.htm.
[3] Nelson, B.W.; Ferreira, C.A.C.; da Silva, M.F. & Kawasaki, M.L. 1990. Endemism centres, refugia and botanical collection density in Brazilian Amazonia. Nature 345: 714-716.
[4] Albernaz, A.L.K.M. & de Souza, M.A. 2007. Planejamento sistemático para a conservação na Amazônia Brasileira uma avaliação preliminar das áreas prioritárias de Macapá - 99. Megadiversidade 3: 87-101.
[5] Brasil, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Biodiversidade e Florestas (MMA-SBF). 2002. Biodiversidade Brasileira: Avaliação e Identificação de Áreas e Ações Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira. MMA-SBF, Brasília, DF. 404 p.
[6] Myers, N.; Mittermeier, C.G.; Mittermeier, R.A.; da Fonseca, G.A.B. & Kent, J. 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403: 853-858.
[7] Dinerstein, E.; Olson, D.M.; Graham, D.J.; Webster, A.L.; Primm, S.A.; Bookbinder, M.P. & Ledec, G. 1995. A Conservation Assessment of the Terrestrial Ecoregions of Latin America and the Caribbean. International Bank for Reconstruction and Development -The World Bank. Washington, DC, E.U.A. 129 p.
[8] Ferreira, L.V. 2001. A representação das Unidades de Conservação no Brasil e a Identificação de Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade nas Ecorregiões do Bioma Amazônia, Tese de doutorado em ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia & Universidade do Amazonas, Manaus, AM. 203 p.
[9] Ferreira, L.V.; Cunha, D.A. & Leal, D.C. 2008. O uso da ecologia de paisagem na avaliação da representação das unidades de conservação e terras indígenas em relação às ecorregiões da Costa Norte do Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ciências Naturais 3(2): 143-150.
[10] Ferreira, L.V.; de Sá, R.L.; Buschbacher, R.; Batmanian, G.; da Silva, J.M.C.; Arruda, M.B.; Moretti, E.; de Sá, L.F.S.N.; Falcomer, J. & Bampi, M.I. 2001. Identificação de áreas prioritárias para a conservação de biodiversidade por meio da representatividade das unidades de conservação e tipos de vegetação nas ecorregiões da Amazônia brasileira. p. 268-286. In: Veríssimo, A.; Moreira, A.; Sawyer, D.; dos Santos, I.; Pinto, L.P.; Capobianco, J.P.R. (Eds.). Biodiversidade na Amazônia Brasileira: Avaliação e Ações Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios. Instituto Socioambiental & Estação Liberdade, São Paulo, SP.
[11] Pressey, R.L.; Possingham, H.P. & Margules, C.R. 1996. Optimality in reserve selection algorithms: when does it matter and how much? Biological Conservation 76(3): 259-267. doi: 10.1016/0006-3207(95)00120-4
[12] Albernaz, A.L.K.M.; Pressey, R.L.; Ridges, M. & Watts, M. 2007. Planejamento sistemático para a conservação da várzea. p. 327-347. In: Albernaz, A.L.K.M. (Ed.). Conservação da Várzea: Identificação e Caracterização de Regiões Biogeográficas. Programa ProVárzea, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Brasília, DF.
[13] Fearnside, P.M. 2003. Conservation policy in Brazilian Amazonia: Understanding the dilemmas. World Development 31(5): 757-779. doi: 10.1016/S0305-750X(03)00011-1
[14] Soares-Filho, B. & Dietzsch, L. 2008. Reduction of Carbon Emissions associated with deforestation in Brazil: The Role of the Amazon Region Protected Areas Program (ARPA). World Wide Fund for Nature (WWF), Brasília, DF. 32 p.
[15] Soares-Filho, B.S.; Moutinho, P.; Nepstad, D.; Anderson, A.; Rodrigues, H.; Garcia, R.; Dietzsch, L.; Merry, F.; Bowman, M.; Hissa, L.; Silvestrini, R. & Maretti, C. 2010. Role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 107(24): 10821-10826.
[16] Isto é uma tradução parcial atualizado de Fearnside, P.M. 2014. Conservation research in Brazilian Amazonia and its contribution to biodiversity maintenance and sustainable use of tropical forests. p. 12-27. In: 1st Conference on Biodiversity in the Congo Basin, 6-10 June 2014, Kisangani, Democratic Republic of Congo. Consortium Congo 2010, Université de Kisangani, Kisangani, República Democrática do Congo. 221 p. http://congobiodiversityconference2014.africamuseum.be/themes/bartik/fi…. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).

Leia também:
Pesquisa sobre conservação na Amazônia 1: resumo da série
Pesquia sobre conservação na Amazônia 2: conservaçãso versus destruição na Amazônia
Pesquisa sobre conservação na Amazônia 3: o Código Florestal e a mudança do poder político
Pesquisa sobre conservação na Amazônia 4: Oportunismo versus priorização científica

Philip M. Fearnside fez doutorado no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM) desde 1978. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis através de http://philip.inpa.gov.br.
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